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sexta-feira, 27 de março de 2015

OBESIDADE: EXPLICANDO O ÓBVIO.

Após a palestra que proferi ontem, 26 de março, no Salão Azul do Copamar Hotel, muitos colegas comentaram o quanto ainda falta sabermos para explicar a pandemia de obesidade no mundo.
Superficialmente, a obesidade é o saldo da maior entrada de calorias no corpo em relação ao gasto menor que fazemos, diariamente e cronicamente. Ponto.
Mas é desafiante o estudo bioquímico que a cada passo vai mostrando um mapa mais claro de como se comporta o organismo diante dessa realidade.
O ponto de partida desta análise deve ser o tempo que nossa espécie (H. sapiens) e possíveis precursoras (H. erectus) levaram para se adaptar às condições de vida como coletores e caçadores oportunistas: de 60 a 500 mil anos. Um sistema enzimático foi criado e aperfeiçoado para GUARDAR, APROVEITAR, ARMAZENAR calorias extras, como estratégia biológica de sobrevivência!
Então, quando mudamos radicalmente toda a adaptação biológica em apenas 200 anos, é impossível que a nova realidade seja contemplada com nova adaptação tão rapidamente. Entretanto, como hoje dispomos de avanços tecnológicos inimagináveis há 200 anos atrás, a busca de soluções que possam abreviar o tempo necessário para a nova adaptação começa a ser prioridade em todos os países desenvolvidos e também em vários não tão desenvolvidos. Ou seja, é uma prioridade mundial estudar e tentar solucionar o problema da obesidade.
Ela não só limita movimentos e vida, como contribui para baixa estima, depressão e timidez. Além disso a relação de obesidade com outras patologias, como câncer e diabetes, está cada vez mais consolidada. Substâncias liberadas no organismo a partir do metabolismo alternativo das gorduras (o principal é a beta-oxidação), como os isoprostanos e epóxidos, estão entre os mais potentes carcinogênicos conhecidos. E o pior: nós os produzimos na tentativa de metabolizar o excesso de gordura, utilizando a via dos CYPs no Retículo Endotelial, que não é específica e ataca a estrutura dos lipídios com hidroxila reativa (radical livre), causando mutilações nas moléculas--> epóxidos, peróxidos e isoprostanes. Basta colocar esses último no Google junto com a palavra "cancer". Você vai se surpreender, os maiores cancerígenos nós mesmos produzimos quando estamos com excesso de gordura! Veja, por exemplo, títulos médicos que já propõem usar os isoprostanes como indicados (avisos) do risco de câncer:


Do ponto de vista bioquímico, o acúmulo de gordura começa com o aporte de um metabólito: acetil CoA. Veja a figura:


Esse é um sistema muito eficiente, de modo que toda a sobra de acetil CoA, pelo nosso sedentarismo, vai imediatamente ser guardada pelo corpo, para uso futuro. Só que esse uso não acontece porque ficamos cada vez menos ativos fisicamente. E não adianta ficarmos batendo nessas teclas - ingerir menos calorias e fazer mais exercício. Isto não vai mudar facilmente! Talvez nem mude mais, mas sim seja adaptado. Não está acontecendo, é maior do que nós, sejamos médicos, bioquímicos, psicólogos, fisioterapeutas, enfim, leigos e a população global. Estamos esquecendo que a obesidade é REFLEXO DIRETO DA TECNOLOGIA! É um dos acidentes de percurso do avanço tecnológico, assim com a avassaladora falta de tempo para nós mesmos. Temos veículos muito mais rápidos do que a velocidade do homem, mas não nos beneficiamos mais da maravilhosa invenção do automóvel,  pois simplesmente não conseguem transitar! As distâncias para os locais de trabalhos aumentam desmedidamente, em função do alto valor dos imóveis nas áreas urbanas mais favorecidas. Recente estudo publicado jornal O Globo dá uma média de até 140 minutos de deslocamento na região metropolitana do Rio de Janeiro! Só ida! Que exercício essa pessoa pode fazer ao chegar em casa? Só de levar a colher à boca, se alimentar, para dormir e acordar muito cedo no dia seguinte.
A tecnologia é como um trator que caminha só para a frente, não volta nunca. Portanto, soluções virão para corrigir aquilo que está dando errado no percurso. Assim a obesidade. 

É lógico que modificações terão que ocorrer no organismo para mudar o padrão desenvolvido ao longo de centenas de milhares de anos. Vamos falar, então, de alguns pontos metabólicos que poderão ser modificados em resposta ao excesso de calorias e baixo gasto das mesmas.

1. AUMENTO DE EXCREÇÃO: nosso sistema de absorção de nutrientes é muito especializado e eficiente. No grupo dos carboidratos, os maiores fornecedores de calorias, encontramos justamente o mecanismo mais efetivo de absorção, que já se inicia na boca com a AMILASE SALIVAR, enzima que ajuda a prepara os açúcares para serem absorvidos. Depois, outras amilases (pancreática) e glicosidases completam o serviço com MUITA RAPIDEZ. Logo, quase todo o amido ou açúcar ingerido vai estar no sangue, sendo transformado rapidamente em PIRUVATO e, a seguir, em ACETIL CoA. Há estudos que procuram encontrar substâncias medicamentosas ou naturais que possam reduzir a ação destas enzimas de absorção dos carboidratos, aumentando sua excreção intacta pelo intestino. Vejam esse artigo sobre o extrato de Cinnamon (canela) de 2014:


Esse estratégia também é aplicável às gorduras, mas não esqueçam de que mais do que 70% da gordura acumulada no corpo vem da síntese de novo (Prof. Paulo Lacaz!) no fígado, apenas de 25% a 30% é da absorção direta. Para reduzir absorção de gordura foi idealizado na década de 1970 as chamadas resinas ligantes de ácidos biliares, a mais conhecida a colestiramina. É uma solução parcial, já que seu uso leva à diminuição de colesterol, mas aumenta a demanda de triglicerídeos como fornecedores de matéria prima para reposição dos ácidos biliares perdidos nas fezes - os ácidos biliares são confeccionados a partir da molécula do colesterol.
Muito recentemente, a descoberta (Evans & cols) de que os ácidos biliares se ligam aos receptores FXR (tema da palestra que proferi) e ativam mecanismos de eliminação da gordura abdominal, em resposta à alimentação, diminuiu ainda mais a importância das resinas ligantes na medicina.
Evans e seus colaboradores criaram uma molécula, cuja estrutura tem parte similar ao dos cinamatos da canela, a qual deram o nome de FEXARAMINE. Ao se ligar nos receptores FXR intestinais, como fazem os ácidos biliares quando o alimento chega ao duodeno, a FEXARAMINE dá os estímulos para que as enzimas lípases adipocitárias iniciem a quebra dos triglicerídeos acumulados nos adipócitos. Com no momento da administração do medicamento não está ocorrendo alimentação, o organismo começa a se desfazer do saldo altamente positivo de gordura no corpo. O mais importante é que a ativação dos receptores FXR não só aciona a quebra da gordura acumulada no abdômen, mas também vai ativando em cascata os mecanismos necessários a que a gordura liberada seja transportada até o fígado e seja queimada nas reações de beta-oxidação.

Imagina-se que, com tempo (muito tempo!) adaptações possam surgir no homem para enfrentar a avalanche calórica que inunda supermercados e as dispensas residenciais. Por exemplo, mudanças nos gradientes de absorção intestinal e, muito importante, no microbioma intestinal que mostra estar diretamente envolvido com a absorção de calorias. Lembrem-se que no início do ano de 2014 estudos publicados na Nature mostraram que algumas da centenas de espécies de bactérias intestinais, que chegam a ser mais numerosas do que as próprias células de nosso corpo, podem influir diretamente na obesidade. Por exemplo, as metanógenas que aumentam a captação de glicose e açúcares no intestino. A influência da flora intestinal na obesidade, como dizia o brilhante e saudoso Professor Helion Póvoa Filho, é inegável - hoje é patente através das pesquisas publicadas. Assim, na contramão das estratégias para diminuir a absorção intestinal de calorias, a flora intestinal, quando alterada, pode trabalhar contra! Bactérias ávidas por calorias, como Methanobrevibacterium smithii, Prevotella e outras podem nos tornar verdadeiras bombas de absorver açúcares, mesmo aqueles complexados e que jamais poderíamos absorver, como a celulose. Portanto, a segunda estratégia é exatamente a reposição de probióticos, as bactérias boas que nos ajudam a conter a expansão das gulosas.

1.1 REFLORESTAMENTO INTESTINAL: o mapeamento da flora humana é tarefa hercúlea para a ciência, já que bilhões de bactérias e fungos habitam os intestinos, isso sem falar da pele e de cavidades mucosas. Nos intestinos são mais de 400 espécies! Incrivelmente a medicina se dedicou ao estudo de poucas dessas bactérias, as do grupo Lactobacillus, que são muito importantes para a higidez intestinal. Porém, começamos a saber pelos estudos publicados na Nature 2012/2013/2014 que manter certas bactérias (metanógenas) sob controle é fundamental. Para isso a espécie LACTOBACILLUS REUTERI é a mais potente, pois consegue eliminar a concorrência com facilidade devido ao seu elevado poder de fogo: reuterina, reutericiclina e reutericina - três potentes antibióticos contra bactérias gram negativas e gram positivas. O reflorestamento intestinal é um mecanismo para ajudar a reduzir o excesso de absorção de carboidratos.

2. DIMINUIÇÃO DA LIPOGÊNESE: uma estratégia perseguida em vários modelos de pesquisas farmacêuticas - tentar diminuir a síntese de novo das gorduras, os ácidos graxos de cadeia longa (14-18 C). Infelizmente trata-se de um processo extremamente eficiente em nosso organismo, guardar o que sobrou para usar depois. Mas não estamos usando depois, e isto está se acumulando e gerando obesidade. Vejam abaixo mecanismos atuais de lipogênese e os pontos onde, futuramente, o metabolismo tenderá a ser adaptado:

A síntese do colesterol também depende de ACETIL CoA e ocorre aceleradamente em vista da eficiente bateria de enzimas disponíveis para isto. O colesterol é muito importante para nós, já que diversos hormônios e a vitamina D se originam dessa molécula, por isso sua síntese é prioritária no fígado.
Além disso, as fontes de acetil CoA são muito abundantes em nossa alimentação, especialmente os carboidratos e lipídios. Das proteínas, os aminoácidos também são fontes de acetil CoA, demonstrando que será impossível que reduzir a fabricação de gordura em nosso organismo sem reduzir a oferta de acetil CoA.
Para complicar mais ainda, uma fonte acessória não alimentícia, o ÁLCOOL ETÍLICO, produz imensas quantidades de acetil CoA, nos que abusam desse hábito. É a chamada caloria vazia, porque não tem nutrientes.


Na síntese de ácidos graxos a fonte não é diferente, a mesma acetil CoA. Através de outro sistema enzimático especializado, o organismo partindo de apenas dois carbonos (C2) chega ao prodígio de criar os fatty acids com C14, C16 e C18! Tudo isso para  reuní-los em grupos de 3, associando ao glicerol e criando uma estrutura super compacta para armazenamento no abdômen, os triglicerídeos.
Os triglicerídos são a maneira mais inteligente que se pode encontrar para guardar tanta gordura em um espaço limitado, a célula de gordura (adipócito). São como dobradiças (glicerol) acopladas a 3 filamentos (os ácidos graxos), que se dobram por si mesmos e se compactam mais e mais. Nesta imagem ao lado vemos essa engenhosa maneira que o organismo dos mamíferos criou para armazenar energia, e usá-la quando necessário. Alguns animais (hibernantes) chegam a sobreviver meses somente utilizando a energia estocada na forma de gordura. Para o H. sapiens nos tempos primordiais, a próxima refeição era sempre um desafio de oportunidade e tempo! O desenvolvimento eficiente da lipogênese permitiu que chegássemos até aqui. Vejam um diagrama simplificado da lipogênese hepática:

Existem enzimas que, com adaptação genética ou intervenções da engenharia genética, se modificadas em sua expressão contribuirão significativamente para redução do acúmulo de gordura no corpo:

Acetyl CoA carboxylase
Fatty Acid Synthase
Citrate Liase

A hipomodulação dessas três acima acarretaria, certamente, em redução da lipogênese.

Na síntese do colesterol uma enzima foi objeto de pesquisa e desenvolvimento de inibidores, usados como medicamentos: a HMG CoA Redutase - os medicamentos lançados são do grupo das ESTATINAS. Uma outra enzima, anterior a HMG CoA Redutase, é a ACAT (Acyl CoA Acyl Transferase), porém para essa ainda não foram desenvolvidos inibidores terapêuticos. Na verdade o uso de estatinas sofreu certa queda na prescrição médica após o acidente com a CERIVASTATINA (no Brasil LipoBay), que décadas atrás ocasionou a morte de vários pacientes. A droga foi mal planejada no quesito segurança terapêutica e, apresentando dose terapêutica próxima de dose tóxica, causou rabdomiólise e destruição muscular, levando a óbito. Foi imediatamente retirada do mercado, mas acendeu uma luz vermelha sobre os efeitos colaterais das ESTATINAS --> danos musculares. Por isso vários médicos usam uma suplementação com Coenzima Q-10, um valioso metabólito endógenos que protege as mitocôndrias das fibras musculares. Uma opção natural e comprovadamente eficiente às estatinas são os TOCOTRIENÓIS, parte da vitamina E. Aliás, uma parte esquecida por anos, já que a medicina priorizou apenas o uso do alfa-Tocoferol, um dos oito membros do complexo E.

2.1 CAPÍTULO À PARTE: SÍNTESE DE TRIGLICERÍDEOS.

Duas enzimas são chaves na função de unir ácidos graxos livres com o glicerol, criando a estruturamais compacta para armazenar gordura em nosso corpo. São elas GLICEROL PHOSPHATE ACYL TRANSFERASE (GPAT) e MONO ACYL GLYCEROL ACYL TRANSFERASE (MGAT). Somente de alguns anos para cá começamos a ver interesse dos cientistas em procurar por inibidores dessas enzimas poderosas, que atuam convertendo os ácidos graxos livres em pacotes de gordura estocáveis nos adipócitos. Vejam como ainda precisamos explorar as alternativas metabólicas visando diminuir a eficiência do sistema lipogênico que funciona ininterruptamente dentro de nosso corpo!



3. ESTIMULANDO A LIPÓLISE: lipólise é o termo técnico que se usa para descrever a quebra da união dos ácidos graxos ao glicerol, mas vem sendo usado mais amplamente para designar digestão de gorduras, o processo conhecido como b-oxidação. Obviamente o primeiro passo da lipólise é o desmembramento dos triglicerídeos, passo que foi tão estudado por Evans no desenvolvimento do seu agonista FXR, a fexaramine. Substâncias como Cinnamon extract padronizado e Forskolin (da planta Coleus forskohlii) mostram ter sido inspiração para os novos e promissores agonistas FXR. Seu uso encontra embasamento em vários estudos médicos (muitos que apresentei na palestra) e pode ser um auxílio ao combate da obesidade. Laboratórios de farmácias, como Avena farmacêutica, já dispõem desses extratos. Mas a POTÊNCIA de fexaramine, sinteticamente idealizado para ter afinidade poderosa com os FXR, é muito maior. AGUARDEMOS, já que a droga levará algum tempo para ser liberada pelo FDA. Enquanto isso, as dicas: CYNNAMON + FORSKOLIN + KAEMPFEROL, pois é uma combinação natural que pode ajudar muito na redução da gordura abdominal.
CYNNAMON --> extrato padronizado da Cinnamomum zeylanicum
FORSKOLIN --> extrato padronizado de Coleus forskohlii
KAEMPFEROL --> presente nas alcaparras, extrato padronizado de Kaempferia galanga.

