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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

ÁLCOOL: o que não sabíamos e precisamos saber.

O documentário da BBC "Is binge drinking really that bad?" (O porre alcoólico é realmente tão ruim?) está revolucionando todo o conhecimento que se tinha sobre a toxicidade do álcool etílico. A partir do estudo realizado com dois voluntários gêmeos e médicos, acompanhados por uma  qualificada equipe de médicos e bioquímicos, mitos caíram por terra e suposições distantes tornaram-se fatos!
A própria equipe de cientistas, assim como os irmãos Chris e Xand van Tulleken, confessaram que não esperavam encontrar resultados tão surpreendentes nesta experiência, na qual um dos irmãos (Chris) bebeu 3 unidades de álcool diariamente e outro (Xand) 21 unidades de álcool em um único dia - isto durante um mês inteiro. Cada unidade alcoólica consiste em 10ml por drink. No caso de chopp, em se tratando de bebida com 4,5% de graduação alcoólica teríamos, aproximadamente, 3 chopps com três dedos de colarinho por dia (Chris). Ou 21 num único dia (Xand).
Com a realização de vários exames, entre eles um revolucionário ultrassom pulsante que detecta com precisão a textura (maciez) do fígado, o primeiro resultado foi chocante:

TANTO CHRIS COMO XAND APRESENTARAM VALORES FORA DO PADRÃO
 APÓS 1 MÊS DO CONSUMO ALCOÓLICO!

Numa escala considerada normal até 3,9 os fígados de ambos os irmãos apresentaram 4,9 após o teste. Vale lembrar que antes do estudo os resultados de Chris e Xand eram 3,9! O que mais intrigou os cientistas foi o curto tempo para uma alteração tão significativa na textura do tecido hepático, com marcante enrijecimento (4,9). Um fígado cirrótico pode apresentar valores de 8 a 10 na escala.


A GRANDE CONFUSÃO!
Acontece que 3 unidades de álcool por dia era, até então, a recomendação do Governo Britânico como limite de segurança! Os resultados encontrados no teste dos irmãos van Tulleken derrubam o limite estabelecido, considerando ainda que outros parâmetros também foram reprovados em exames realizados:
Marcador inflamatório (TNF-alfa): elevado em ambos os voluntários. Isto prova que os efeitos do acetaldeído sobre o organismo são mais graves do que se pensava anteriormente. Para relembrarmos um pouco do metabolismo do álcool vejamos:


O que já se sabia deste quadro:
  1. A velocidade das reações, que na maioria das pessoas tende a acumular acetaldeído, o produto mais tóxico do álcool etílico. Existem três grupos geneticamente qualificados quanto ao metabolismo do etanol: A) Indivíduos que apresentam mais dificuldade na primeira reação (ADH), acumulando etanol - são os "sonolentos", aqueles que após algumas doses de álcool tendem a dormir. Isto porque o etanol em si é o depressor do SNC e causador do sono. B) Indivíduos que apresentam maior dificuldade na segunda reação (ALDH) - são os intolerantes ao álcool etílico, não suportam nem pequenas doses. Dificilmente se tornariam alcoolistas. C) Indivíduos que tem mais facilidade na segunda reação (ALDH) e são mais resistentes ao álcool - estes são os potencialmente "alcoolistas pesados", ou "heavy drunkers".
  2.  O consumo de álcool leva à hipertensão, alterando o metabolismo da aldosterona.
  3. O metabolismo do álcool gera produto carcinogênico (acetaldeído).
O que ainda não se sabia deste quadro:
  1. O acúmulo de acetaldeído aumenta a permeabilidade intestinal, levando a alterações imunogênicas e, em última estância, endotoxemia. Isto porque o aumento do espaço das junções intercelulares (enterócitos) acaba permitindo a migração de bactérias da flora intestinal para o sangue. Os microrganismos mais perigosos neste caso são do gênero CLOSTRIDIUM. Por isso o quadro de ressaca após grande ingestão de álcool relata prostração, dores musculares generalizadas e oscilações na temperatura corporal.
  2. O acetaldeído libera citocinas inflamatórias, através da estimulação do fator NFkB.
  3. O metabolismo do álcool eleva os níveis de homocisteína no sangue, o que é compatível com o aumento de casos de derrame cerebral em alcoólicos graves. Um estudo americano citado no documentário revelou que há um aumento de casos de infarto nas 2ªs feiras, indicando que o consumo alcoólico do fim de semana é mais vilão do que imaginávamos.
VOLTANDO AO ESTUDO DOS IRMÃOS VAN TULLEKEN:
Os cientistas que acompanharam o estudo ficaram realmente surpresos com a rapidez com que os efeitos tóxicos do álcool apareceram e, mais ainda, no irmão que consumiu doses menores, porém diárias. Esta é uma questão que persiste: a capacidade de regeneração do fígado x a toxicidade do etanol. É sabido que o fígado tem excepcional capacidade de reconstrução, vide o exemplo de doadores para transplante que, mesmo cedendo 40% de seu fígado, o recuperam em apenas 4 meses. No caso do álcool, entretanto, é diferente. O tempo necessário para a recuperação entre os momentos de consumo parece ser bem superior ao que pensávamos, pelo menos é o que se observa neste estudo apresentado na BBC.
Os parâmetros inflamatórios, por exemplo, TNF-alfa, CRP, MDA, todos só retornaram ao normal mais de 30 dias após o consumo em larga escala (Xand)! As alterações intestinais ainda nem puderam ser avaliadas quanto ao tempo para sua recuperação!

