Neste artigo que publiquei em 2012 a abordagem sobre os aspectos inflamatórios da obesidade foi, talvez, o grande destaque. O papel de antioxidantes com perfil de solubilidade adequada à penetração no tecido adiposo branco, pouco vascularizado, começou a ser valorizado, especialmente os polifenóis Kaempferol e Fisetina.
Logo a seguir desta publicação, cujo texto integral disponibilizo abaixo, o grupo Nature publicou vários estudos sobre a microbiota intestinal e sua relação com a obesidade, ideia já apresentada pelo brilhante Prof. Helion Póvoa há décadas atrás.
Agora nos vemos ante a nova descoberta do papel dos receptores nucleares FXR como importantes reguladores do acúmulo de gordura. Pesquisadores do Salk Institute (EUA) encontraram uma relação entre a ativação dos FXRs e o imediato acionamento da lipólise nas áreas acumuladas, especialmente cinturão lipídico abdominal. Os ativadores naturais endógenos desses receptores são os ácidos biliares, especialmente CDCA (ácido chenodesoxicólico). A partir desse ácido biliar moléculas sintéticas, ou semi-sintéticas, começaram a ser desenvolvidas, como ácido obeticólico e fexaramine.
Entretanto, agonistas naturais dos FXRs já foram identificados! São fitoterápicos já conhecidos, como Plectranthus barbatus, Cinnamomum zeylanicum e ainda a Commiphora wightii, está com um papel mais complexo do que um simples agonista, pois atua como modulador dos FXRs.
Em 26 de março próximo estaremos reunidos para avançarmos um pouco neste tema:
COPAMAR HOTEL, SALÃO AZUL: R. Ministro Viveiros de Castro 155 (Copacabana) - 10h.
EM BUSCA DA HOMEOSTASE BIOENERGÉTICA:
OBESIDADE OU LONGEVIDADE?
Cad Bras Med, 2012,
VOL XXV – Nº 1
Celio Mendes de Almeida Filho
Farmacêutico-Bioquímico
Professor de Pós Graduação na Universidade Veiga de Almeida
RESUMO: sobrepeso e obesidade ocorrem
alarmantemente em conseqüência das mudanças nos hábitos alimentares e modus vivendi da sociedade moderna, em
crescente sedentarismo. Nos EUA
estima-se que 65% da população estão acima do peso, revelando um avanço
assustador quando comparados aos valores das pesquisas na década de 1980. No
Brasil o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e o Ministério
da Saúde revelaram em pesquisa de 2002/2003 que 40,6% da população com > 20 anos apresentam excesso de peso –
10,5 milhões estão obesos. Segundo o IBGE,
o sobrepeso em homens pulou de 18,6%
para 41% em apenas três décadas, enquanto
a obesidade nesta população avançou de 2,8%
para 8,8% no mesmo período. Após
conclusões inequívocas sobre os malefícios da dieta contendo ácidos graxos
trans-esterificados (TFAs), foram necessários muitos anos para que os governos
determinassem a sua substituição. Mesmo assim, não estão claros os seus
sucedâneos, a sua segurança e seu comportamento metabólico no homem.
A adaptação geneticamente
estabelecida durante a evolução coloca em primeiro lugar para utilização como
fonte bioenergética os carboidratos, do plasma e do glicogênio. As reservas de
açúcar no organismo são limitadas e rapidamente consumidas no jejum. Estudos
com atletas mostraram que as reservas de glicogênio muscular podem ser drasticamente
reduzidas entre 30 e 50 minutos na elevada exigência do esforço (VO2max
= 67,5 + 5,5ml/min.), sob temperatura ambiental de 30ºC. A reserva de
L-glutamina no plasma é a segunda fonte de substrato bioenergético, já que este
aminoácido pode ser convertido em L-alanina e piruvato, com acesso imediato ao
ciclo de Krebs. Somente quando as
reservas de L-glutamina caem são disparados os mecanismos da lipólise nos
adipócitos e a b-oxidação dos
ácidos graxos, na mitocôndria. Esta é a razão pela qual exercícios de curta
duração não contribuem para reduzir o acúmulo de gordura branca (WAT = white adipose tissue).