Porém, não basta estimular a lipólise, é necessário que o transporte desses ácidos graxos livres ocorra protegidamente, caso contrário eles poderão ser captados pela VLDL e ficar circulando sem serem queimados. Um grupo de proteínas chamadas Fatty Acid Binding Proteins são estimuladas por esses agonistas FXR, que também estimulam as enzimas da b-oxidação através dos PPAR-alfa.
FOSFATIDIL COLINA demonstra estimular a primeira enzima do sistema b-oxidação: CPT-1. NARINGENINA, um componente de frutas cítricas, especialmente o CITRUS PARADISII, mostraram capacidade de otimizar as enzimas atuantes após a CPT-1 e CPT-2.
Mas falar sobre a beta-oxidação, além de emocionante, é uma longa prosa, que vamos deixar para o próximo capítulo de: OBESIDADE: explicando o óbvio. No próximo também falaremos dos aspectos inflamatórios da obesidade.

Abcs a todos amigos, ex-alunos e membros do GRUPO DE ESTUDOS HELION PÓVOA.





sexta-feira, 6 de março de 2015

EM BUSCA DA HOMEOSTASE BIOENERGÉTICA

Neste artigo que publiquei em 2012 a abordagem sobre os aspectos inflamatórios da obesidade foi, talvez, o grande destaque. O papel de antioxidantes com perfil de solubilidade adequada à penetração no tecido adiposo branco, pouco vascularizado, começou a ser valorizado, especialmente os polifenóis Kaempferol e Fisetina.

Logo a seguir desta publicação, cujo texto integral disponibilizo abaixo, o grupo Nature publicou vários estudos sobre a microbiota intestinal e sua relação com a obesidade, ideia já apresentada pelo brilhante Prof. Helion Póvoa há décadas atrás.

Agora nos vemos ante a nova descoberta do papel dos receptores nucleares FXR como importantes reguladores do acúmulo de gordura. Pesquisadores do Salk Institute (EUA) encontraram uma relação entre a ativação dos FXRs e o imediato acionamento da lipólise nas áreas acumuladas, especialmente cinturão lipídico abdominal. Os ativadores naturais endógenos desses receptores são os ácidos biliares, especialmente CDCA (ácido chenodesoxicólico). A partir desse ácido biliar moléculas sintéticas, ou semi-sintéticas, começaram a ser desenvolvidas, como ácido obeticólico e fexaramine.

Entretanto, agonistas naturais dos FXRs já foram identificados! São fitoterápicos já conhecidos, como Plectranthus barbatus, Cinnamomum zeylanicum e ainda a Commiphora wightii, está com um papel mais complexo do que um simples agonista, pois atua como modulador dos FXRs.

Em 26 de março próximo estaremos reunidos para avançarmos um pouco neste tema:
COPAMAR HOTEL, SALÃO AZUL: R. Ministro Viveiros de  Castro 155 (Copacabana) - 10h.

ABAIXO O ARTIGO NA ÍNTEGRA:

  

EM BUSCA DA HOMEOSTASE BIOENERGÉTICA:

OBESIDADE OU LONGEVIDADE?


Cad Bras Med, 2012, VOL XXV – Nº 1

Celio Mendes de Almeida Filho
Farmacêutico-Bioquímico
Professor de Pós Graduação na Universidade Veiga de Almeida




RESUMO: sobrepeso e obesidade ocorrem alarmantemente em conseqüência das mudanças nos hábitos alimentares e modus vivendi da sociedade moderna, em crescente sedentarismo.  Nos EUA estima-se que 65% da população estão acima do peso, revelando um avanço assustador quando comparados aos valores das pesquisas na década de 1980. No Brasil o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Ministério da Saúde revelaram em pesquisa de 2002/2003 que 40,6% da população com > 20 anos apresentam excesso de peso – 10,5 milhões estão obesos. Segundo o IBGE, o sobrepeso em homens pulou de 18,6% para 41% em apenas três décadas, enquanto a obesidade nesta população avançou de 2,8% para 8,8% no mesmo período. Após conclusões inequívocas sobre os malefícios da dieta contendo ácidos graxos trans-esterificados (TFAs), foram necessários muitos anos para que os governos determinassem a sua substituição. Mesmo assim, não estão claros os seus sucedâneos, a sua segurança e seu comportamento metabólico no homem.
A adaptação geneticamente estabelecida durante a evolução coloca em primeiro lugar para utilização como fonte bioenergética os carboidratos, do plasma e do glicogênio. As reservas de açúcar no organismo são limitadas e rapidamente consumidas no jejum. Estudos com atletas mostraram que as reservas de glicogênio muscular podem ser drasticamente reduzidas entre 30 e 50 minutos na elevada exigência do esforço (VO2max = 67,5 + 5,5ml/min.), sob temperatura ambiental de 30ºC. A reserva de L-glutamina no plasma é a segunda fonte de substrato bioenergético, já que este aminoácido pode ser convertido em L-alanina e piruvato, com acesso imediato ao ciclo de Krebs. Somente quando as reservas de L-glutamina caem são disparados os mecanismos da lipólise nos adipócitos e a b-oxidação dos ácidos graxos, na mitocôndria. Esta é a razão pela qual exercícios de curta duração não contribuem para reduzir o acúmulo de gordura branca (WAT = white adipose tissue).
Restrição Calórica (CR) é o único meio cientificamente comprovado que aumenta a longevidade em mamíferos e humanos, além de reduzir o ganho de peso. Desde a primeira observação, o relato de McCay & cols. em ratos, estudos realizados quatro décadas após comprovaram a extensão da vida em animais submetidos à CR. É de se ressaltar o estudo realizado por Miyagi no Japão (Okinawa), que forneceu subsídios importantes para corroborar em humanos as descobertas sobre restrição calórica e longevidade em animais.
Outra intervenção nutricional que vem ganhando espaço nas pesquisas é a restrição à metionina (MR). Alguns estudos realizados nos portadores de homocistinúria homozigótica acabaram por indicar alterações importantes no catabolismo dos lipídios pela MR. Os resultados obtidos nos estudos com MR em animais são, mais do que encorajadores, surpreendentes, com aumento na taxa de oxidação dos ácidos graxos.
Proteínas, fatores de crescimento, hormônios e peptídeos estão envolvidos no balanço energético e ganho de peso, controlando o binômio lipogênese x lipólise. Adenosina Mono Fosfato-Ativado Proteína Quinase [AMPK] é uma enzima que funciona como sensor dos níveis de energia no organismo. AMPK controla a função de outra enzima que regula a liberação dos ácidos graxos dos adipócitos: sirtuína-1 (SIRT-1). Esta regulação ocorre através do aumento da disponibilidade de NAD+ na célula.
Até o momento foram identificadas sete sirtuínas. É importante ressaltar que todas elas foram associadas, de alguma forma, com a regulação do metabolismo energético. A mais estudada – SIRT1 – é apontada como principal efetora na restrição calórica (CR), com redução de peso, regulação dos níveis de triglicerídeos, redução do estresse oxidativo celular e aumento da longevidade em animais.
Peroxisome proliferator-activated receptors (PPARs) representam uma família de receptores nucleares intimamente ligados à lipólise no fígado e no músculo esquelético (PPAR-a) e à adipogênese (PPAR-g).  Sirt1 promove ativação dos PPAR-a, resultando em redução dos níveis de lipídios circulantes. Recentemente constatou-se que a lipidemia pós-prandial é mais importante na detecção das doenças cardiovasculares. Diversas pesquisas mostraram que a ativação dos PPAR-a contribui para a redução da lipidemia pós-prandial.
Em face das inúmeras descobertas sobre os efeitos benéficos da CR ativados pelas sirtuínas, especialmente sirt1, é natural o grande interesse despertado e a busca de moléculas naturais indutoras dessa família de enzimas. Tais produtos têm sido chamados “mimetizadores” das sirtuínas, ou simuladores dos efeitos das sirtuínas. Dentre os estudados até agora, os fitocompostos resveratrol e kaempferol são os que apresentaram maior eficiência em animais. Entretanto, moléculas sintéticas que se candidatam a novas drogas já estão sendo desenvolvidas, com potência infinitamente maior (SRT501, SRT1720).
O acúmulo de gordura favorece o estado pró-inflamatório e pró-oxidante – nos adipócitos foi descrito sistema similar ao dos macrófagos e células “T” para a produção de citoquinas. Também tem sido verificado que o aumento das citoquinas nos adipócitos leva à infiltração celular no tecido adiposo por células do sistema imune, mormente macrófagos. Esta infiltração não só contribui para aumentar mais e mais o nível das citoquinas, como também aumenta a massa gordurosa branca (WAT).
Por fim, é preciso atentar que variações na expressão genética humana podem mudar o comportamento metabólico individual e romper a homeostase bioenergética. Diversos polimorfismos que prejudicam o catabolismo lipídico foram identificados, os principais atingindo os genes controladores de PPAR-g, TNF-a (tumour necrosis factor-alpha), IL-6 (interleucina-6), Apolipo A1 (apoliproteína A1) e a família de enzimas antioxidantes glutationa peroxidase (GPx). É importante perceber, entretanto, que uma nutrição adequada, incorporando os nutracêuticos que favorecem a expressão da homeostase bioenergética – a nutrigenética – pode ajudar na redução da obesidade. Por outro lado, uma restrição calórica ajustada individualmente e a adoção de atividade física, são necessárias a esse processo. Seleção alimentar, especialmente visando regular a carga de metionina na dieta, parece ser outra perspectiva interessante para a melhoria da taxa de oxidação dos lipídios no organismo. Nutracêuticos de pesquisas mais recentes, assim como drogas que deles possam se originar, virão auxiliar nas modificações metabólicas que favorecem o combate à obesidade. Porém, segundo percebemos, não será possível romper esse ciclo vicioso sem a educação ostensiva cultivando novos hábitos alimentares saudáveis, informando sobre a imperiosa necessidade de manter atividade física e alertando sobre o consumo alcoólico excessivo. Assim, é preciso escolher conscientemente o caminho a seguir: obesidade, ou longevidade.


Introdução:
É pertinente considerar que o avassalador aumento dos índices de sobrepeso e obesidade nas populações, tanto em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, tem origem nas alterações dos hábitos de vida da sociedade moderna, bem como nos avanços tecnológicos ocorridos nos últimos dois séculos. Somente nos EUA estima-se que 65% da população estão acima do peso, revelando um avanço assustador quando comparados aos valores das pesquisas na década de 1980 [1]. No Brasil o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Ministério da Saúde revelaram em pesquisa de 2002/2003 que 40,6% da população com > 20 anos apresentavam excesso de peso – 10,5 milhões estão obesos [2]. No gráfico 1 que resume a tabulação dos dados estatísticos vemos o sobrepeso masculino saltar de 18,6% para 41% em apenas três décadas, enquanto a obesidade nesta população avançou de 2,8% para 8,8% no mesmo período.
É óbvio que o abuso no consumo de carboidratos refinados (amido, açúcar) e gorduras (naturais ou sintéticas) está, irrefutavelmente, implicado nesta pandemia de sobrepeso, associado à diminuição de atividade física. Este binômio – aumento de ingestão calórica e menor atividade física – rompe a homeostase bioenergética.

O consumo de açúcar refinado começou a se popularizar no século XIX. Após a implementação dos grandes engenhos no século XVIII o produto se destinava, quase totalmente, à exportação – seu preço ainda era inacessível à população em geral. Com os avanços nos métodos de refinamento e na cultura da cana-de-açúcar, no século XX, o produto teve seu custo desonerado e o seu consumo per capita aumentou continuamente – em 2002 o consumo de sacarose representava 13,7% das calorias totais, bem acima dos 10% recomendados [2]. Na década de 1930 o consumo médio de açúcar era de 15kg por habitante por ano. Já nos anos 1940, esse número aumentou para 22kg. Na década de 1950, o consumo foi para 30kg por pessoa, passando logo a seguir para 32kg nos anos 1960. Em 1970, a média era de 40kg e, em 1990, esse índice atingiu a vultosa marca de 50kg por habitante – dados recentes mostram que continua subindo. O Brasil tornou-se um dos maiores consumidores mundiais do produto per capita. Cada brasileiro consome entre 51 e 55kg de açúcar por ano, enquanto a média mundial está em torno de 21kg, segundo dados da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Com relação ao aumento da ingestão de gorduras, a três principais causas podem ser: 1) Industrialização da pecuária, com maior disponibilidade de gordura animal para consumo; 2) O sucesso da agroindústria oferecendo óleos vegetais em larga escala; 3) A obtenção de gorduras processadas e estabilizadas, como as chamadas gorduras trans-esterificadas (TFAs).
Não bastasse a crescente oferta de gordura animal in natura, o processamento químico através da hidrogenação catalítica ofertou, durante décadas, aportes elevados de gordura trans, cujo metabolismo é similarmente aterogênico como o das gorduras saturadas, mas com um agravante: as ligações trans-esterificadas criam uma estrutura tridimensional (Fig.1) de difícil acesso para as enzimas da beta-oxidação.



É impressionante lembrar que, mesmo após conclusões inequívocas sobre os malefícios da dieta contendo TFA [3], foram necessários mais de 10 anos para que os governos determinassem a sua substituição. Mesmo assim, não estão claros os seus sucedâneos, bem como sua segurança e comportamento metabólico no homem.
Todas essas drásticas alterações nos hábitos alimentares são muito recentes no ciclo evolutivo da espécie humana, mas parecem já estar contribuindo para adaptações biológicas, nem sempre favoráveis – haja vista os polimorfismos detectados em enzimas e proteínas ligadas ao catabolismo das gorduras que são prejudiciais à saúde [210-225].
A adaptação genética estabelecida durante a evolução humana coloca em primeiro plano a utilização dos carboidratos como fonte bioenergética (glicose e glicogênio) - as reservas de açúcar no organismo são limitadas e rapidamente consumidas quando não ocorre reposição. Estudos com atletas mostraram que as reservas de glicogênio muscular podem ser drasticamente reduzidas entre 30 e 50 minutos na elevada exigência do esforço (VO2max = 67,5 + 5,5ml/min.), sob temperatura ambiental de 30ºC. O sistema de recuperação da glicose – gluconeogênese visa prioritariamente manter níveis adequados de glicose no cérebro, já que este órgão depende exclusivamente do açúcar como fonte de energia. No esforço prolongado as reservas de carboidratos não são suficientes para a conclusão da performance, assim, uma segunda fonte bioenergética de rápida oferta é estrategicamente reservada: o aminoácido L-glutamina.
A reserva de L-glutamina exerce, neste aspecto, um papel da maior relevância. Trata-se do aminoácido livre mais abundante no plasma, com facilidade para conversão em L-alanina e piruvato, cujo acesso é garantido ao ciclo de Krebs. Subseqüentemente, na cadeia respiratória mitocondrial, ocorre a gênese de até 36 moléculas de ATP (Adenosina Tri-Fosfato) por cada molécula de piruvato introduzida. A bioenergética aeróbica é, indiscutivelmente, a mais eficiente.