A ÚNICA COISA QUE FOI DIFERENTE ENTRE CHRIS e XAND:
As alterações na permeabilidade intestinal. Essa condição, aliás predisponente para várias patologias, incluindo endotoxemia, não se verificou no consumidor das menores doses, diariamente (Chris). Porém, vale lembrar, o estudo foi de apenas 1 mês - o que não nos permite dizer se com o prosseguimento do uso diário de 3 unidades de etanol tal não pudesse acontecer.

O CONSUMO DE ÁLCOOL NO MUNDO:
Todos os países da Comunidade Européia estão preocupados com o excessivo consumo de etanol, especialmente entre os jovens, pois está crescendo demais. O EUA também. Alguns países, como a Rússia, consideram o alcoolismo um problema de saúde pública descontrolado.
De tal preocupação surgiu a ideia - péssima ideia - de estipular valores seguros para o consumo de álcool por parte da Câmara de Saúde Britânica. Eu digo péssima ideia porque não sabemos ainda o suficiente sobre tudo o que envolve o álcool - toxicologia, psico-dependência, predisposição genética, uso social e adicção.
Até hoje é muito difícil determinar como o indivíduo é passível de tornar-se um alcoolista grave, mesmo já conhecendo alguns genótipos predisponentes.
Vejam que interessante: estima-se que o ser humano consuma álcool há mais de 6 mil anos, alguns supõem 10.000 anos. Parece que as primeiras receitas de fermentado de cevada são atribuídas a um povo pré-egípcio, os caldeus - portanto haja tempo nisso.
Possivelmente através de milênios de contato com o álcool, desenvolvemos um sistema hepático bastante eficiente de metabolismo, inclusive com alternativas ao tradicional ADH/ALDH:
  1. Xantina Oxidase
  2. CYPs
O acionamento dos citocromos, como não são enzimas específicas, sempre pode ensejar o aparecimento de perigosos peróxidos e epóxidos, portanto todo cuidado é pouco quando o consumo de álcool é exagerado e exige o metabolismo no Retículo Endotelial (CYPs). 
A enzima Xantina Oxidase, outra alternativa ao metabolismo do etanol, é fortemente produtora do radical livre SUPERÓXIDO, portanto sua reação aumenta sobremaneira o estresse oxidativo celular.

Mas, enfim, aprendemos a lidar com o etanol, criamos enzimas específicas, como a ALDH, e desenvolvemos estes sistemas alternativos acima (existirão outros?). Ficamos bastante eficientes em metabolizar o álcool etílico, mas ainda há muito a ser desvendado sobre as ações do etanol no cérebro. A amnésia alcoólica parece ser um bloqueio avassalador que o excesso de etanol (não etanal) provoca nos receptores colinérgicos, onde se inicia a gravação de memória recente. Assim, no estado de embriaguez, boa parte do que transcorre ao indivíduo é impossível de ser resgatado pela memória.