Restrição Calórica (CR) é
o único meio cientificamente comprovado que aumenta a longevidade em mamíferos
e humanos, além de reduzir o ganho de peso. Desde a primeira observação, o
relato de McCay & cols. em ratos,
estudos realizados quatro décadas após comprovaram a extensão da vida em
animais submetidos à CR. É de se ressaltar o estudo realizado por Miyagi no Japão (Okinawa), que forneceu
subsídios importantes para corroborar em humanos as descobertas sobre restrição
calórica e longevidade em animais.
Outra intervenção
nutricional que vem ganhando espaço nas pesquisas é a restrição à metionina (MR). Alguns estudos realizados nos
portadores de homocistinúria homozigótica acabaram por indicar alterações
importantes no catabolismo dos lipídios pela MR. Os resultados obtidos nos
estudos com MR em animais são, mais do que encorajadores, surpreendentes, com
aumento na taxa de oxidação dos ácidos graxos.
Proteínas, fatores de
crescimento, hormônios e peptídeos estão envolvidos no balanço energético e
ganho de peso, controlando o binômio lipogênese x lipólise. Adenosina Mono Fosfato-Ativado Proteína
Quinase [AMPK] é uma enzima que funciona como sensor dos níveis de energia no organismo. AMPK controla a função
de outra enzima que regula a liberação dos ácidos graxos dos adipócitos:
sirtuína-1 (SIRT-1). Esta
regulação ocorre através do aumento da disponibilidade de NAD+ na
célula.
Até o momento foram
identificadas sete sirtuínas. É importante ressaltar que todas elas
foram associadas, de alguma forma, com a regulação do metabolismo energético. A
mais estudada – SIRT1 – é apontada
como principal efetora na restrição calórica (CR), com redução de peso,
regulação dos níveis de triglicerídeos, redução do estresse oxidativo celular e
aumento da longevidade em animais.
Peroxisome
proliferator-activated receptors
(PPARs) representam uma família de receptores nucleares intimamente ligados à
lipólise no fígado e no músculo esquelético (PPAR-a) e à adipogênese (PPAR-g).
Sirt1 promove ativação dos PPAR-a, resultando em redução dos níveis de
lipídios circulantes. Recentemente constatou-se que a lipidemia pós-prandial é
mais importante na detecção das doenças cardiovasculares. Diversas pesquisas
mostraram que a ativação dos PPAR-a
contribui para a redução da lipidemia pós-prandial.
Em face das inúmeras descobertas
sobre os efeitos benéficos da CR ativados pelas sirtuínas, especialmente sirt1,
é natural o grande interesse despertado e a busca de moléculas naturais
indutoras dessa família de enzimas. Tais produtos têm sido chamados
“mimetizadores” das sirtuínas, ou simuladores dos efeitos das sirtuínas. Dentre
os estudados até agora, os fitocompostos resveratrol
e kaempferol são os que apresentaram
maior eficiência em animais. Entretanto, moléculas sintéticas que se candidatam
a novas drogas já estão sendo desenvolvidas, com potência infinitamente maior
(SRT501, SRT1720).
O acúmulo de gordura
favorece o estado pró-inflamatório e pró-oxidante – nos adipócitos foi descrito
sistema similar ao dos macrófagos e células “T” para a produção de citoquinas.
Também tem sido verificado que o aumento das citoquinas nos adipócitos leva à
infiltração celular no tecido adiposo por células do sistema imune, mormente
macrófagos. Esta infiltração não só contribui para aumentar mais e mais o nível
das citoquinas, como também aumenta a massa gordurosa branca (WAT).
Por fim, é preciso atentar que
variações na expressão genética humana podem mudar o comportamento metabólico
individual e romper a homeostase bioenergética. Diversos polimorfismos que
prejudicam o catabolismo lipídico foram identificados, os principais atingindo
os genes controladores de PPAR-g,
TNF-a (tumour
necrosis factor-alpha), IL-6 (interleucina-6),
Apolipo A1 (apoliproteína A1) e a
família de enzimas antioxidantes glutationa
peroxidase (GPx). É importante perceber, entretanto, que uma nutrição
adequada, incorporando os nutracêuticos que favorecem a expressão da homeostase
bioenergética – a nutrigenética – pode ajudar na redução da obesidade. Por
outro lado, uma restrição calórica ajustada individualmente e a adoção de
atividade física, são necessárias a esse processo. Seleção alimentar,
especialmente visando regular a carga de metionina na dieta, parece ser outra
perspectiva interessante para a melhoria da taxa de oxidação dos lipídios no
organismo. Nutracêuticos de pesquisas mais recentes, assim como drogas que
deles possam se originar, virão auxiliar nas modificações metabólicas que
favorecem o combate à obesidade. Porém, segundo percebemos, não será possível
romper esse ciclo vicioso sem a educação ostensiva cultivando novos hábitos
alimentares saudáveis, informando sobre a imperiosa necessidade de manter
atividade física e alertando sobre o consumo alcoólico excessivo. Assim, é
preciso escolher conscientemente o caminho a seguir: obesidade, ou longevidade.