Somente após a diminuição dos níveis de L-glutamina no plasma é que começa a ser utilizado o estoque de gordura para produção de ATP. Porém, a reserva de L-glutamina é vital por ser a principal fonte de energia para os fagócitos. Vários estudos mostraram que os linfócitos, por exemplo, não exibem atividade da enzima glutamina sintetase, ficando completamente dependentes da L-glutamina disponível no plasma [4-6]. Assim, quando os níveis de L-glutamina no plasma começam a decair, em função do esforço (Tab.1), finalmente são acionados os estoques de gordura para suprir a demanda de ATP.



O processo que compreende a transformação dos lipídios em energia é muito complexo, finalizado pela b-oxidação dos ácidos graxos, na mitocôndria. As pesquisas evidenciam, cada vez mais, uma profusão de fatores envolvidos e interligados nos passos do catabolismo lipídico, como veremos adiante. Desde o desalojamento da gordura estocada (lípases que libertam os ácidos graxos dos triglicerídeos), o transporte dos ácidos graxos (fatty acid binding proteins = FABPs), a admissão dos ácidos graxos do citoplasma para as mitocôndrias (sistema acetil-carnitina) e, finalmente, a clivagem oxidativa (b-oxidação) com sua coorte enzimática (D-dessaturases, acil desidrogenases, enoil hidrolases, hidroxiacil desidrogenases), são inúmeros os fatores envolvidos.
Recentemente foi descoberto um novo sistema de transporte dos ácidos graxos que parece permitir a realização da b-oxidação nos peroxissomos, que seria comandado por ALDP (adrenoleukodystrophy protein) [7].
Os peroxissomos são pequenas organelas que se formam no citoplasma, especialmente nos hepatócitos, que foram inicialmente vinculados ao acúmulo de gordura não metabolizada. Os peroxissomos contém enzimas oxidases ou oxigenases, fazendo supor que, de alguma forma, efetuam oxidação dos lipídios, porém de forma diferente da clivagem oxidativa ocorrida no sistema da b-oxidação, que é controlado para evitar acúmulo de peróxidos lipídicos. A ação direta de oxidases sobre a cadeia carbônica dos ácidos graxos, especialmente nos sítios das duplas ligações, pode ser extremamente danosa por resultar em compostos tóxicos, com estruturas deturpadas, como é o caso dos epóxidos carcinogênicos, entre eles a aflatoxina. A proliferação descontrolada de peroxissomos foi associada ao câncer hepático em animais por Hodgson & Levi [234]. Os autores relatam que compostos indutores da proliferação de peroxissomos – clofibrate – foram capazes de provocar câncer em roedores, sugerindo que a peroxidação lipídica pode produzir substâncias perigosas para o organismo. Já são conhecidos diversos grupos de produtos derivados da peroxidação lipídica que são tóxicos, como os isofuranos, isoprostanos, isoketals, lipofuscina, entre outros.
Não é difícil entender, considerando os inúmeros e meticulosos passos para o catabolismo dos lipídios, que sua ativação somente ocorra em condições de consumo das fontes prioritárias da bioenergética: carboidratos e L-glutamina. Um ácido graxo com 18 carbonos é passível de sofrer 9 reações de desacetilação para produzir 9 unidades de acetil coenzima A, cada uma capaz de gerar até 36 moléculas de ATP – um total de 324 moléculas de ATP. Trata-se de um sistema de reserva energética muito eficiente, porém não adequada à demanda imediata de energia livre, mas sim para suprir eventuais períodos sem alimentação.
As recentes modificações no modus vivendi – mais acesso aos alimentos e menos atividade física – podem provocar adaptações biológicas, porém em longo prazo. Algumas delas já estão ocorrendo, como os polimorfismos genéticos que serão descritos ulteriormente.
Enzimas desacetilases, as sirtuínas, emergiram com grande importância no estudo da homeostase bioenergética. Neste sistema também foram identificados polimorfismos que acarretam diminuição da acetilação de histonas (H3K56), nesse caso com conseqüências prejudiciais à lipólise nos adipócitos.
Adaptações que trariam imensas modificações na homeostase bioenergética e no acúmulo de gordura, agora no terreno das hipóteses, seriam modificações no sistema de b-oxidação, com aceleração do processo de redução carbônica dos ácidos graxos através da clivagem das cadeias em estruturas tetra-carbônicas, por hipótese, ofertando succinil CoA ao ciclo de Krebs. Porém modificações de tal envergadura, embora exeqüíveis diante de exigências biológicas, levam milhões de anos para se consolidarem, o que tem levado a ciência a uma busca incansável de soluções terapêuticas que possam diminuir o desequilíbrio entre ganho e dispêndio calórico.
Esta revisão tem por objetivo reunir as informações mais relevantes que trouxeram novos quesitos para discussão sobre as alterações na homeostase bioenergética e a pandemia de obesidade.

Restrição Calórica (CR) é o único meio cientificamente comprovado que aumenta a longevidade em mamíferos e reduz o ganho de peso. A primeira observação a respeito data de 1935, com o relato de McCay & cols. em ratos [20]. Estudos realizados quatro décadas após comprovaram o aumento da longevidade nos animais submetidos à CR e foram publicados em 1974 e 1976 [21-22] – A partir daí o interesse por esse tema estimulou considerável volume de pesquisas [23-56; 60-61]. Os dados com humanos também apontam evidências nesta direção [41, 42, 46, 51,55]. É de se ressaltar o estudo de Miyagi & cols. [228], no Japão (Okinawa), que forneceu subsídios importantes para corroborar em humanos as descobertas sobre restrição calórica e longevidade em animais.
A CR é tipicamente a redução do consumo de alimentos (20-40%), enquanto se mantém nutrição qualitativa adequada [60]. CR reduz a incidência de diversas doenças [13; 61]: auto-imunes, ateroesclerose, câncer, diabetes, doenças renais e doenças neurodegenerativas. Admite-se que dietas com 1.500 kcal/dia para indivíduos com peso em torno de 70 kg sejam hipocalóricas – ajustes proporcionais considerando peso e área corporal, além da carga de esforço individual, deverão ser feitos.
Uma alternativa de CR é o jejum em dias alternados (ADF), que consiste na ingestão de alimentos ad libitum em um dia e no outro redução ao limite do jejum (menos de 500 kcal + água). Interessante foi observar que ADF não contribuiu para redução de peso [62] diferentemente da CR. Entretanto, o aumento de longevidade com ADF pode se assemelhar ao da CR, especialmente pela observação de redução na incidência de diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares [63]. CR associada com exercício (E) é um programa que tem sido avaliado detalhadamente. Os resultados até agora são variados, havendo estudos que demonstraram efeitos benéficos somatórios de CR + E [64-67], enquanto outros não evidenciaram alterações significativas entre CR somente e CR + E [68-70].
A CR deve obedecer a aspectos fundamentais, quais sejam:
§   O balanceamento da dieta constituído pelas proporções adequadas de macronutrientes,
§   A manutenção de níveis adequados dos micronutrientes essenciais, incluindo vitaminas e minerais, (Portaria 33/1998 – SVS/MS).


 Mecanismos Fisiológicos pela Aplicação da CR: (29,57-59)
           i.       Aumento da expressão dos genes ativadores da lipólise (PPARa / sirtuínas), permitindo a reciclagem da gordura contida nos adipócitos.
          ii.       Aumento da expressão PPARg, que mantém funções dos adipócitos (produção de adiponectina) e estimula diferenciação celular para melhor distribuição da gordura. Adipócitos com sobrecarga de gordura são mais propensos às reações inflamatórias mediadas por hidroperóxidos e isoprostanos.
         iii.       Aumento na expressão da enzima carnitina palmitoil transferase 1-A [CPT1A], implementando a capacidade de transporte dos ácidos graxos para a mitocôndria, onde ocorre a b-oxidação.
        iv.       Bloqueio dos receptores que sinalizam lipogênese e adipogênese (ADD1/SREBP, C/EBPa),
         v.       Redução no índice de glicação protéica e estresse oxidativo celular.


Restrição na Dieta (DR) de nutrientes específicos ou grupos de nutrientes é um caminho que tem sido investigado, também. Pesquisas excepcionais relataram que a restrição de carboidratos e lipídios não contribuiu para a longevidade de animais [71-73], mas a grande maioria delas mostra o contrário (23-56; 60-61).
Muitos estudos evidenciaram que o excesso de gordura na dieta é fator para aumento da incidência de doenças cardiovasculares (CVD = cardiovascular diseases). Sendo esse grupo a maior causa de mortalidade mundial há várias décadas, é inquestionável que a restrição de lipídios exerça efeito preventivo das CVD e contribua para a longevidade.
Por outro lado, há provas suficientes de que o abuso no consumo de carboidratos não complexados contribui para exaustão pancreática e subseqüente aparecimento de diabetes tipo 2. Estudos recentes [128] mostram claramente que a restrição de glicose foi a única intervenção comprovada que reduziu a expressão de TXNIP (thioredoxin interacting protein) nos modelos in vitro e in vivo. O aumento da expressão de TXNIP reduz a proteção das tioredoxinas sobre células pancreáticas, levando a apoptose celular, insuficiência pancreática e diabetes tipo II.

Assim, é de se entender que, sendo os carboidratos e lipídios as fontes calóricas de maior influência no quantum de quilocalorias por dia, a CR deve, obrigatoriamente, considerar a adequação de novos limites para estes macronutrientes, preservando a ingestão de proteínas. A restrição de carboidratos se faz especialmente aos produtos não integrais. Com relação às gorduras, devem ser evitadas as saturadas e trans-esterificadas, com preferência para ácidos graxos insaturados, especialmente os mono-insaturados que são menos afetados pela oxidação natural e os de cadeia carbônica média (12 carbonos, óleo de coco), estes que dispensam o sistema acil-carnitina para serem conduzidos à mitocôndria. Ácidos graxos essenciais, especialmente do tipo ômega 3, devem ser objeto de adequação nutricional devido à importância na prevenção de CVD.

Restrição de Metionina (MR):
Alguns estudos com portadores de homocistinúria homozigótica mostraram que a restrição de metionina (MR) produz alterações importantes no catabolismo dos lipídios. Os resultados obtidos nos estudos com animais são, mais do que encorajadores, surpreendentes – ficou demonstrado que os índices de oxidação de ácidos graxos são implementados pela MR, assim como se verificou redução nos marcadores inflamatórios.
Metionina é um aminoácido essencial cujo catabolismo gera S-Adenosil Metionina [same], um importante agente metilante [fig.2]. Entre as principais reações do same estão metilação de 
histamina e adrenalina, com inativação, e também metilação dos genes. O segundo mais importante subproduto da metionina é outro aminoácido, cisteína, precursor de um peptídeo essencial para a homeostase redox celular, L-glutationa. Há um aminoácido não protéico antioxidante que se origina da cisteína: taurina, que apresenta marcante agonismo ao GABA (ácido gama aminobutírico) nos receptores GABA(a). A suplementação com L-taurina pode aumentar as reservas do ácido tauroursodesoxicólico, um ácido biliar que estimula a drenagem de lipídios do fígado, além de ampliar os níveis de adiponectina. De fato, administração de L-taurina apresenta resultados terapêuticos no tratamento da esteatose e nas dislipidemias, como veremos adiante.


A suplementação com L-taurina pode aumentar as reservas do ácido tauroursodesoxicólico, um ácido biliar que estimula a drenagem de lipídios do fígado, além de ampliar os níveis de adiponectina. De fato, administração de L-taurina apresenta resultados terapêuticos no tratamento da esteatose e nas dislipidemias.
Voltando à formação de L-cisteína no catabolismo de L-metionina, ocorre um composto cuja toxicidade é comprovada nas pesquisas médicas: a homocisteína, descoberta em 1952. Uma década depois, em 1962, foram descritos os primeiros casos de homocistinúria. Logo depois, homocisteína foi detectada na urina de crianças com deficiência mental. A homocistinúria homozigótica é uma doença genética em decorrência da ausência da enzima cistationina β-sintetase. O pioneiro a relatar a toxicidade da homocisteína foi McCully, patologista americano, que descreveu lesões vasculares graves em jovens portadores de homocistinúria homozigótica, em 1969 [88]. Nestes pacientes a homocisteinemia é muito elevada, o que facilitou as conclusões de McCully. Décadas após, entretanto, outros pesquisadores viram-se diante de resultados inusitados em pacientes com homocistinúria heterozigótica, cujos níveis são menores do que os encontrados nos homozigóticos, porém mais elevados do que nos indivíduos normais. A determinação dos níveis referenciais aceitáveis de homocisteína plasmática tem sido motivo de intensa busca e não podemos dizer que já é um fato consolidado. Neves e cols. [107] sugerem valores limítrofes ponderados (Tab.3).


As implicações de homocisteinemia moderada foram assinaladas com diversas condições patológicas: angina pectoris, doença tromboembólica, acidentes vasculares cerebrais, doenças neurodegenerativas, doenças renais, estresse oxidativo celular e peroxidação lipídica.
Também estão disponíveis publicações relacionando aumento de homocisteína com síndrome metabólica, obesidade e resistência à insulina [89-106], o que parece indicar que os efeitos benéficos da MR são decorrentes, ao menos Elshorbagy & cols. avaliaram os resultados de MR sobre o perfil dos lipídios e ganho de peso em animais, com resultados expressivos. Utilizando ratos Fischer os autores aplicaram dietas com restrição de metionina limitada ao máximo de 0,17% na carga total de aminoácidos. Os resultados mostram redução drástica no ganho de peso (gráfico 2), que atingiu até 60% após as doze semanas da pesquisa [74].
No estudo em tela os autores verificaram que a MR foi capaz de reduzir triglicerídeos (TG), explicado pela inibição na atividade da enzima SCD1 (stearil CoA desaturase), catalisadora da síntese de ácidos graxos monoinsaturados que compõem os triglicerídeos. É importante observar que o índice de atividade de SCD1 se correlaciona com o IMC e com o percentual de gordura corporal [147].