Embora  o básico sobre o metabolismo do álcool tenha sido descoberto entre os anos 1930 e 1950, ficamos aí estagnados por décadas! Daí a razão para todo o mundo estar dando tanta importância para o estudo dos irmãos van TULLEKEN. É óbvio que a amostragem é muito pequena, mas as descobertas permitem aos que trabalham nessa área planejarem suas pesquisas futuras sob outra visão, muito mais ampla! Só o fato de a permeabilidade intestinal apresentar fortes alterações pelo consumo excessivo de álcool muda e acrescenta muito ao objetivo de novas pesquisas, que aliás já estão sendo planejadas no Reino Unido e em Massachussets (EUA), e certamente muito acrescentarão às recentes descobertas.

CONCENTRAÇÃO DO ÁLCOOL NA BEBIDA: muito importante.
Um outro aspecto que precisa ser considerado é a forma na qual se ingere o álcool. Bebidas muito concentradas, como os destilados, forçam a absorção do etanol já na mucosa estomacal! Como sabemos, isso é uma exceção, já que o estômago não é um órgão absortivo. A exceção acontece devido à concentração do etanol no líquido (acima de 38%) e também por uma característica peculiar: o álcool etílico é uma molécula peculiar, com diminuto PM e forte polaridade, mas com alguma capacidade de lipossolubilidade. É essa combinação que permite ao etanol atravessar a camada epitelial não estratificada do estômago. Assim, beber o álcool em bebidas concentradas sempre será pior, especialmente com estômago vazio.
As bebidas diluídas, como cerveja (aquelas até 5% de etanol), oferecem menor possibilidade de absorção pelo estômago, sua absorção é mais lenta e a distribuição sanguínea também, fatos que permitem ao fígado lidar melhor com  essa intoxicação. Mas se ingerida em grandes volumes e de forma rápida a cerveja também pode provocar estado de intoxicação alcoólica.

MUDANÇA NOS LIMITES BRITÂNICOS À VISTA:
Parece que o a Câmara Britânica se prepara para publicar novos valores de consumo seguro para o álcool. Na minha opinião deveriam esperar mais um pouco.

Mas se quiserem beber, consumam menos do que 3 unidades de álcool (30ml) de cada vez. 
E nunca, mas nunca beba diariamente! O fígado precisa de um tempo...
Isto parece ser muito importante para preservar a saúde.

Nota: não tenho muitas informações, mas fiquei sabendo por uma amiga médica - Sandra Galeão - que um estudo realizado na Universidade de Porto Alegre já havia chegado a essa conclusão nos anos 1990 - se alguém tiver mais detalhes, por favor fornecer!

Estaremos juntos em 03/03/2016 para a CONFERÊNCIA:

"BIOFLAVONÓIDES: atualização indispensável à saúde".

Palestrantes: Paulo Lopes / Celio Mendes
Local: Copacabana Mar Hotel, Salão Azul, R. Min. Viveiros de Castro 155 - Copacabana.
Horário: 10 às 13h.


Todos estão convidados, mas cheguem na hora pois só temos 50 lugares.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

MICROBIOTA INTESTINAL: separar o joio do trigo.