Introdução:
É pertinente considerar que o
avassalador aumento dos índices de sobrepeso e obesidade nas populações, tanto
em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, tem origem nas alterações
dos hábitos de vida da sociedade moderna, bem como nos avanços tecnológicos
ocorridos nos últimos dois séculos. Somente nos EUA estima-se que 65% da
população estão acima do peso, revelando um avanço assustador quando comparados
aos valores das pesquisas na década de 1980 [1]. No Brasil o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e o Ministério da Saúde revelaram
em pesquisa de 2002/2003 que 40,6%
da população com > 20 anos apresentavam excesso de peso – 10,5 milhões estão obesos [2]. No
gráfico 1 que resume a tabulação dos dados estatísticos vemos o sobrepeso masculino
saltar de 18,6% para 41% em apenas três décadas, enquanto a
obesidade nesta população avançou de 2,8%
para 8,8% no mesmo período.
É óbvio que o abuso no
consumo de carboidratos refinados (amido, açúcar) e gorduras (naturais ou
sintéticas) está, irrefutavelmente, implicado nesta pandemia de sobrepeso,
associado à diminuição de atividade física. Este binômio – aumento de ingestão calórica e menor
atividade física – rompe a homeostase bioenergética.
O consumo de açúcar refinado começou a
se popularizar no século XIX. Após a implementação dos grandes engenhos no
século XVIII o produto se destinava, quase totalmente, à exportação – seu preço
ainda era inacessível à população em geral. Com os avanços nos métodos de
refinamento e na cultura da cana-de-açúcar, no século XX, o produto teve seu
custo desonerado e o seu consumo per
capita aumentou continuamente – em 2002 o consumo de sacarose representava
13,7% das calorias totais, bem acima dos 10% recomendados [2]. Na década de
1930 o consumo médio de açúcar era de 15kg por habitante por ano. Já nos anos
1940, esse número aumentou para 22kg. Na década de 1950, o consumo foi para
30kg por pessoa, passando logo a seguir para 32kg nos anos 1960. Em 1970, a
média era de 40kg e, em 1990, esse índice atingiu a vultosa marca de 50kg por
habitante – dados recentes mostram que continua subindo. O Brasil tornou-se um
dos maiores consumidores mundiais do produto per capita. Cada brasileiro consome entre 51 e 55kg de açúcar por
ano, enquanto a média mundial está em torno de 21kg, segundo dados da Embrapa
(Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Com
relação ao aumento da ingestão de gorduras, a três principais causas podem ser:
1) Industrialização da pecuária, com maior disponibilidade de gordura animal
para consumo; 2) O sucesso da agroindústria oferecendo óleos vegetais em larga
escala; 3) A obtenção de gorduras processadas e estabilizadas, como as chamadas
gorduras trans-esterificadas (TFAs).
Não bastasse a crescente
oferta de gordura animal in natura, o
processamento químico através da hidrogenação catalítica ofertou, durante
décadas, aportes elevados de gordura trans,
cujo metabolismo é similarmente aterogênico como o das gorduras saturadas, mas
com um agravante: as ligações trans-esterificadas
criam uma estrutura tridimensional (Fig.1) de difícil acesso para as enzimas da
beta-oxidação.
É impressionante lembrar
que, mesmo após conclusões inequívocas sobre os malefícios da dieta contendo
TFA [3], foram necessários mais de 10 anos para que os governos determinassem a
sua substituição. Mesmo assim, não estão claros os seus sucedâneos, bem como
sua segurança e comportamento metabólico no homem.
Todas essas drásticas alterações nos
hábitos alimentares são muito recentes no ciclo evolutivo da espécie humana,
mas parecem já estar contribuindo para adaptações biológicas, nem sempre
favoráveis – haja vista os polimorfismos detectados em enzimas e proteínas
ligadas ao catabolismo das gorduras que são prejudiciais à saúde [210-225].