Antes desta publicação, membros dessa mesma equipe já haviam demonstrado que MR poderia diminuir o ganho de peso em animais [75-76].
Plaisance & cols. [77] realizaram, então, uma pesquisa de MR em humanos, para verificar se são reprodutíveis os resultados obtidos com animais – foram selecionados 26 voluntários com síndrome metabólica, acompanhados por 16 semanas. No estudo os cientistas aplicaram dieta especial isenta L-metionina utilizando Hominex-2 ®, contendo 0,9g de L-cistina por 100g de produto – vale ressaltar que a hidrólise de L-Cistina fornece duas moléculas de L-Cisteína. Nos cálculos finais o grupo sem MR ingeriu 35mg/kg/peso de metionina, enquanto o grupo com MR 2mg/kg/peso, abaixo do requisito diário estabelecido 12,6 mg/kg/peso [78-80].
Vejamos os resultados do grupo MR após 16 semanas:
Peso Corporal: inalterado; Adiponectina: aumento de 22,2%; Taxa de Oxidação de Gorduras: aumento de 76,5%; Triglicerídeos à diminuição de 9,1%.
O estudo mostra que, efetivamente, a taxa de oxidação das gorduras foi claramente implementada [76,5%] com a restrição de metionina (MR), coerente com a redução dos índices de triglicerídeos.
Os resultados sobre a adiponectina também são expressivos, evidenciando um aumento de 22,2%. Isto contribui para diminuição da resistência à insulina – a concentração sérica de adiponectina está diretamente relacionada com a sensibilidade à insulina [81-84]. Quando injetada em animais adiponectina acelera a oxidação de ácidos graxos e diminui os níveis plasmáticos de glicose [81].
A redução observada nos teores de triglicerídeos [9,1%] é compatível com o aumento da taxa de oxidação dos ácidos graxos anotada.
O peso dos voluntários não mostrou alterações, diferentemente do que se observou nos estudos com animais de laboratório. A discussão sobre a validade de estudos animais quando se compara com humanos apresenta múltiplas opiniões. Worp & cols. [85] questionam porque apenas 1/3 dos estudos animais resultam em pesquisas clínicas bem sucedidas. É preciso observar, entretanto, que a grande maioria das drogas em uso terapêutico foi desenvolvida a partir de modelos animais, ainda que os dados obtidos em humanos não tenham sido, inicialmente, significativos [86.]
A análise das possíveis causas para essa discrepância enfatiza falhas estatísticas e/ou metodológicas [84-86]. É importante considerar, porém, a seleção dos animais para teste – jovens, sem morbidades, geneticamente padronizados. São aspectos que não podem ser obtidos com voluntários humanos.
No caso da pesquisa com MR, é bem possível que futuros estudos, envolvendo número maior de voluntários, com maior tempo de duração, possam mostrar resultados semelhantes em humanos àqueles obtidos com animais, especialmente no que tange à perda de peso, pois os demais parâmetros sobre o catabolismo dos ácidos graxos foram confirmados.

Fatores que controlam armazenamento, distribuição e consumo de gorduras:
Proteínas (incluindo enzimas), fatores de crescimento e peptídeos são as inúmeras biomoléculas envolvidas no balanço energético e ganho de peso – lipogênese versus lipólise. É um sistema que está se revelando cada vez mais complexo, com a introdução de novos atores e novos papéis: listamos os principais na tabela 5.

O Sistema AMPK: Adenosina Mono Fosfato-Ativado Proteína Quinase [AMPK] é uma enzima que funciona como sensor dos níveis de energia. Quando aumentam os níveis de AMP (Adenosina Mono-Fosfato) na célula é uma indicação de que a disponibilidade de ATP diminuiu, por esgotamento do sistema de regeneração extra-mitocondrial (creatina-P) e do mitocondrial (nicotinamida adenina dinucleotídeo-fosfato, NADP). AMPK estimula a b-oxidação dos ácidos graxos, mas é controlada por outra enzima, serina/treonina quinase-11 (STK11 ou LKB1), que é sensível ao esforço e monitora as reservas energéticas (9). LKB1 regula a gluconeogênese no fígado e parece estar envolvida com os benefícios de drogas como metformina e tiazolidinedionas, utilizadas no diabetes tipo II. A constatação de que a AMPK mantém o balanço energético através do acionamento de vias catabólicas dos lipídios e da biogênese de novas mitocôndrias torna essa enzima importante no estudo da obesidade. AMPK controla, ainda, a função de outra enzima que regula a liberação dos ácidos graxos nos adipócitos: sirt-1. Esta regulação ocorre através do aumento da disponibilidade de NAD+ na célula.


Fig.3

mitocôndrias
Fig. 3: o esquema mostra a ação do FGF-21 (fibroblast growth factor-21) em três fases, a) aumentando a disponibilidade do NADH e permitindo que AMPK ative sirt-1; b) liberando LBK1 que libera AMPK  e c) estimulando a enzima CPT1a, responsável pelo transporte dos ácidos graxos para o interior da mitocôndria.
O aumento do NADH estimula a liberação de H+ e aumenta a razão NAD/NADH, levando à estimulação de sirt-1, um dos principais fatores que induzem lipólise, através do co-ativador do receptor gama proliferador ativado do peroxissomo (PGC-1a).
A importância da AMPK na obesidade tem levado pesquisadores ao aprofundamento em sua coorte bioquímica e fisiológica, surgindo evidências de que, além da LKB1, o fator de crescimento dos fibroblastos (FGF21) intervém modulando a atividade de AMPK (9).
FGF21 aparece como um potente regulador metabólico em diversas espécies animais, de roedores a primatas. A administração sistêmica de FGF21 a macacos rhesus com dieta hipercalórica indutora de obesidade mostrou marcantes efeitos, antiglicêmico e antilipidêmico, com enfoque nos TG. Como resultado final observou-se clara redução do peso dos animais. Uma das funções hoje atribuídas ao gene klotho é a síntese de b-klotho, uma proteína permeável à membrana celular requisitada para a função do FGF21 (10-12). b-klotho parece regular FGF21 no fígado, pâncreas e tecido adiposo, sua ativação é marcante sob restrição calórica e no jejum. FGF21 é necessário à b-oxidação dos lipídios no fígado, ao “clearence” de TG e à cetogênese. Em última análise, FGF21 regula o gasto e disponibilidade de energia através da modulação da AMPK e SIRT-1 via LKB1.
A Família das Sirtuínas:
São enzimas desacetilases que desempenham papel importante na regulação de outras enzimas e na ativação/desativação dos genes – até pouco tempo atrás não conhecíamos esse grupo especial de proteínas. Sua principal função é a desacetilação das histonas – tal procedimento ativa enzimas e genes na cromatina. Até o momento foram identificadas sete sirtuínas, sendo que três delassirt1, sirt6 e sirt7pertencem ao núcleo celular (13). As sirtuínas promovem desacetilação de várias moléculas importantes: histonas e fatores de transcrição. Também foi observada a interação de sirt1 com a DNA metiltransferase (Dnmtl). É importante ressaltar que todas as sete sirtuínas foram associadas, de alguma forma, com a regulação do metabolismo energético. A mais estudada – sirt1 – é apontada como principal efetora da restrição calórica (CR): redução de peso, redução dos TG, redução do estresse oxidativo celular e aumento da longevidade em animais.
Principais Ações das Sirtuínas sobre Fatores da Obesidade:
·      H3K56: é um membro da família das histonas cuja atividade é regulada por acetilação/desacetilação (8). Há clara indicação de que a hiper-acetilação de H3K56 esteja diretamente relacionada com obesidade e que sirt6, atuando em sua desacetilação, seja fundamental no controle  da obesidade (14). sirt1 e sirt2 já haviam sido apontadas como enzimas desacetilases para H3K56 (15), conseqüentemente sirt1, sirt2 e sirt6 são fatores que participam da regulação metabólica nos adipócitos e permitem ou estimulam o uso dos lipídios estocados como fonte de energia.
·      PGC-1a  e PPARs: PGC-1a (peroxisome proliferator-activated receptor-g coactivator 1a) regula a atividade dos PPARg (peroxisome proliferator-activator receptor gamma), o alvo das recentes drogas anti-diabéticas tiazolidinedionas. Não há dúvidas de que o principal sistema de ativação para os PGC-1a é a sirt1 [9;15]. É interessante observar que, além da ação hipoglicemiante dos agonistas de PPARg, eles são estimuladores da diferenciação dos adipócitos através do gene aP2 [16-17]. Consoante às recentes descobertas, aspectos agravantes da obesidade são decorrentes de mecanismos inflamatórios [18-19]. Nestas pesquisas tem sido demonstrado que quanto maior o volume de gordura no adipócito maior a resposta inflamatória aos subprodutos peroxidados dos lipídios: HPETES, LTB4, PGA1/2, LDLox, isoprostanos, isofuranos. A diferenciação de adipócitos – ativada pelos PPARg – é um mecanismo de adaptação objetivando melhor distribuir a gordura nestas células, diminuindo, assim, o estímulo para inflamação. Veremos a relação da obesidade com inflamação mais detalhadamente.
Não obstante, mantendo-se as condições de ruptura da homeostase bioenergética, esse processo contribui para aumento da massa gordurosa branca (WAT = white adipose tissue). É importante lembrar que os mecanismos indutores da lipólise, incluindo miméticos das sirtuínas, fibratos, CR e exercício [153], todos eles ativam os PPARs.
·      PPAR-a: Sirt1 promove ativação do PGC-1a, induzindo ativação dos PPAR-a [127] e estimulando a lipólise no fígado e no músculo esquelético – dessa forma são reduzidos os lipídios circulantes. Com a redução dos lipídios na circulação, especialmente TG, ocorre estimulação para a lipólise no tecido adiposo, de modo a manter a homeostase lipídica. Recentemente constatou-se que a lipidemia pós-prandial é importante na detecção das doenças cardiovasculares. Pesquisas mostram que a ativação dos PPAR-a contribui para a redução da lipidemia pós-prandial. Kimura & cols. [151] descobriram que a ação do bezafibrato, potente agonista PPAR-a, baseia-se na indução de expressão do RNA-m das enzimas da b-oxidação: acil Coenzima A oxidase, carnitina palmitoil transferases e acil Coenzima sintetase.
·      Enzimas da b-Oxidação: nas reações mitocondriais a participação de sirt1 é fundamental [108], mas a observação de que sirt3 e sirt5 estão localizadas na matriz mitocondrial [108-109] é bastante sugestiva. Há indícios de que sirt4 atue estimulando a oxidação dos ácidos graxos, de forma dependente ou sinérgica com sirt1, através da ativação de MAPK (mitogen-activated protein kinase) [109-110].
     Interações já confirmadas entre as sirtuínas e enzimas da b-oxidação:
o  Acetil CoA sintetase-2 [AcCoAS2]: ativada por sirt3.
o  Acil CoA desidrogenase [AcCoAD]: ativada por sirt3.
o  ATP sintetase [ATPS]: possivelmente ativada indiretamente por sirt3, pela desacetilação sirt3 parece controlar as enzimas dos complexos mitocondriais, adaptando a função mitocondrial à maior oferta acetil CoA proveniente da b-oxidação de ácidos graxos.
o  Considerando que sirt1, indiretamente, regula a expressão das enzimas acil Coenzima A oxidase, carnitina palmitoil transferase e acil Coenzima A sintetase é possível afirmar que à família das sirtuínas cabe relevante papel no processo de utilização e catabolismo da gordura nos mamíferos e no homem.

Adaptação à CR em Nível Central: o papel de sirt1.
Quando o alimento é reduzido o metabolismo dos animais mostra fantásticos mecanismos de adaptação, que incluem alterações fisiológicas e bioquímicas, além de mudanças comportamentais [111]. Um dos mais notáveis ajustes é a redução de atividade física em resposta à fase inicial do jejum. Entretanto, os animais se tornam mais ativos com mais tempo de privação alimentar. A prostração inicial, para conservação de energia, é substituída por hiperatividade na busca incessante pelo alimento. Essas adaptações são traduzidas bioquimicamente pela sirt1.
Satoh & cols. [111] investigaram a adaptação dos animais à restrição alimentar e descobriram que durante a sua implantação a expressão de sirt1 aumenta, medida através da interação com anticorpos anti-sirt1. Localização expressiva dos precipitados de sirt1 foi observada no hipotálamo – núcleo dorso medial e lateral do hipotálamo, assim como núcleo supraquiasmático. Os núcleos ventro medial, arqueado e para-ventricular não reagiram.
Green & cols. [112], anteriormente, haviam detectado atividade de sirt1 no núcleo supraquiasmático, região anterior do hipotálamo densamente povoada por células nervosas, envolvida com a glândula pineal e o ciclo circadiano.
O Efeito Grelina: um dos aspectos que merece atenção, por ser fator decisivo na adesão aos protocolos de CR em pacientes com hiperfagia e obesos, é a liberação de grelina, que ocorre após longo período sem alimentação. Trata-se de um peptídeo hormonal (28 aminoácidos) produzido na mucosa estomacal por células P/D1 e no pâncreas (células e). É um potente hormônio que estimula a ingestão de alimentos descontroladamente, dificultando ou bloqueando a resposta aos tradutores da saciedade: serotonina, leptina e adiponectina. Grelina diminui a seletividade e privilegia a quantidade. Em camundongos, a administração de grelina 15 minutos após os animais terem sido saciados incentivou-os a voltar a comer continuadamente. Portanto, nos protocolos de CR e nas dietas de modo geral, devem ser contra-indicados intervalos longos sem alimentação, evitando, assim, a liberação expressiva da grelina.

Mimetizadores das Sirtuínas:
Em face dos efeitos benéficos da CR causados pelas sirtuínas, especialmente sirt1, é natural o grande interesse despertado na busca de substâncias indutoras dessas enzimas. Tais produtos têm sido chamados “mimetizadores” das sirtuínas, ou simuladores dos efeitos das sirtuínas. Dentre os estudados até agora, os fitocompostos resveratrol e kaempferol são os que apresentaram maior eficiência em animais. Entretanto, moléculas sintéticas derivadas do resveratrol são candidatas a novas drogas e já estão sendo desenvolvidas, com potência infinitamente maior, como veremos mais adiante.
Resveratrol: trata-se de um fitocomposto polifenólico dotado de ação antioxidante e antimicrobiana (antifúngico), encontrado em frutas, especialmente uvas e frutas vermelhas. As primeiras pesquisas com resveratrol mostraram ação anti-aterogênica, que levou centenas de pesquisadores às investigações sobre seu uso na prevenção das CVD. Após algumas pesquisas não tão conclusivas, Ferrero & cols. [113] fizeram a primeira publicação da atividade antiagregante do resveratrol para monócitos e granulócitos junto ao endotélio vascular. Isto ocorreu em 1998, pouco depois divulgação do “French Paradox”, quando se relacionou pela primeira vez o consumo de vinho tinto com menor incidência de CHD (coronary heart disease). Entre as primeiras publicações está o artigo de Richard [114]. Leiris, Boucher e Ducimetière abordam detalhadamente os fatos em seu artigo “The French Paraxox: Fact or Fiction?” [115] – o paradoxo se refere ao elevado consumo de gordura em populações francesas e a menor incidência de CHD, quando comparadas a outras populações européias.
Com mais de 600 artigos publicados e lançados na biblioteca PubMed, o resveratrol mostrou ações em outros campos da medicina – a maioria de artigos publicados a partir do ano de 2000 revela a potente ação anti-cancerígena deste polifenólico.
Mais recentemente, porém, foi descoberto que o resveratrol pode mimetizar (simular) certas condições que surgem durante a CR, especialmente a expressão de sirt1. De fato, a profusão de publicações [116-126] ligando resveratrol com aumento de sirt1 denota, claramente, caminhos para seu uso terapêutico na obesidade, ou para o desenvolvimento de novas drogas sintéticas agonistas de sirt1 (SRT501 e SRT1720). No caso do resveratrol, modelos animais bem sucedidos na redução de peso usaram doses elevadas [116; 118; 129-131], que não podem ser diretamente extrapoladas para humanos (mg/kg). As doses efetivas do resveratrol em humanos, visando ações de estimulação das sirtuínas, ainda não foram determinadas.