Quando foram publicados os trabalhos na NATURE em 2012 e 2013 mostrando que a composição da microbiota intestinal podia contribuir para a obesidade houve grande estardalhaço, pensamos que tínhamos descoberto a pólvora!
Ledo engano, estamos apenas num longo e tortuoso caminho para confrontarmos essa ligação (microbiota x obesidade) que certamente existe.
Algumas afirmações devem ser bem medidas, por exemplo, vários artigos publicados explicam que a predominância de FIRMICUTES é compatível com obesidade, em relação ao filo BACTERIODETES. Porém, dentro do filo FIRMICUTES temos classes bem distintas - Bacilli (Lactobacillales) e  CLOSTRIDIUM. Ora, esta última encerra microrganismos com características biológicas completamente diferentes, a começar por serem anaeróbios!
Por outro lado, quase todos os membros da classe clostridium são produtores de toxinas bacterianas perigosas, algumas fatais (C. tetanum, C. botulinum).
Assim, dizer que a predominância de FIRMICUTES é compatível com obesidade equivale, mais ou menos, a dizer que a torcida do Vasco é compatível com a torcida do Flamengo. Ou seja, não tem nada a ver.
Os firmicutes LACTOBACILLOS tem ampla bibliografia médica que demonstra suas importantes propriedades na proteção da flora, no controle de doenças inflamatórias, na melhoria da imunidade e por aí vai. Não há provas científicas de que seu aumento na flora intestinal estimule obesidade, muito pelo contrário. Estudos realizados com L. reuteri e L. gasseri mostram o grande potencial desses probióticos em equilibrar a flora e reduzir a obesidade, como nos estudos em animais e humanos.
Por outro lado, os firmicutes CLOSTRIDIUM estão implicados em diversos processos nocivos ao organismo, além de graves situações como tétano e botulismo. Muitos outros membros menos agressivos dessa família são desestabilizadores da homeostase, como C. difficile e C. perfringens.
Finalmente um artigo publicado na especializada revista BENEFICIAL MICROBES (link abaixo) melhorou o entendimento dessa relação de firmicutes com obesidade. Num detalhado estudos Remely & cols mostraram que, nos 33 pacientes obesos estudados, a redução do peso (por dieta) foi acompanhada de progressiva REDUÇÃO da presença do gênero CLOSTRIDIUM, mais especificamente de C. ruminococcus.
Talvez o melhor seria dizer que essa relação de firmicutes com obesidade é, na verdade, uma relação de CLOSTRIDIUM com obesidade. Há outros Clostridium envolvidos em patologias complicadíssimas, como por exemplo C. difficile com o desenvolvimento de AUTISMO. Quem ainda não assistiu, por favor assista o filme 'O ENIGMA DO AUTISMO" (Philos TV), pela BBC. Nesse documentário simplesmente imperdível uma abnegada mãe, que tinha por hábito filmar seu bebê desde o nascimento, é surpreendida com brutal mudança de comportamento da criança após um extenso tratamento com antibioticoterapia para curar um renitente infecção no ouvido.
Como ela filmava tudo, ficou totalmente documentado a mudança na criança, que antes do tratamento mostrava comportamento normal. Sua luta para mostrar aos médicos que alterações graves na flora intestinal poderiam, também, afetar o cérebro foi dura, enquanto ela visitava diversos centros de pesquisa sobre a microbiota. Finalmente, cientistas ingleses e dinamarqueses deram eco às suspeitas dessa mãe pseudo-cientista, pois estavam já trabalhando nessa linha.
As pesquisas subsequentes mostraram que certos antibióticos podem eliminar diversas bactérias, e também espécies LACTOBACILLALES, mas não CLOSTRIDIUM!!! Bingo, C. difficile sob acusação grave de produzir autismo pela entrega na circulação de neurotoxinas capazes de afetar os micronúcleos de neurônios nas áreas da comunicação. Mas sua proliferação desordenada decorre da morte de seus competidores, os Lactobacilos mortos pelos antibióticos...
Depois disso, outros estudos mostraram que nossa microbiota intestinal é quase uma impressão digital consolidada por volta dos 3 anos de idade. Após essa fase, é muito difícil alterá-la. O menino do filme tinha menos de 3 anos quando recebeu a antibioticoterapia mista (foram mais de 3 tipos de antibióticos por mais de 2 meses).
Após a consolidação da microbiota intestinal (aos 3 anos) realmente é muito difícil mudá-la, tanto que estão tentando transplante de flora, ainda sem sucesso.
Por esse motivo, também, a administração dos probióticos tem de ser constante e não de uma única vez, não podemos mais alterá-la definitivamente, mas somente melhorá-la temporariamente. Outra coisa importante que já é um consenso: dieta pode mudar a flora! A substituição de excesso de carne e embutidos por vegetais e frutas favorece a diminuição dos CLOSTRIDIUM.
Bom, ainda teremos muito a dizer sobre esse tema, especialmente sobre as  BACTERIODETES, filo que encerra Bacillus tethaiotaomicron e Prevotella, também implicados com aumento de peso. As pesquisas estão fervilhando nessa área. Certamente antes do que se espera teremos novidades para trazer a vocês.
O link para o artigo:

Aqueles que quiserem o artigo completo (acima é o abstract) favor pedir por e-mail.