A adaptação genética
estabelecida durante a evolução humana coloca em primeiro plano a utilização
dos carboidratos como fonte bioenergética (glicose e glicogênio) - as reservas
de açúcar no organismo são limitadas e rapidamente consumidas quando não ocorre
reposição. Estudos com atletas mostraram que as reservas de glicogênio muscular
podem ser drasticamente reduzidas entre 30 e 50 minutos na elevada exigência do
esforço (VO2max = 67,5 + 5,5ml/min.), sob temperatura ambiental de
30ºC. O sistema de recuperação da glicose – gluconeogênese
– visa prioritariamente manter níveis
adequados de glicose no cérebro, já
que este órgão depende exclusivamente
do açúcar como fonte de energia. No esforço prolongado as reservas de
carboidratos não são suficientes para a conclusão da performance, assim, uma
segunda fonte bioenergética de rápida oferta é estrategicamente reservada: o
aminoácido L-glutamina.
A reserva de L-glutamina
exerce, neste aspecto, um papel da maior relevância. Trata-se do aminoácido
livre mais abundante no plasma, com facilidade para conversão em L-alanina e
piruvato, cujo acesso é garantido ao ciclo de Krebs. Subseqüentemente, na cadeia respiratória mitocondrial,
ocorre a gênese de até 36 moléculas de ATP (Adenosina Tri-Fosfato) por cada
molécula de piruvato introduzida. A bioenergética aeróbica é,
indiscutivelmente, a mais eficiente.
Somente após a diminuição dos níveis de L-glutamina no plasma é que começa a ser utilizado o estoque de gordura para produção de ATP. Porém, a reserva de L-glutamina é vital por ser a principal fonte de energia para os fagócitos. Vários estudos mostraram que os linfócitos, por exemplo, não exibem atividade da enzima glutamina sintetase, ficando completamente dependentes da L-glutamina disponível no plasma [4-6]. Assim, quando os níveis de L-glutamina no plasma começam a decair, em função do esforço (Tab.1), finalmente são acionados os estoques de gordura para suprir a demanda de ATP.
O processo que compreende
a transformação dos lipídios em energia é muito complexo, finalizado pela b-oxidação dos ácidos graxos, na
mitocôndria. As pesquisas evidenciam, cada vez mais, uma profusão de fatores
envolvidos e interligados nos passos do catabolismo lipídico, como veremos
adiante. Desde o desalojamento da gordura estocada (lípases que libertam os
ácidos graxos dos triglicerídeos), o transporte dos ácidos graxos (fatty acid binding proteins = FABPs), a
admissão dos ácidos graxos do citoplasma para as mitocôndrias (sistema
acetil-carnitina) e, finalmente, a clivagem oxidativa (b-oxidação) com sua coorte enzimática (D-dessaturases, acil desidrogenases,
enoil hidrolases, hidroxiacil desidrogenases), são inúmeros os fatores
envolvidos.
Recentemente foi
descoberto um novo sistema de transporte dos ácidos graxos que parece permitir
a realização da b-oxidação nos peroxissomos, que seria comandado por
ALDP (adrenoleukodystrophy protein) [7].
Os peroxissomos são
pequenas organelas que se formam no citoplasma, especialmente nos hepatócitos,
que foram inicialmente vinculados ao acúmulo de gordura não metabolizada. Os peroxissomos
contém enzimas oxidases ou oxigenases, fazendo supor que, de alguma forma,
efetuam oxidação dos lipídios, porém de forma diferente da clivagem oxidativa
ocorrida no sistema da b-oxidação, que é
controlado para evitar acúmulo de peróxidos lipídicos. A ação direta de
oxidases sobre a cadeia carbônica dos ácidos graxos, especialmente nos sítios
das duplas ligações, pode ser extremamente danosa por resultar em compostos
tóxicos, com estruturas deturpadas, como é o caso dos epóxidos carcinogênicos,
entre eles a aflatoxina. A
proliferação descontrolada de peroxissomos foi associada ao câncer hepático em
animais por Hodgson & Levi [234].
Os autores relatam que compostos indutores da proliferação de peroxissomos – clofibrate – foram capazes de provocar câncer
em roedores, sugerindo que a peroxidação lipídica pode produzir substâncias
perigosas para o organismo. Já são conhecidos diversos grupos de produtos
derivados da peroxidação lipídica que são tóxicos, como os isofuranos,
isoprostanos, isoketals, lipofuscina, entre outros.