Resveratrol elevou os níveis de ácidos graxos livres no músculo, mostrando claramente uma mudança na priorização dos substratos bioenergéticos. Os níveis hepáticos foram reduzidos, assim como TG, glicose e marcadores inflamatórios. Esses resultados sugerem que a realização de testes em longo prazo com voluntários humanos são necessários para confirmar o efeito clínico sobre a perda de peso com resveratrol, considerando que a estimativa de ingestão diária na dieta está entre 8 e 24mg/dia, dependendo do consumo de suas fontes vegetais.









Recentemente, Timmers & cols. [125] elaboraram um protocolo com 11 voluntários obesos em regime duplo-cego, com 150mg/dia de resveratrol contra placebo, durante 30 dias. Foi confirmado que resveratrol ativou o sistema AMPK, aumentando sirt1 e PGC-1a.





 Alimentos ricos em resveratrol: além de fontes conhecidas como as uvas rosadas, outras frutas – morangos – mostram serem fontes de resveratrol na dieta [157]. Uma espécie vegetal chinesa, Polygonum cuspidatus, revelou-se a maior fonte conhecida de até o momento [158].
A presença de resveratrol no vinho tinto, entretanto, pode não ser tão significativa, devido à grande variação detectada – de 0,30 a 1,30mg/150ml. Além disso, a ingestão de álcool em excesso (acima de 30g/dia, segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS), é nociva para a saúde humana. Considerando o teor de álcool médio nos vinhos tintos maduros, entre 12 e 14%, uma taça com 150ml pode conter 15g de álcool, donde concluímos que o consumo de duas taças com essa capacidade seria o limite diário. Nos vinhos com menor teor de resveratrol (0,3mg/150ml) isto nos daria uma dose de 0,6mg de resveratrol, muito aquém dos valores considerados benéficos em quaisquer de suas indicações: anti-aterogênico, anti-carcinogênico ou como estimulador das sirtuínas. Os vinhos de uvas não maduras (verdes), entretanto, têm se revelado como fonte melhor de resveratrol, devido a ser este o momento quando a uva contém os maiores teores do composto, cuja principal atividade para a fruta é seu poder antifúngico. Além disso, os vinhos verdes contêm o menor teor alcoólico entre todos, variando de 8 a 10%.

Outros Polifenóis Mimetizadores das Sirtuínas:
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Fig. 5
Kaempferol: é um fitocomposto do grupo dos polifenóis, de baixo peso molecular, presente em diversos vegetais. É um potente antioxidante e influencia hormônios e enzimas, incluindo sirt1 e triiodotironina (T3). Kowalski & cols. [148] mostraram que kaempferol evita a oxidação da LDL e inibe a infiltração celular de monócitos na íntima, bloqueando a MCP-1 (monocyte chemotact protein 1). Esta proteína tem sido apontada como uma das principais causas da desorganização da íntima e do crescimento da placa ateromatosa. Kaempferol e quercetina parecem atuar sinergicamente reduzindo a proliferação de células cancerígenas – o efeito da associação de ambos é maior do que a ação de cada um individualmente [149].  As pesquisas com Kaempferol mostram que este nutracêutico apresenta importantes ações pró-lipolíticas [141, 235], dentre elas:


§  Ativação das sirtuínas [estimula gene Sir2).
§  Aumento na síntese de T3 [estimula gene Dio2, responsável pela síntese da enzima deiodinase-2 (D2)]. Esta estimulação parece ser via aumento da liberação de c-AMP e maior expressão da enzima PKA.
§  Estímulo do fator de transcrição Nrf2, abundante no tecido adiposo, cuja ativação contribuiu para redução do conteúdo gorduroso nos adipócitos [236].
§  Da Silva & cols. [42] demonstram que a indução de D2 pelo kaempferol envolve, também, um mecanismo pós-transcricional, uma vez que a expressão do m-RNA para D2 é bem menor do que o aumento provocado na atividade de D2 em si. Os autores supõem que kaempferol aumenta a meia vida da molécula de D2.
Outro aspecto interessante sobre o kaempferol é a constatação de que o composto exibe ação antinflamatória, atuando na modulação das enzimas cicloxigenases [150]. Isto significa dizer que ele contribui para diminuir subprodutos peroxidados, especialmente hidroperóxidos (5HETEs), que provocam aumento na resistência à insulina e obesidade [18-19].
  Fisetina: é um flavonol encontrado em muitas frutas [morangos] e vegetais. Está sendo considerada [49] uma potente substância ativadora da sirt1. Já estão disponíveis estudos sobre fisetina, boa parte descrevendo seus efeitos anti-cancerígenos [132-136]. Entretanto as pesquisas começam a mostrar os efeitos pró-sirtuínas da fisetina. Num desses estudos [137] ficou evidenciado que fisetina reverte alterações enzimáticas encontradas no diabetes (hexoquinase, piruvato quinase, lactato desidrogenase, glucose-6-fosfatase, frutose-1,6-difosfatase, glucose-6-fosfato desidrogenase, glicogênio sintetase e glicogênio fosforilase). Numa outra pesquisa [138], equipe de cientistas da Universidade de Maringá, no estado do Paraná, Brasil, evidenciou que fisetina pode inibir a glicogenólise no fígado de ratos. Inibição máxima de glicogenólise e glicólise foi obtidas na concentração de 200mM. A gluconeogênese a partir de lactato e piruvato foi inibida na concentração de 300mM. Esses resultados podem sugerir que fisetina exerce ação preservadora dos carboidratos como substrato bioenergético, redirecionando o sistema bioenergético para o catabolismo de lipídios na b-oxidação, mostrando uma ação similar a sirtuin1. Há um estudo que mostrou a redução dos níveis de aldeídos tóxicos (metilglioxal) no diabetes pela administração de fisetina [139].
  Buteína: fitocomposto ativador da sirt1 [49]. Pesquisa sugere que buteína estimula a síntese da L-glutationa e da enzima heme-oxigenase, ambos potentes antioxidantes [140]. Pandey & cols. mostraram a capacidade da buteína de inibir o fator pró-inflamatório NFkB [175]. Sua presença em vegetais comestíveis ainda não foi bem avaliada, mas está na composição da espécie Caragana jubata.

Nucleotídeos da vitamina B3 e novas moléculas sintéticas.
A função das enzimas da família das sirtuínas é plenamente dependente do NAD (nicotinamida adenina di-nucleotídeo), motivo pelo qual sua biodisponibilidade torna-se um fator regulatório da eficiência das sirtuínas. Mamíferos obtêm NAD a partir da nicotinamida, que sofre primeira reação com a enzima NAMPT [nicotinamida adenina mono nucleotídeo fósforo transferase] para se transformar em NMN [nicotinamida mono nucleotídeo]. A seguir o NMN é convertido em NAD por outra enzima - NMNAT [nicotinamida mono nucleotídeo adenina transferase].
As formas precursoras do NAD podem aumentar a sua disponibilidade: nicotinamida, nicotinamida ribosídeo (NR) e NMN. A primeira é facilmente encontrada como suplemento vitamínico, já NR e NMN são usadas apenas em pesquisas científicas.
A administração oral do NAD já foi objeto de várias pesquisas, especialmente no tratamento da fadiga crônica [198-201], onde foram encontrados resultados positivos. Exceto Alegre & cols. [201], em pesquisa com 77 pacientes, que mostrou apenas redução da ansiedade e diminuição da freqüência máxima cardíaca. Há suspeitas, porém, de que essa forma possa elevar a glicemia.
Segundo Imai [202], a estimulação da biodisponibilidade do NAD é um mecanismo para implementação de atividade das sirtuínas, especificamente falando, sirt-1.
Drogas sintéticas muito mais potentes (Fig.6) que os ativadores naturais das sirtuínas estão sendo desenvolvidas, considerando a importância dessas desacetilases. Milne & cols. [203] iniciaram testes com a molécula experimentalmente denominada SRT1720, registrando efeitos surpreendentes nos animais testados. 

A administração da nova droga a animais promoveu efeitos similares aos obtidos com a adoção da restrição calórica (CR). Além disso, quando administrado a ratos diabéticos, SRT1720 melhorou a resistência à insulina e ativou a lipólise nos animais, supondo-se que a principal via desse efeito é através do PGC-1a.

Beta-Oxidação: Carnitina Palmitoil Transferase (CPT-1 e CPT- 2).
 Entre as enzimas envolvidas na b-oxidação as cpts são críticas [152] – elas determinam o acesso dos ácidos graxos à mitocôndria. O sistema de transporte é composto pelo aminoácido L-carnitina ativado (carnitina Coenzima A), que anexa e carreia os ácidos graxos do citoplasma para a mitocôndria.
Os indutores da lipólise, incluindo miméticos das sirtuínas, CR e o exercício, ativam as lípases, com o conseqüente implemento na hidrólise dos triglicerídeos armazenados no tecido adiposo. A ação das lípases causa rápido aumento de ácidos graxos livres, elevando a demanda do transporte destes para o interior das mitocôndrias – um trabalho executado pela cpt1 (espaço inter-membranas), em conjunto com cpt2 na matriz mitocondrial (Fig.7).  A ação destas enzimas é fundamental para a eficiência bioenergética das gorduras, considerando que os passos subseqüentes são mais complexos, envolvendo o tratamento bioquímico das cadeias carbônicas dos ácidos graxos para criação de dupla ligação na posição do carbono b (Fig.8).
Compostos que aumentam a expressão de CPT-1:
Naringenina: entre compostos vegetais, a Naringenina do grape-fruit se destaca por ativar carnitina palmitoil transferase-1. Cho & cols [154] investigaram os efeitos de naringenina sobre triglicerídeos (TG) e os níveis de colesterol (CT). Foi usado modelo animal (ratos), medindo-se a expressão de PPAR-a sobre a oxidação dos ácidos graxos. A suplementação com naringenina reduziu significativamente TG totais e CT no fígado. Naringenina diminuiu o conteúdo de TG no tecido adiposo, fruto do aumento na expressão de PPARa no fígado. Além disso, cpt-1 e ucp-2 (proteína desacopladora-2) mostraram-se aumentadas nos animais. UCPs constituem uma família de proteínas envolvidas com o transporte de ácidos graxos que drenam os níveis de ácidos graxos da mitocôndria quando eles estão muito elevados. Assim é evitada a produção de lipoperóxidos pró-inflamatórios, principalmente subprodutos de fosfolipídios da membrana [232] – deficiência de UCP-2 foi associada com obesidade. Os autores concluíram que a ativação dos PPARa e o estímulo da oxidação dos ácidos graxos pela naringenina podem contribuir para os efeitos hipolipidêmico e anti-adipogênico.

Reações da Beta-Oxidação:
Um dos principais sistemas que influenciam o acúmulo de gordura é a b-oxidação. Através da b-oxidação os ácidos graxos são degradados em unidades di-carbônicas (acetil), sendo que no caso de ácidos graxos ímpares, ao final, é produzida uma unidade tri-carbônica (propionil). A finalização da oxidação dos ácidos graxos depende do número de carbonos de sua cadeia. Um ácido graxo com átomos de 18 carbonos levará mais tempo para ser totalmente oxidado, em relação a um ácido graxo com 12 carbonos. Encontramos esses ácidos graxos médios em certos vegetais, como o coco, rico em ácido láurico (12 C). A oxidação desses ácidos graxos de cadeia média (vide fig.7) dispensa o sistema de transporte com L-Carnitina CoA, sendo, portanto, muito mais rápida.
Um ácido graxo fornece a metade do número de carbonos de sua cadeia em acetil CoA, capaz de produzir até 38 moles de ATP. A preferência do organismo por carboidratos e L-glutamina como bioenergéticos se deve, em primeiro lugar, à rapidez com que ambos são oxidados até acetil CoA e admitidos no ciclo de Krebs.  O sistema da b-oxidação é bastante complexo, envolvendo cadeias de enzimas que, sucessivamente, preparam o ácido graxo para a clivagem em unidades acetila (acetil CoA). Inicialmente, enzimas dessaturases promovem a saída de átomos de hidrogênio da cadeia carbônica para a criação de uma dupla ligação após o carbono da posição b. A seguir, a hidratação prepara o resíduo da cadeia carbônica para uma nova carboxila, enquanto se mantém protegida a carboxila original do ácido graxo pela ligação com coenzima A. Uma desidrogenase deixa pronta a molécula para a cisão com liberação de uma acetila, porém com a junção de nova coenzima A ao resíduo da cadeia ácida (Fig. 8):

Fatores que Modulam a lipogênese:
C/EBP-a: (CCAAT enhancer binding protein alpha) é uma proteína humana codificada pelo gene CEBPA. Pode também formar heterodímeros com as proteínas relacionadas – CEBP-b e CEBP-g.
Foi observado que adipócitos deficientes em C/EBP-a acumulam menos lipídios e deixam de induzir os receptores PPAR-g, diminuindo a diferenciação dessas células. A consolidação destas pesquisas mostra uma relação de interdependência entre C/EBP-a e os receptores PPAR-g, sendo que a expressão hiperativada de C/EBP-a leva à diferenciação dos adipócitos de forma desordenada, à lipogênese e expansão de tecido gorduroso branco (WAT).
Por outro lado, há indícios de que C/EBP-a possa regular a síntese de leptina [233], o que torna ainda mais complexa a análise dos papéis de C/EBP-a na lipogênese.
Desde a sua primeira descrição por Zhang & cols. [155], a leptina foi vinculada à obesidade em animais e humanos – defeitos na sua biossíntese ou nos seus receptores causam severa obesidade.
Nos animais, a administração de leptina promove intensa inapetência e aumento no gasto de energia, levando à perda de peso rapidamente. Entre os principais mecanismos envolvidos está a inibição do neuropeptídeoY” (estimulador do apetite). leptina pode, ainda, aumentar a taxa metabólica em repouso (gasto calórico basal) [156].
Em humanos, casos de obesidade grave mostram níveis elevados de leptina plasmática, sugerindo um possível mecanismo de resistência à leptina.
SREBP-1c:
Sterol Response Element-Binding Protein 1 é um fator genético que supra-regula fatores lipogênicos. SREBP-1 é estimulado por IGF-1 (insulin growth factor-1) para provocar lipogênese, pois se liga às seqüências nucleotídicas de síntese do colesterol e dos ácidos graxos. Há três membros na família SREBP: SREBP-1a, SREBP-1c e SREBP-2. SREBP-1a é o mais potente ativador da transcrição e tipicamente controla genes das vias de síntese dos ácidos graxos. SREBP-2, por sua vez, controla a transcrição dos genes associados com a biossíntese de colesterol [159].
A lipogênese pode ser estimulada por insulina e glicose. SREBP-1c é ativada pela insulina através de proteólise no retículo endoplasmático (RE). SREBP-1c, por sua vez, ativa os genes da glicólise, promovendo aumento de acetil CoA, cujo acúmulo provoca a síntese de ácidos graxos, a maneira mais eficiente de compactar a energia. Na resistência à insulina ocorre ativação da lipogênese hepática, que pode causar esteatose. Dados recentes sugerem que a ativação de SREBP-1c e a conseqüente lipogênese são originários do estresse oxidativo no RE [160].