ATENÇÃO: próxima reunião científica do GRUPO DE ESTUDOS HELION PÓVOA (GEHP) será em 03 de março de 2016. Mandarei por e-mail os detalhes. Leitores que não estejam cadastrados e queiram participar das reuniões peço que mandem seu e-mail para:

O TEMA SERÁ: ATUALIZAÇÃO EM BIOFLAVONÓIDES - novas possibilidades na medicina.


terça-feira, 5 de janeiro de 2016

A DOENÇA DE STEVE HAWKINS

Acho que a ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA (ELA) vai acabar sendo conhecida no futuro como "DOENÇA DE STEVE HAWKINS", isto devido à importância do físico britânico para o contexto científico contemporâneo, aliada ao desafio que é controlar essa síndrome degenerativa.
Como sabemos, a ELA decorre de uma progressiva atonia e paralisia por perda de fibras musculares que pode atingir o ápice mesmo antes dos 20 anos de idade. A estimativa é de que a prevalência da doença esteja entre 0,04 a 0,07% nos EUA, mas mesmo assim constitui-se numa tragédia humana pela destruição do indivíduo, mantendo-o cognitivo até o fim, diferentemente de outras como Alzheimer. Uma prisão em "si mesmo", imaginou o sofrimento?

Pois bem, um passo gigantesco acaba de ser dado em direção ao entendimento dessa doença terrível, com a descoberta de mutações no gene que controla a síntese da enzima SOD-1 (já foram descritas 155 !).
Como dizia o saudoso Prof. Helion Póvoa Filho em 1990, a SOD (superóxido dismutase) é a enzima mais abundante no organismo, e também a mais importante nas defesas antioxidantes endógenas. É a SOD que neutraliza o primeiro radical livre formado na cascata oxidativa do oxigênio, denominado SUPERÓXIDO (O2-). Esse passo é fundamental para evitar o acúmulo desse radical livre nas células, o que abreviaria sobremaneira a longevidade celular e o número de Hayflick.
É importante ressaltar que a neutralização do superóxido produz H2O2, a popular "água oxigenada", que exigirá tratamento adequado por um grupo de enzimas denominadas peroxidases, as mais importantes: CATALASE, GLUTATHIONE PEROXIDASE (GPx) e PEROXIREDOXINAS. Essa tropa de choque é encarregada de transformar a água oxigenada em água comum (H2O), sem perigo para o organismo.

Um estágio crítico no tratamento antioxidante endógeno é exatamente essa transformação, posto que se houver acúmulo de H2O2 teremos um sério problema: aumento de HIDROXILA (HO•), o radical livre mais agressivo e poderoso do que o próprio superóxido.
Para termos ideia do perigo do acúmulo da HO• basta recordarmos que há pouco tempo ficou determinado que somente HO•, não o O2-, é capaz de iniciar a oxidação dos lipídios do sangue, produzindo peróxidos tóxicos com atividade aterogênica (causadores do infarto) e outros com marcante ação cancerígena (isoprostanos e isofuranos). Qualquer dia vou escrever um pouco sobre a LDL-ox no infarto e sobre os lipoperóxidos tóxicos na indução cancerígena.

A ação integrada da SOD com a GPx permite ao organismo controlar perfeitamente esse ambiente oxidante que é o nosso metabolismo aeróbico. Uma descoberta marcante sobre o desequilíbrio dessas duas enzimas foi obtida com estudos da síndrome de DOWN, onde a trissomia do cromossoma 21 provoca uma super-expressão na SOD-1, causando no cérebro uma quantidade elevadíssima de H2O2. Como a trissomia não aumenta simultaneamente a oferta de GPx, não é possível ao feto acometido de DOWN lidar com tamanha exposição à H2O2, a qual gera imensas quantidades de OH•. A brutal carga de hidroxila (OH•) causa danos ao tecido cerebral em formação no feto, que serão irreversíveis após o nascimento.