Não é difícil entender,
considerando os inúmeros e meticulosos passos para o catabolismo dos lipídios,
que sua ativação somente ocorra em condições de consumo das fontes prioritárias
da bioenergética: carboidratos e L-glutamina. Um ácido graxo com 18 carbonos é
passível de sofrer 9 reações de desacetilação para produzir 9 unidades de
acetil coenzima A, cada uma capaz de gerar até 36 moléculas de ATP – um total
de 324 moléculas de ATP. Trata-se de um sistema de reserva energética muito
eficiente, porém não adequada à demanda imediata de energia livre, mas sim para
suprir eventuais períodos sem alimentação.
As recentes modificações
no modus vivendi – mais acesso aos
alimentos e menos atividade física – podem provocar adaptações biológicas,
porém em longo prazo. Algumas delas já estão ocorrendo, como os polimorfismos
genéticos que serão descritos ulteriormente.
Enzimas desacetilases, as
sirtuínas, emergiram com grande importância no estudo da homeostase
bioenergética. Neste sistema também foram identificados polimorfismos que
acarretam diminuição da acetilação de histonas (H3K56), nesse caso com
conseqüências prejudiciais à lipólise nos adipócitos.
Adaptações que trariam
imensas modificações na homeostase bioenergética e no acúmulo de gordura, agora
no terreno das hipóteses, seriam modificações no sistema de b-oxidação, com aceleração do processo
de redução carbônica dos ácidos graxos através da clivagem das cadeias em
estruturas tetra-carbônicas, por hipótese, ofertando succinil CoA ao ciclo de Krebs. Porém modificações de tal
envergadura, embora exeqüíveis diante de exigências biológicas, levam milhões
de anos para se consolidarem, o que tem levado a ciência a uma busca incansável
de soluções terapêuticas que possam diminuir o desequilíbrio entre ganho e dispêndio calórico.
Esta revisão tem por objetivo reunir
as informações mais relevantes que trouxeram novos quesitos para discussão
sobre as alterações na homeostase bioenergética e a pandemia de obesidade.
Restrição
Calórica (CR) é o
único meio cientificamente comprovado que aumenta a longevidade em mamíferos e
reduz o ganho de peso. A primeira observação a respeito data de 1935, com o
relato de McCay & cols. em ratos
[20]. Estudos realizados quatro décadas após comprovaram o aumento da
longevidade nos animais submetidos à CR e foram publicados em 1974 e 1976
[21-22] – A partir daí o interesse por esse tema estimulou considerável volume
de pesquisas [23-56; 60-61]. Os dados com humanos também apontam evidências
nesta direção [41, 42, 46, 51,55]. É de se ressaltar o estudo de Miyagi & cols. [228], no Japão (Okinawa), que forneceu
subsídios importantes para corroborar em humanos as descobertas sobre restrição
calórica e longevidade em animais.
A CR é tipicamente a
redução do consumo de alimentos (20-40%), enquanto se mantém nutrição
qualitativa adequada [60]. CR reduz a incidência de diversas doenças [13; 61]:
auto-imunes, ateroesclerose, câncer, diabetes, doenças renais e doenças
neurodegenerativas. Admite-se que dietas com 1.500 kcal/dia para indivíduos com
peso em torno de 70 kg sejam hipocalóricas – ajustes proporcionais considerando
peso e área corporal, além da carga de esforço individual, deverão ser feitos.
Uma alternativa de CR é o jejum em
dias alternados (ADF), que consiste na ingestão de alimentos ad libitum em um dia e no outro redução
ao limite do jejum (menos de 500 kcal + água). Interessante foi observar que
ADF não contribuiu para redução de peso [62] diferentemente da CR. Entretanto,
o aumento de longevidade com ADF pode se assemelhar ao da CR, especialmente
pela observação de redução na incidência de diabetes tipo 2 e doenças
cardiovasculares [63]. CR associada com exercício (E) é um programa que tem
sido avaliado detalhadamente. Os resultados até agora são variados, havendo
estudos que demonstraram efeitos benéficos somatórios de CR + E [64-67],
enquanto outros não evidenciaram alterações significativas entre CR somente e
CR + E [68-70].
§
O
balanceamento da dieta constituído pelas proporções adequadas de
macronutrientes,
§
A
manutenção de níveis adequados dos micronutrientes essenciais, incluindo
vitaminas e minerais, (Portaria 33/1998 – SVS/MS).
Mecanismos
Fisiológicos pela Aplicação da CR:
(29,57-59)
i.