Fitocompostos que atuam modulando SREBP.
· Epigalocatequina 3 Galato [EGCG]: é um fitocomposto presente no chá (Camellia sinensis) cujas pesquisas vêm mostrando interessantes propriedades médicas. Efeito antiproliferativo do EGCG foi detectado em mais de um estudo [162-166], Outros estudos na área neurológica estão causando interesse, principalmente sobre a contenção dos efeitos tóxicos do peptídeo b-amilóide [167-169].
Porém, um estudo [161] que chamou atenção sobre o EGCG foi publicado em 2009, no qual ficou evidente a capacidade do composto em modular genes envolvidos com adiposidade. Lee & cols. observaram que a administração de EGCG a camundongos obesos promoveu redução no peso dos animais – os autores se dedicaram, então, a buscar mecanismos que justificassem a descoberta realizada.
As primeiras mudanças observadas foram reduções consideráveis de TG no plasma e no conteúdo da gordura hepática. Na gordura branca foi detectada redução no mRNA de genes ligados à adipogênese, como PPAR-g, C/EBP-a, SREBP-1c, aP2 (adipocyte fatty acid-binding protein), LPL (lipoprotein lipase) e FAS (fatty acid synthase). EGCG mostrou mais atividade lipolítica, aumentando a expressão dos genes que controlam a enzima CPT-1 e UCP2 (proteína desacopladora 2), HSL (hormone sensitive lipase) e ATGL (adipose triglyceride lipase), este último vital para drenagem dos adipócitos. Os autores concluíram que EGCG efetivamente reduz massa adiposa e melhora o perfil lipídico plasmático nos animais submetidos à dieta com alto teor de gordura. Outros estudos corroboram efeitos do EGCG sobre adipócitos [170-173].

Fitocompostos que atuam modulando TNF-a.
Chá Verde: o efeito redutor do TNF-a sobre adiponectina, induzindo obesidade, está confirmado. Biomoléculas que atuem modulando e diminuindo a resposta desse fator inflamatório podem ser úteis no manejo dos programas para redução de peso. O chá verde é proveniente da Camellia sinensis, a mesma espécie que fornece o chá preto. A diferença é que o chá verde não sofre torrefação em temperaturas elevadas, preservando seu conteúdo de antioxidantes. O chá verde contém teores significativos de EGCG e variada composição de antioxidantes polifenólicos com ação hipolipidêmica largamente documentada [176-181]. Embora os efeitos sobre a redução de peso em humanos com o extrato do chá verde não tenham sido estatisticamente comprovados, os resultados positivos sobre os marcadores lipídicos e inflamatórios pela sua administração são evidentes [181].
Ação sobre o TNF-a: Jin & cols. [182] avaliando os efeitos do chá verde sobre a fisiopatologia óssea (osteólise), in vitro e in vivo, verificaram que EGCG realmente inibe a liberação de TNF-a. Pesquisando os mecanismos de ação, comprovaram que tal efeito se dá pela modulação do acoplamento da proteína IkB-a ao fator NFkb, onde a proteólise de IkB-a determina a ativação de NFkb. Mais estudos confirmaram a importante ação antinflamatória do EGCG sobre TNF-a [182-183].
Ilex paraguariensis: conhecida como erva mate, apresenta rica composição em antioxidantes polifenólicos. Dois artigos publicados por revistas do grupo Nature, elaborados por cientistas brasileiros, focalizam com nitidez os efeitos anti-adipogênicos dos extratos de erva mate [195-196]. Na primeira publicação [195] os autores discutiram a importância da perspectiva inflamatória no fenômeno da obesidade, considerando o tecido adiposo como um importante órgão secretor de adipoquinas. Muitas das substâncias secretadas no tecido adiposo podem acelerar o armazenamento de TG e disparar a diferenciação dos adipócitos, ação que, inicialmente é uma adaptação à homeostase lipídica, pois visa melhor distribuição da gordura em excesso. Entretanto, com lipogênese cronicamente elevada, a diferenciação de adipócitos expande a massa gordurosa branca (WAT) [fig.9].
Além disso, outros produtos secretados nos adipócitos interferem com a homeostase cardiovascular, contribuindo para aumento da pressão arterial. Entre estes está MCP-1 (monocyte chemotactic protein-1) que promove infiltração celular no endotélio, angiotensinogênio e PAI-1 (plasminogen activator inhibitor-1).
Considerando que modelos animais são apropriados para essa investigação, os autores utilizaram camundongos geneticamente padronizados, submetidos a dietas com alto teor gorduroso. No grupo administrado com extrato de erva mate, a administração por sonda intragástrica forneceu 5,82mg/g de cafeína; 3,30mg/g  de teobromina; 0,58mg/g de ácido caféico; 348mg/g de polifenóis, a cada dia. Desses componentes, as xantinas (cafeína e teobromina) são moléculas capazes de ativar a lipólise em adipócitos, por inibição de fosfodiesterases e aumento da oferta de AMP-c [197]. Sobre os polifenólicos, é de conhecimento geral que apresentam forte atividade antioxidante e são capazes de migrar do citoplasma para a membrana celular e o retículo endoplasmático.
Após 8 semanas da dieta hiper-calórica houve significante aumento de peso nos animais não tratados, assim como da glicemia. Os animais que receberam erva mate, porém, mostraram significante redução no peso. Na conclusão do estudo os autores consideraram o extrato de erva mate detentor de potente atividade anti-obesidade in vivo.

Ação de I. paraguariensis sobre a Lípase Pancreática: numa outra pesquisa [196] foi abordada a atividade hipolipidêmica da erva mate através do bloqueio da lípase pancreática (PL). Lípases estão distribuídas em vários órgãos, glândulas e células, tendo a finalidade de hidrolisar complexos lipídicos – TG e lipoproteínas. Aquelas lípases lançadas no trato gastrointestinal, como a lípase pancreática (PL), são necessárias à pré-digestão desses lipídios, que fornece ácidos graxos livres, única forma em que podem ser absorvidos após esterificação com os ácidos biliares.
PL, sem dúvida, é um fator decisivo no tratamento da gordura – sua inibição promove aumento da excreção dos ácidos graxos nas fezes. Drogas sintéticas com alta potência sobre PL, como o orlistat, podem provocar diarréias devido ao elevado teor de gordura retido nas fezes. Substâncias naturais contidas na erva mate e também presentes no chá verde (C. sinensis) já haviam sido apontadas como inibidores da PL: flavonóides e taninos, por exemplo.
Neste teste os animais usados foram camundongos padronizados geneticamente e submetidos à administração de erva mate em grupos diferentes, com dietas hipercalóricas e dietas padrão. Após 16 semanas, os resultados das medições da PL mostraram redução do emulsificado com taurocolato e óleo de oliva, indicando clara inibição desta lípase pelo extrato de I. paraguariensis.

Adiponectina, DsbA-L e Ácido TauroUrso Desoxicólico:
Adiponectina é um peptídeo com 244 aminoácidos cujo gene está localizado no cromossoma 3q27, susceptível de polimorfismos que levam à síndrome metabólica (MS). Isto mostra claramente a influência da queda de adiponectina na iniciação da MS. Os níveis plasmáticos de adiponectina são inversamente relacionados com o teor de gordura visceral, embora sua expressão seja menor nas vísceras do que no tecido subcutâneo.
Inibição da adiponectina: TNF-a é um potente inibidor da adiponectina, o que mostra a importância da discussão sobre o papel da inflamação na obesidade.
Indivíduos obesos apresentam a tendência de níveis baixos de adiponectina, provavelmente devido aos mecanismos inflamatórios gerados nos adipócitos quando atingem volume elevado de gordura. Adiponectina também está baixa nos pacientes com síndrome metabólica e resistência à insulina.
Adiponectina recombinante reduz imediatamente a glicose em indivíduos diabéticos e normais, sem estímulo da secreção de insulina. Supõe-se que a redução da glicemia promovida pela adiponectina seja mediada pela supressão da gluconeogênese hepática. Dois tipos de receptores para adiponectina (AdR1 e AdR2) foram identificados no fígado e no músculo.
PPAR-g, abundantes no tecido adiposo, controlam a diferenciação dos adipócitos – necessária para impedir o aumento de volume gorduroso na célula – e a expressão de vários genes nos adipócitos. Agonistas PPAR-g como as tiazolidinedionas têm a habilidade de diminuir a resistência à insulina e aumentar a liberação de adiponectina. Tiazolidinedionas antagonizam os efeitos nocivos de TNF-a sobre a adiponectina, restaurando os níveis adequados.
Uma descoberta de Zhou & cols. [184] coloca novo foco sobre a eficiência da adiponectina. Os autores postulam ser esse hormônio o centro de controle sobre a sensibilidade à insulina. A estocagem da adiponectina na célula ocorre no retículo endoplasmático (RE), em três formas distintas: trímero, hexâmero e uma forma de alto peso molecular (multímera). Cada uma dessas formas exerce papel diferenciado na regulação da adiponectina no retículo endoplasmático. Defeitos na polimerização da adiponectina – envolvendo as proteínas Ero1-1a, Erp44 e GPR94 – afetam não somente sua secreção, mas também sua eficiência. O organismo assegura o funcionamento hormonal da adiponectina através do controle antioxidante no RE, onde a homeostase redox é crítica em função da grande produção de radicais livres naquele sítio celular. Assim, moléculas especiais chamadas chaperonas – poderosos antioxidantes – estão presentes no RE para garantir o perfeito funcionamento da adiponectina. Entre essas chaperonas, o ácido tauroursodesoxicólico é dos mais relevantes.
A mais importante descoberta de Zhou, entretanto, foi uma nova proteína que interage com adiponectina, DsbA-L (disulfide-bond A oxidoreductase-like protein), que se expressa em vários tecidos – rins, pâncreas, coração, com ênfase para o tecido adiposo. Nos animais e voluntários humanos submetidos a dietas altamente calóricas (obesos), a expressão de DsbA-L cai dramaticamente. O mais interessante é que a pesquisa mostra, também, que a melhor forma de manter o desempenho da adiponectina é promover o controle do estresse oxidativo no RE.
Nos testes laboratoriais, para checar a relação do estresse oxidativo no RE e a função da adiponectina, Zhou & cols. separaram grupos de camundongos obesos, tratados com ácido tauroursodesoxicólico e outros sem tratamento. Os animais que receberam o ácido tauroursodesoxicólico mostraram imediata redução na expressão da proteína lipogênica C/EBP-a e aumento da interação da adiponectina com DsbA-L, o que potencializa sua atividade hormonal:
 





L-Taurina:
É um aminoácido não protéico sulfurado cujos papéis no metabolismo lipídico têm sido consecutivamente comprovados. Em outras áreas, como na neurotransmissão, por exemplo, o papel de L-taurina já havia sido enaltecido após as descobertas sobre sua função agonista para o GABA, nos receptores GABA(a) [185-191]. A partir dessa constatação L-taurina tem sido, eventualmente, empregada como moderado ansiolítico, embora faltem estudos clínicos que confirmem esse efeito de modo mais abrangente.
O uso de L-taurina nas dislipidemias tem sido preconizado, assim como na infiltração gordurosa hepática. Há fortes indícios de que sua suplementação auxilie na redução da lipogênese e obesidade, especialmente após a publicação de Tsuboyama-Kasaoka [193]. Na análise dos possíveis mecanismos sobre a ação anti-adipogênica de L-Taurina é preciso levar em conta:
1)   A ação antioxidante exercida por L-taurina e seu papel estabilizador sobre as membranas, incluindo o RE. Piña-Zentella & cols. mostraram como L-taurina pode diminuir a formação de H2O2, diminuindo o estresse oxidativo e ativando a lipólise nos adipócitos [194].
2)   O estresse oxidativo celular, especialmente no RE, compromete as ações anti-adipogênicas, incluindo a função da adiponectina [184].
3)   L-taurina é precursora do ácido tauroursodesoxicólico, cuja ação estimuladora sobre adiponectina foi evidenciada.
4)   O efeito ansiolítico de L-taurina (agonista do GABA), que poderia contribuir para diminuição da hiperfagia compulsiva.

Inflamação: causa ou efeito da obesidade pró-oxidante e pró-inflamatório e no tecido adiposo [204] – nos adipócitos foi descrito sistema similar ao de macrófagos e células “T” na produção citoquinas [208]. Também foi verificado que o aumento de citoquinas nos adipócitos leva à infiltração do tecido adiposo por células do sistema imune, mormente macrófagos. A infiltração de macrófagos não só eleva a liberação de citoquinas, como também aumenta o volume do tecido adiposo e a compressão dos tecidos adjacentes, piorando o quadro inflamatório.
O acúmulo de gordura favorece o estado pró-oxidante e pró-inflamatório e no tecido adiposo [204] – nos adipócitos foi descrito sistema similar ao de macrófagos e células “T” na produção citoquinas [208]. Também foi verificado que o aumento de citoquinas nos adipócitos leva à infiltração do tecido adiposo por células do sistema imune, mormente macrófagos. A infiltração de macrófagos não só eleva a liberação de citoquinas, como também aumenta o volume do tecido adiposo e a compressão dos tecidos adjacentes, piorando o quadro inflamatório.


Fig. 10
Fig.9: na obesidade o tecido adiposo apresenta inflamação por infiltração progressiva dos macrógagos, o que contribui para o avanço da adipogênese.  O aumento no volume de gordura nos adipócitos promove a secreção e liberação de TNF-a, que estimula os pré-adipócitos a produzirem MCP-1 (monocyte chemoattractant protein-1). Da mesma forma, células endoteliais secretam MCP-1 em resposta às citoquinas e contribuem para aumentar a atração dos macrófagos para o tecido adiposo, num ciclo vicioso. O fato da expressão de MCP-1 ser anterior a outros marcadores inflamatórios faz supor que sua liberação inicial parte de outras células que não os macrófagos. Nesse processo ocorre, simultaneamente, estimulação de leptina e diminuição de adiponectina, o que, possivelmente, induz à instalação de uma resistência à leptina. A liberação de VEGF (vascular endothelium growth factor) estimula crescimento vascular, facilitando o transporte das citoquinas pelo interior do tecido adiposo.
A compressão do endotélio pela dilatação gordurosa, por sua vez, promove liberação de mais fatores inflamatórios endoteliais e a lipólise desordenada reforça o recrutamento de macrófagos pelo tecido adiposo.  O aumento de citoquinas [TNF-a, IL-6] inibe a liberação de adiponectina e todos esses fatores, ao final, perpetuam o ciclo de expansão do tecido gorduroso. Por outro lado, o aumento de citoquinas [TNF-a, IL-6] inibe a liberação de hormônios importantes que atuam no metabolismo contra a obesidade, como a adiponectina. Assim, parece que estamos diante de um ciclo (Fig. 10).


fig.9
Há provas suficientes de que o acúmulo de gordura abdominal e visceral contribui para o desenvolvimento da resistência à insulina, levando ao diabetes II – um dos mecanismos é a introdução do GLUT-4 (glucose transporter 4) na membrana celular. O que ainda não havia sido suficientemente discutido é que o acúmulo de gordura predispõe, precipuamente, à gênese de peróxidos lipídicos como hidroperóxidos (HPTEs), isoprostanos, isofuranos e epóxidos, todos capazes de reativar os mecanismos inflamatórios.
Todos esses subprodutos disparam os fatores pró-inflamatórios, entre eles o TNF-a, um dos principais indutores do fator NFkB – ambos ativam a diferenciação desordenada dos adipócitos e provocam a lipólise desregulada, além de estimularem a gênese das espécies ativas do oxigênio (radicais livres = RL). O TNF-a inibe, ainda, a liberação de perilipina, uma proteína que modula a atividade das lípases. Tanto a diferenciação dos adipócitos e a lipólise, quando desregulados, provocam a liberação descoordenada dos ácidos graxos, impactando a b-oxidação e estimulando a oxidação destes em níveis não mitocondriais, nos peroxissomos, por exemplo. É sabido que a oxidação dos ácidos graxos nestas organelas – os peroxissomos – transcorre sem mecanismos de controle que evitam a formação dos derivados peroxidados (epóxidos), dotados de elevada toxicidade. Por outro lado, o rápido acúmulo de ácidos graxos livres inviabiliza a necessária biogênese mitocondrial, responsiva ao aumento da demanda para a b-oxidação.