Estamos vendo, claramente, o quanto é importante para a higidez de nosso organismo que nossas defesas antioxidantes funcionem perfeitamente. Quaisquer alterações, seja de caráter genético ou epi-genético nesse sistema (SOD - CAT - GPx - Prx) trarão graves consequências, especialmente ao tecido nervoso, muito vulnerável ao ataque de radicais livres. Não nos esqueçamos que o revestimento dos nervos, a MIELINA, é composta de fosfolipídios, em especial esfingosídeos, muito sensíveis à presença de O2- e HO• - a degeneração da mielina é responsável por várias síndromes graves, como ESCLEROSE MÚLTIPLA, PARKINSON e DISCINESIA.

Bom, mas voltando à descoberta recente sobre o papel da  SOD-1 na ELA, um grupo de cientistas liderados por Rachele Saccon publicou em maio do ano passado um artigo muito elucidativo, cujo link dou abaixo:

Neste artigo os cientistas relatam pela primeira vez que tão importante quanto a perda de função pelas mutações é a formação de subprodutos tóxicos da SOD-1. Estou frisando isso, em função de recém-publicado artigo (Dokholyan & Cols) que descreve a formação dos TRÍMEROS da SOD-1 como a PRINCIPAL CAUSA da degeneração de fibras musculares observada nos pacientes com ELA! 

Veja microfotografia eletrônica dos precipitados da SOD-1:


As formações esverdeadas são os precipitados de SOD-1 que ao serem depositados sobre neurônios motores e seus axônios vão, gradativamente, bloqueando a neurotransmissão motora, causando atrofia e perda muscular progressivas características da Esclerose Lateral Amiotrófica.
Foto publicada por "O Globo".

No artigo anterior de Saccon & cols já era mencionado que a AGREGAÇÃO de filamentos proteicos da enzima (SOD-1) estavam envolvidos com a fisiopatologia da doença. Bingo!

O mérito da equipe liderada por Dokholyan, cujo link está abaixo, foi identificar a formação dos TRÍMEROS da SOD-1 e determinar sua toxicidade para fibras musculares. Esses precipitados da SOD-1 foram identificados nos tecidos de pacientes portadoras da ELA, não deixando mais dúvidas sobre sua toxicidade para o tecido muscular. O artigo de Dokholyan & cols, por sua objetividade e demonstração inequívoca, ganhou espaço na mídia mundial, merecendo comentário em todos os fóruns importantes em neurologia. Vale a pena conferir:

Entretanto, voltando ao nosso querido Helion Póvoa, não se deve esquecer jamais que disfunções na SOD têm repercussões diretas sobre o equilíbrio oxidativo celular e predispõe os tecidos a degenerações! Mesmo com o avanço das pesquisas sobre as deformações na enzima, cujos sítios moleculares começam a ser identificados em estudos como o de Furukawa & cols, é preciso não perder o foco no perigo que é a perda de atividade da SOD para a célula.

Em seu artigo, Furukawa & cols relatam que as ligações dissulfeto (S=S) ao sofrerem reduções e liberaram cobre e zinco, geram alterações ao longo da cadeia peptídica, levando a deformações:

O assunto é por demais apaixonante, mas acho que por hoje está suficiente para despertar o interesse, não é mesmo! Consultem os artigos em link e aprendam mais um pouco sobre a ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFRICA (ou doença de Hawkins?).

Na próxima publicação marcada para 12 de janeiro próximo divulgarei o calendário das Conferências Científicas do Grupo de Estudos Helion Póvoa (GEHP). Esperamos a presença de todos, pois os temas são sempre pertinentes ao nosso momento na pesquisa sobre medicina e saúde.

Saudações a ex-alunos e amigos do blog SAÚDE & CIÊNCIA.