Outras estruturas tóxicas para os mamíferos são os derivados peroxidados do ácido araquidônico, abundante na membrana celular. Os hidroxiperóxidos do ácido araquidônico (HPETEs) são moléculas reconhecidamente carcinogênicas, além de iniciadores da apoptose precoce celular, que leva à necrose (Fig. 12).

Outro aspecto relevante é que TNF-a e NFkB aumentam a gênese de espécies ativas do oxigênio, lesivas para as estruturas dos receptores insulinérgicos. A elevação de outros marcadores inflamatórios já foi detectada em indivíduos obesos: IL-6, IL-8 e proteína “C” reativa [205-207], ficando clara a influência da inflamação na obesidade.
TNF-a sem dúvida está aumentado no tecido adiposo, induzindo NFkB e o aumento da gênese de RL, lesivos para as estruturas dos receptores insulinérgicos.  Novas drogas, que estão sendo desenvolvidas a partir da molécula do resveratrol (SRT501 e SRT1720), estão mostrando potente atividade anti-TNF-a, mesmo sob estimulação do lipopolissacarídeo (LPS).
Portanto, além do quantum de calorias na dieta, a origem dessas calorias determina, adicionalmente, a gravidade da obesidade. Quanto mais calorias sejam preenchidas por lipídios, ácidos graxos saturados, poli-insaturados de cadeia longa ou trans-esterificados, mais críticos ficam os níveis de lipoperóxidos estimulantes do TNF-a.
Segundo Curti & cols., no artigo de revisão [204], relevantes mecanismos secundários inflamatórios que comprometem o metabolismo lipídico são:


É importante lembrar que as descobertas sobre os efeitos da CR mostraram, coerentemente, que um dos principais mecanismos pelo qual ela reverte a resistência à insulina é a redução do estresse oxidativo provocado pelo aumento de RL. Isto é relatado em todos os estudos que investigaram profundamente a CR. No processo inflamatório incidente na obesidade o TNF-a é o marcador que mostrou maior constância nas medições nos indivíduos obesos, aparecendo invariavelmente  aumentado. Sabemos que este fator é um dos mais poderosos ativadores do NFkB, fator de transcrição considerado o “maestro” da inflamação, pois modula a síntese de proteínas e vários fatores pró-inflamatórios: citoquinas (IL-1, IL-6, IL-8), cicloxigenases e leucotrienos (PGE2, LKB4), óxido nítrico sintase induzida (iNOS). Além destes marcadores inflamatórios, Siervo & cols. [209] registraram em crianças obesas um aumento significativo de proteína “C” reativa.
Mecanismos de Lipogênese:
A sensibilidade ao radical acetila é o principal mecanismo da lipogênese, que ocorre no fígado e no tecido adiposo – acetila é o principal combustível para o sistema aeróbico bioenergético, alimentando o ciclo de Krebs (ciclo do ácido cítrico) e a cadeia respiratória mitocondrial (CRM). A maneira mais eficiente de armazenamento de acetila é através da síntese de ácidos graxos, que conjuga várias moléculas de acetila. Portanto, a lipogênese é uma estratégia de sobrevivência do organismo, onde os ácidos graxos, após ressintetizados, são compactados na forma de triglicerídeos. Os carboidratos são, no aspecto quantitativo, a mais importante fonte de acetila presente na dieta – em segundo lugar, sob essa mesma ótica, vêm os lipídios [Fig.13]. Entretanto, não se pode olvidar que o álcool etílico, liberando radicais acetila no fígado, pode aumentar a lipogênese, dependendo da quantidade ingerida e da freqüência do consumo.
No tecido adiposo a esterificação dos ácidos graxos com o glicerol forma TGs que são armazenados nos adipócitos. No fígado, os TGs ali produzidos formam as VLDLs (very low density lipoproteins), e são exportados para outros tecidos.

Enzimas indiretamente envolvidas na oferta de acetila ou piruvato:
  Citrato liase: citrato + CoA + ATP à acetil CoA + oxaloacetato + ADP + Pi
  Malato desidrogenase: oxaloacetato + NADH à Malato + NAD+
  Enzima Málica: malato + NADP à piruvato + NADPH
A inibição da citrato liase pode ser obtida, por competição, com a administração de hidroxicitrato, presente em fitoterápicos como Garcinia camboja. Um estudo publicado no British Journal of Nutrition [229] verificou que doses orais de 500mg de hidroxicitrato foram capazes de aumentar a glicogenólise pós-prandial, reduzindo a lipogênese. Onakpoya & cols, porém, afirmam em sua revisão [230] que a redução de peso com hidroxicitrato foi pequena. Possivelmente os estudos citados usaram extratos vegetais não padronizados, passíveis de grandes variações nos teores dos ativos. Mesmo assim, nesta revisão [229], são relacionados trabalhos protocolarmente corretos que mostraram ação do hidroxicitrato na contenção da lipogênese

Enzimas diretamente envolvidas na lipogênese:
  Acetil CoA Carboxilase: acetil CoA + HCO3- à malonilCoA
  Ácido Graxo Sintase: acetilCoA + 7 malonil CoA  à Ácido Palmítico
  Acil CoA Sintetase: palmitato, oleato + CoA à palmitoil, oleilCoA
  Estearil CoA Dessaturase (SCD1): ácidos graxos saturados à ácidos graxos insaturados à triglicerídeos

Para esse grupo de enzimas ainda são insuficientes os dados sobre compostos que atuam na sua inibição, reduzindo a lipogênese. Condutas metabólicas, como a restrição à metionina, mostraram redução na atividade de SCD1.
A eficiência da lipogênese é tal que os principais nutrientes contribuem para a gênese de TG (triglicerídeos) [Fig. 13].

Álcool Etílico na Obesidade:
O metabolismo do álcool etílico nos humanos parece ser bem antigo, uma vez que nos deparamos com uma enzima específica para a sua metabolização – acetaldeído desidrogenase (ALDH). A partir da ingestão do álcool sua absorção se inicia rapidamente na mucosa estomacal, contrariando a regra da grande maioria de substâncias, drogas e nutrientes, cuja absorção se dá preferencialmente em nível intestinal.
Essa característica diferente se deve a peculiaridades do álcool etílico, pequeno peso molecular e característica química especial: hidrossolubilidade e lipossolubilidade. Dessa forma, o álcool etílico consegue maior índice de absorção na mucosa gástrica. Após a absorção, sua primeira passagem hepática ativa os sistemas de biotransformação de quatro maneiras diferentes e complementares.


  Sucessivas oxidações, catalisadas por álcool desidrogenase (ADH) e acetaldeído desidrogenase (ALDH), ambas dependentes do NAD+ e tendo molibdênio como metal catalisador [Fig.14],
  Reação com catalase nos peroxissomos,
  Reação com oxidases do CYP 2E1 (citocromo 2E1),
  Pequenas quantidades de álcool podem interagir com ácidos graxos formando ésteres etílicos dos ácidos graxos (FAEEs), que são tóxicos para o fígado e o pâncreas – podem causar cirrose e pancreatite.

O metabolismo do álcool gera uma carga elevada de espécies reativas do oxigênio (radicais livres), a começar pelo aumento do anion superóxido (O2), seguido por peróxido de hidrogênio (H2O2) e hidroxila (OH). O álcool etílico provoca inflamação no fígado e está ligado à infiltração gordurosa nesse órgão (esteatose hepática).
A esteatose ocorre basicamente pela grande oferta de acetila (AcetilCoA) no fígado [Fig.14], que estimula a lipogênese. Assim, ao consumir bebidas alcoólicas, é preciso considerar que o aporte da lipogênese será maior, com repercussões negativas: dislipidemias, síndrome metabólica e obesidade. Por outro lado, o estresse oxidativo gerado pelo álcool etílico influencia o fenômeno inflamatório no tecido adiposo, contribuindo para a resistência à insulina e diabetes II.

Expressão Genética e Predisposição à Obesidade:
Variações na expressão genética humana podem mudar o metabolismo e a homeostase bioenergética. Polimorfismos podem surgir por vários motivos, incluindo as interferências de uma nutrição inadequada.
Segundo Curti & cols. [204], corroborando tantas pesquisas já publicadas, a redução da ingestão de gordura saturada e o acréscimo de grãos integrais, frutas, vegetais, carnes magras e óleos com predominância de ácido oléico, podem reduzir a incidência de doenças metabólicas.
Havendo predisposição genética, uma dieta mal orientada (excesso de gordura saturada e carboidratos refinados; baixa ingestão de antioxidantes), pode levar rapidamente à obesidade.

Principais Polimorfismos Genéticos Associados com Obesidade:
PPAR-g.
O polimorfismo mais encontrado para este receptor nuclear hormonal é o SNP (single-nucleotide polymorphism) tipo Pro12Ala, onde ocorre a substituição de L-alanina por L-prolina no códon 12. Ele está associado ao diabetes tipo II e obesidade e  apresenta incidência de acordo com a origem étnica – 14 a 15% de ocorrência em caucasianos. No estudo de Frederiksen & cols [210] foi relatada maior incidência do polimorfismo Pro12Ala nos indivíduos com resistência à insulina, quando comparados ao padrão Ala/Ala. Outra diferença, mais marcante, foi o perfil de TG no plasma: menor nos indivíduos tipo genético Ala/Ala. As medidas da circunferência abdominal apresentaram apenas ligeiro aumento no grupo heterozigótico Pro12Ala.
Embora ainda haja alguma controvérsia sobre a influência do polimorfismo Pro12Ala na obesidade, a maioria dos estudos aponta relação positiva entre ambos. Sobre a incidência do diabetes tipo II, mesmo um estudo que não constatou relação de Pro12Ala com obesidade [211] confirmou que esse polimorfismo apresenta tendência à dislipidemia (TG) e ao diabetes II. Existem muitas provas de que esse polimorfismo (Pro12Ala) seja, de fato, causador da elevação de TG no plasma, aumento da resistência à insulina e obesidade [212-213].

TNF-a.
Este fator tem um papel preponderante na inflamação, junto com NFkB. Está bastante documentado que, na obesidade, o TNF-a encontra-se aumentado e desempenha papel importante no desenvolvimento da resistência à insulina. A concentração de TNF-a em cultura de hemácias humanas mostra boa estabilidade, o que permite checar as variações significativas segundo o genótipo [214].
A pesquisa de Sobti & cols [215] avaliou e comparou 688 voluntários, sendo 250 portadores de síndrome metabólica (MS), 224 obesos com doença coronariana (CAD) e diabetes II e, por fim, 214 controles. Na busca de conclusões sobre o polimorfismo TNFa-308G/A, verificou-se que os pacientes com CAD/Diabetes II tinham relação com esse genótipo, assim como diabéticos II. O genótipo TNFa-308A/G apresentou certo efeito de proteção contra CAD.
O genótipo TNFa-308A apresentou forte relação com obesidade, CAD e diabetes II nos pacientes com síndrome metabólica. Os autores concluíram que variações heterozigóticas TNFa-308G/A podem ser importantes fatores de risco para desenvolvimento da síndrome metabólica, diabetes tipo II e obesidade, tanto em homens como mulheres. Por outro lado, a variação A/G parece exercer ação preventiva sobre a ocorrência de doença coronariana nos pacientes obesos e portadores de diabetes II.
Outros estudos relacionados por Curti & cols [204] confirmam que a variação TNFa-308A também está associada com maior predisposição para doenças infecciosas e autoimunes. Nos indivíduos não obesos portadores de TNFa-308A a constatação de níveis elevados de marcadores pró-inflamatórios (proteína “C” reativa) foi verificada em alguns estudos, mas não em todos. Talvez isso possa ser explicado por variações na seleção de voluntários e amostragem, já que há indicativos da relação das variações polimórficas do TNFa-308A/G com inflamação.
Outros polimorfismos para o gene TNF-a tem sido investigados (238/G, 376/A), mas os resultados iniciais foram conflitantes para a relação com diabetes tipo II. Entretanto, os tipos 238/G, 308/A e 376/G estão ligados ao aumento da produção de TNF-a.

IL-6.
Esta é uma interleucina pró-inflamatória secretada por larga variedade de células, incluindo os adipócitos. Há indícios, porém, de que ela possa atuar, em certas circunstâncias, modulando a síntese de citoquinas antinflamatórias. Nas inflamações crônicas seus efeitos parecem ser  estimulantes da cascata pró-inflamatória das citoquinas.
Nos seres humanos há razoável comprovação de que níveis elevados de IL-6 estão associados com obesidade e gordura visceral [218-219]. Al-Gayyar & cols. [216] perceberam níveis elevados de IL-6 nos pacientes com síndrome metabólica e cirrose não alcoólica, enquanto investigavam os efeitos de ômega-3 (óleo de peixe) em doses diárias de 2g. Os pacientes tratados com óleo de peixe mostraram redução nos marcadores inflamatórios, especialmente IL-6 e TNF-a. Outro aspecto que liga a IL-6 à síndrome metabólica e obesidade é a CRP (proteína “C” reativa), pois essa proteína é dependente da ativação genética de IL-6 para sua produção. Como a CRP é freqüentemente apontada em níveis elevados em ambos os casos, síndrome metabólica e obesidade, o aumento de IL-6 é uma forte indicação [217].
Stephens & cols. [218-220] estudaram a variação polimórfica do gene IL-6/174G>C e concluíram que este polimorfismo aumenta a oferta de IL-6, contribuindo para alterações metabólicas como síndrome metabólica, diabete tipo II e obesidade. Num de seus estudos preliminares, os autores verificaram que essa alteração polimórfica também induz ao diabetes tipo II [219]. O genótipo -174C alelo foi relacionado com aumento de IMC nos indivíduos com diabetes tipo II. Estes mesmos autores realizaram outro experimento [220] onde constataram que o polimorfismo IL-6/174G>C é compatível com o desenvolvimento de obesidade, após análise de 571 voluntários selecionados com síndrome metabólica e o estado pré-diabético.

Apoliproteína A1.
Esta lipoproteína é um componente majoritário da fração HDL, cuja síntese ocorre no fígado e no intestino delgado. HDL é um transportador de colesterol que contém uma importante enzima antioxidante, a paraoxonase-1. Ela é responsável pela ação anti-aterogênica da HDL. Uma publicação recente de Life Sciences (Loued, Isabelle, Berrougui & Khalil) concluiu que o complexo HDL-paraoxonase-1 tem ação antinflamatória [221].
Infelizmente, mais de uma dúzia de mutações no gene Apo A1 já foi descritas [204], desde rupturas até aberrações e deleções. A super-expressão de Apo A1 protege contra o desenvolvimento de ateroesclerose, mesmo sob dieta hiper-gordurosa, mas a mutação conhecida como A-I Mil ano é causadora de hipo-regulação da HDL e, conforme as pesquisas, consiste na substituição de L-cisteína por L-arginina na posição 173. Da mesma forma, outros polimorfismos (MspIB, PstI, SstI e PvuII RSV) também estão associados com decréscimo na produção de HDL, refletindo uma diminuição nas defesas antioxidantes e associando à maior incidência de doença coronariana [222].

Glutatione Peroxidases.
É uma família de enzimas cuja importância para a defesa antiaterogênica é majoritária. As enzimas glutatione peroxidase (GPxs) atuam na reversão dos peróxidos lipídicos, mesmo daqueles formados por vias diretas, não enzimáticas. Wolin [223] postula que a deficiência de GPx-3 cria um estado pró-trombótico e de disfunção vascular.  Em camundongos a deficiência de GPx-3 causa a elevação de P-Selectina, proteína aterogênica, uma vez que estimula a adesão de monócitos ao endotélio vascular e sua infiltração na íntima. A deficiência de GPx-3 tem sido associada com aumento de peróxidos extracelulares e diminuição da disponibilidade de óxido nítrico, além de aumento da agregação plaquetária.
As mais estudadas variedades de GPx são Gpx-1 e Gpx-2. Ambas são fundamentais no tratamento de peróxidos celulares e extracelulares, incluindo H2O2. É conhecido que o peróxido de hidrogênio é o substrato para a gênese do radical livre do oxigênio hidroxila (HO*), dotado de maior potencial para alterações nas cadeias lipídicas, tanto saturadas como insaturadas. O radical OH* exibe alta reatividade, capaz de promover alterações profundas na cadeia lipídica, formando peróxidos tóxicos que estimulam a reação inflamatória – incluindo TNF-a e NFkB. A importância da família GPx é de tal envergadura que sua expressão é considerada um dos fatores genéticos da longevidade. Isto se explica de forma lógica, a partir do conhecimento sobre o metabolismo oxidativo celular, onde a enzima antioxidante SOD (superoxide dismutase) promove elevação de H2O2 no citoplasma, requisitando maior atividade das peroxiredoxinas (Prxs) e de GPx-1/2. A neutralização do excesso de H2O2 evita a explosão oxidativa de radicais OH*, crítica para as funções celulares. O aumento de OH* pode, inclusive, ativar mecanismos apoptóticos nas células e interferir com as divisões celulares programadas – o número de Hayflick.
Foi estabelecido que o aumento de peróxidos lipídicos estimula a agregação plaquetária, reduzindo os níveis de NO (óxido nítrico). Quaisquer alterações polimórficas que resultem em diminuição de expressão de GPx-1 e GPx-2 podem, efetivamente, contribuir para sérios prejuízos no metabolismo lipídico.
Jablonska & cols. [224] estabeleceram uma relação de eficiência da GPx-1 e o quantum de selênio no plasma. Nos indivíduos examinados a concentração plasmática de selênio foi 54,4mg/L. A relação entre a atividade GPx-1 e a concentração de selênio variou de acordo com os genótipos: Pro/Pro = 0,44; Pro/Leu = 0,35 e Leu/Leu = 0,25. Isto significa que a relação de eficiência foi maior na seqüência Pro/Pro > Pro/Leu > Leu/Leu.
Um estudo realizado no Brasil por Cozzolino & cols. [225] confirmou o que foi relatado na pesquisa de Jablonska [224]. Os autores avaliaram a suplementação com nozes brasileiras em mulheres com obesidade mórbida, totalizando 290g de selênio por dia. A freqüência dos genótipos foi de 0,487; 0,378, e 0,135 para Pro/Pro, Pro/Leu e Leu/Leu, respectivamente. No início do estudo 100% dos indivíduos haviam sido considerados como deficientes em selênio. Após a suplementação com as nozes brasileiras (Castanha-do-Pará) houve aumento no selênio plasmático. Adicionalmente, o grupo Pro/Pro mostrou menos danos ao DNA após a suplementação com nozes brasileiras.
Um polimorfismo que já foi identificado – Pro198Leu – tem sido associado com diminuição da expressão de GPx [223]. Outro polimorfismo – 718C – resultou em diminuição da GPx-4 e foi associado com aumento dos subprodutos da lipoxigenase: hidroperóxidos do ácido araquidônico, leucotrieno A4, leucotrieno B4, todos capazes de causar alterações na permeabilidade vascular. Esses distúrbios na família GPx acarretam sérios aumentos nos subprodutos da peroxidação lipídica enzimática (lipoxigenase), mas também na peroxidação não enzimática a partir do acúmulo de OH*, que promove alterações nas estruturas derivadas do ácido araquidônico. Essas deformações levam à formação de compostos inflamatórios (isoprostanos, isofuranos), com repercussão direta na cascata inflamatória que ativa a agregação de células do sistema imunológico, especialmente monócitos e macrófagos (fig.8).
Isoprostanos são compostos similares às prostaglandinas, porém produzidos no organismo a partir de oxidação não enzimática – sem concurso de cicloxigenases – derivados do ácido araquidônico. As reações que produzem os isoprostanos são catalisadas por espécies ativas do oxigênio, mormente o radical hidroxila (OH*) formado por H2O2 de escape à ação de Prx/GPx, sob catálise de Fe+2 ou Cu+2. Estas reações, por não dependerem de enzimas, não estão sujeitas a controle endógeno antioxidante – quanto maior a disponibilidade de ácido araquidônico maior a fuga dos sistemas cicloxigenases 1 e 2.
Embora os isoprostanos apresentem meia-vida curta, possuem potente atividade biológica, especialmente sobre os pulmões e rins. Os isoprostanos da série F2 são os mais ativos biologicamente, sendo originários da prostaglandina H2. Sucessivas transformações dão origem a outros compostos trombóticos e pró-inflamatórios, isotromboxanos e isoketals.
Um trabalho recém publicado [227] mostrou o forte envolvimento dos isoprostanos F2 com diabetes tipo II, através da avaliação urinária em 138 pacientes portadores do diabetes II. Isto vem exigir mais pesquisas com esse grupo de produtos, porque a abrangência de patologias relacionadas aos isoprostanos está sendo rapidamente ampliada. Com a vinculação ao diabetes II, possivelmente surgirão ligações dos isoprostanos com síndrome metabólica e a obesidade.

 














Conclusões:
O crescimento da incidência do sobrepeso e obesidade, incluindo a variedade mórbida, é um fato incontestável na sociedade moderna. Os motivos mais visíveis são as dietas hipercalóricas e diminuição de atividade física. Esse binômio compõe um quadro inevitável de ruptura da homeostase bioenergética, levando ao acúmulo do excedente energético, contabilizado pelo aumento da oferta de acetilCoA proveniente dos carboidratos, lipídios e proteínas. Somando-se a eles, o uso abusivo de bebidas alcoólicas gera uma carga extra e não nutricional de acetilCoA no fígado, podendo agravar o aumento de gordura visceral, esteatose e obesidade. O sistema de armazenamento de reserva energética nos mamíferos é fruto de eficiência metabólica obtida ao longo de milhões de anos de adaptação às condições precárias de obtenção do alimento. Assim, as enzimas que comandam a lipogênese e a adipogênese, controladas por grande variedade de genes, promovem de forma eficiente a estocagem do excesso calórico.
Por outro lado, o sistema absortivo dos nutrientes não está dotado de seletividade para rejeitar a carga calórica excessiva, especialmente os carboidratos que possuem um eficiente e rápido sistema de absorção gastrintestinal. Os lipídios, contando com facilitadores de sua absorção – os ácidos biliares – recebem um tratamento eficiente que leva à sua absorção intestinal. As proteínas representam o grupo alimentar com mais etapas e dificuldades absortivas, devido à exigência da total fragmentação das cadeias peptídicas antes de atingirem o lúmen intestinal – só podem ser absorvidos os aminoácidos livres ou dipeptídeos, diferentemente dos outros grupos alimentares.
Fica claro que, independente de pequenas variações na proporção entre os macronutrientes, a perspectiva de absorção para carboidratos como fonte bioenergética é priorizada. Após o armazenamento da gordura no tecido adiposo, sua utilização dependerá de rígidos sistemas reguladores, envolvendo múltipla expressão genética e inúmeros hormônios (leptina, adiponectina, visfatina, resistina), enzimas (sirtuínas, enzimas da beta-oxidação, enzimas lipolíticas nos adipócitos) e receptores nucleares (PPARs).
O tecido adiposo retém, ainda, outros nutrientes além da fonte bioenergética – sua utilização obedece a um plano de segurança. Enquanto houver suficiente fornecimento de substratos de rápida transformação bioenergética – carboidratos simples (dissacarídeos) e estabilidade dos níveis plasmáticos de L-glutamina – não serão emitidos sinais químicos e hormonais para utilização da gordura acumulada. Especialmente quando o gasto energético é mantido em níveis baixos, como no sedentarismo moderno.
Estudos realizados mostram que um grupo de enzimas especiais – as sirtuínas – exerce papéis importantes na mobilização da gordura acumulada. Aliás, a importância dessas enzimas transcende ao catabolismo lipídico, uma vez que muitos estudos citados anteriormente mostram que elas estão firmemente associadas com a longevidade dos mamíferos.
Entre as ações que, confirmadamente, aumentam a atividade de sirt-1 sobre a lipólise nos adipócitos está a restrição calórica (CR). Curiosamente, essa conduta é considerada a única forma comprovada de aumento da longevidade em mamíferos. Em humanos, destarte as dificuldades de realização de pesquisas deste porte, tudo indica no mesmo sentido, haja vista as descobertas com os anciões de Okinawa, no Japão.
CR é um procedimento que não pode ser adotado indiscriminadamente, mas sim ajustado às necessidades individuais, considerando peso, área corporal, hábitos de vida, carga de atividade física. Os níveis de calorias na CR estão compreendidos entre 60 e 80% das médias nutricionais (1.800-2.000kcal/mulheres e 2.200-2500kcal/homens). A supervisão nutricional adequada deve existir para avaliar as modificações na ingestão de alimentos, de modo a manter os micronutrientes (vitaminas, minerais, antioxidantes, ácidos graxos essenciais) em níveis corretos.
Outros métodos para regulação do metabolismo lipídico e perda de peso têm sido discutidos, como a restrição nutricional específica. Entre estes destacamos a restrição à metionina (MR). Os resultados obtidos com a MR mostram melhorias no catabolismo lipídico, com flagrante aumento na taxa de oxidação dos ácidos graxos e conseqüente diminuição no peso corporal, em animais. Em seres humanos, MR não mostrou claramente redução de peso, mas confirmou os achados sobre a otimização metabólica dos lipídios nos animais, incluindo diminuição de TG. A associação entre CR e MR ainda não foi bem explorada.
As pesquisas nesta área estão ativas e há suposições de que os efeitos benéficos da MR são decorrentes, ao menos em parte, da redução que ela promove nos níveis de homocisteína, aminoácido tóxico que já havia sido identificado em diversos estudos, a partir do pioneiro McCully.
Outro aspecto importante na homeostase bioenergética é o equilíbrio na atividade dos receptores nucleares PPARs. PPARs-a estimulam a lipólise no fígado e músculo esquelético, reduzindo os níveis de lipídios circulantes. PPARs-g regulam a diferenciação de adipócitos, mecanismo usado para estabelecer nova homeostase nos adipócitos. Está comprovado que adipócitos com nível maior de gordura, diferentes daqueles com menor volume, tornam-se ativos secretores de citoquinas, levando à inflamação e também à infiltração celular no tecido adiposo por células do sistema imune. Angiogênese também foi relatada nesta situação.
No capítulo sobre inflamação na obesidade temos uma discussão e relato de sucessivas descobertas sobre as ações nefastas de citoquinas sobre hormônios importantes para conter a obesidade, como adiponectina, que promove lipólise e leptina, que, sendo um inibidor natural do apetite, parece estar envolvida com um fenômeno agravante: resistência à leptina.
Descobertas com os ácidos biliares – especialmente ácido tauroursodesoxicólico – mostram seu efeito estimulador na liberação de adiponectina em indivíduos obesos.
Fitocompostos que mimetizam as ações das sirtuínas compõem, hoje, um grupo alvo de sucessivas e importantes pesquisas sobre as modificações das prioridades bioenergéticas do organismo, de carboidratos para lipídios. Dentre eles estão resveratrol, epigalocatequina 3 galato, kaempferol, fisetina, buteína.
Por fim, é de se registrar o grande interesse no mapeamento dos polimorfismos genéticos que contribuem para o avanço da obesidade na sociedade moderna, em várias regiões do planeta. Destes polimorfismos, os que acometem genes TNF-a, PPARs, IL-6, Apoliproteína A1 e as enzimas glutationa peroxidases são os que mais despertam interesse, pelas evidências de envolvimento com diabetes tipo II e obesidade. Um novo ramo da nutrição – a nutrigenética – surge com possibilidade de trazer melhorias significativas, a partir da inclusão nutricional de fatores que mimetizam as sirtuínas e podem mudar a resposta dos genótipos frente à obesidade.
Analisando esse vasto contexto sobre o acúmulo de gordura e excesso de peso, percebe-se que durante milhões de anos fomos adaptados a um sistema metabólico que continua vigente, cujo exclusivo objetivo é assegurar a sobrevivência em condições de vulnerabilidade quanto à obtenção dos alimentos. Longos períodos em busca do alimento, consumo limitado de calorias e elevado grau de esforço físico para obtê-las impediam acúmulo significativo de gordura. A abundância de chaves controladoras do resgate da gordura do tecido adiposo – enzimas, hormônios, fatores de crescimento, peptídeos e proteínas – mostra como a gordura é estratégica na sobrevivência dos animais. Entretanto, o seu acúmulo, opostamente, é um incontestável fator que restringe a longevidade.
Nutracêuticos de pesquisas mais recentes, assim como drogas que deles possam se originar, virão auxiliar nas modificações metabólicas que favorecem o combate à obesidade. Porém, segundo percebemos, não será possível romper esse ciclo vicioso sem a educação ostensiva cultivando novos hábitos alimentares saudáveis, informando sobre a imperiosa necessidade de manter atividade física e alertando sobre o consumo alcoólico excessivo. Assim, é preciso escolher conscientemente o caminho a seguir: obesidade, ou longevidade.