Aumento
da expressão dos genes ativadores da lipólise (PPARa / sirtuínas), permitindo a reciclagem
da gordura contida nos adipócitos.
ii.
Aumento
da expressão PPARg, que mantém
funções dos adipócitos (produção de adiponectina)
e estimula diferenciação celular para melhor distribuição da gordura.
Adipócitos com sobrecarga de gordura são mais propensos às reações
inflamatórias mediadas por hidroperóxidos e isoprostanos.
iii.
Aumento
na expressão da enzima carnitina
palmitoil transferase 1-A [CPT1A], implementando a capacidade de
transporte dos ácidos graxos para a mitocôndria, onde ocorre a b-oxidação.
iv.
Bloqueio
dos receptores que sinalizam lipogênese e adipogênese (ADD1/SREBP,
C/EBPa),
v.
Redução
no índice de glicação protéica e estresse oxidativo celular.
Restrição na Dieta (DR)
de nutrientes específicos ou grupos de nutrientes é um caminho que tem sido
investigado, também. Pesquisas excepcionais relataram que a restrição de
carboidratos e lipídios não contribuiu para a longevidade de animais [71-73], mas
a grande maioria delas mostra o contrário (23-56; 60-61).
Muitos estudos
evidenciaram que o excesso de gordura na dieta é fator para aumento da
incidência de doenças cardiovasculares (CVD
= cardiovascular diseases). Sendo esse grupo a maior causa de mortalidade
mundial há várias décadas, é inquestionável que a restrição de lipídios exerça
efeito preventivo das CVD e contribua para a longevidade.
Por outro lado, há provas
suficientes de que o abuso no consumo de carboidratos não complexados contribui
para exaustão pancreática e subseqüente aparecimento de diabetes tipo 2.
Estudos recentes [128] mostram claramente que a restrição de glicose foi a
única intervenção comprovada que reduziu a expressão de TXNIP (thioredoxin interacting protein) nos
modelos in vitro e in vivo. O aumento da expressão de TXNIP
reduz a proteção das tioredoxinas sobre células pancreáticas, levando a
apoptose celular, insuficiência pancreática e diabetes tipo II.
Assim, é de se
entender que, sendo os carboidratos e lipídios as fontes calóricas de maior
influência no quantum de
quilocalorias por dia, a CR deve,
obrigatoriamente, considerar a adequação de novos limites para estes
macronutrientes, preservando a ingestão de proteínas. A restrição de
carboidratos se faz especialmente aos produtos não integrais. Com relação às
gorduras, devem ser evitadas as saturadas e trans-esterificadas, com
preferência para ácidos graxos insaturados, especialmente os mono-insaturados
que são menos afetados pela oxidação natural e os de cadeia carbônica média (12
carbonos, óleo de coco), estes que dispensam o sistema acil-carnitina para
serem conduzidos à mitocôndria. Ácidos graxos essenciais, especialmente do tipo
ômega 3, devem ser objeto de
adequação nutricional devido à importância na prevenção de CVD.
Restrição de Metionina (MR):
Alguns estudos com
portadores de homocistinúria homozigótica mostraram que a restrição de
metionina (MR) produz alterações
importantes no catabolismo dos lipídios. Os resultados obtidos nos estudos com
animais são, mais do que encorajadores, surpreendentes – ficou demonstrado que
os índices de oxidação de ácidos graxos são implementados pela MR, assim como se verificou redução nos
marcadores inflamatórios.
Metionina é um aminoácido essencial cujo
catabolismo gera S-Adenosil Metionina [same],
um importante agente metilante [fig.2]. Entre as principais reações do same
estão metilação de
A
suplementação com L-taurina pode aumentar as reservas do ácido
tauroursodesoxicólico, um ácido biliar que estimula a drenagem de lipídios do
fígado, além de ampliar os níveis de adiponectina. De fato, administração
de L-taurina apresenta resultados terapêuticos no tratamento da esteatose e nas
dislipidemias.
Voltando à formação de L-cisteína no catabolismo
de L-metionina, ocorre um composto cuja toxicidade é comprovada nas pesquisas
médicas: a homocisteína, descoberta em 1952. Uma década depois, em
1962, foram descritos os primeiros casos de homocistinúria. Logo depois, homocisteína
foi detectada na urina de crianças com deficiência mental. A homocistinúria
homozigótica é uma doença genética em decorrência da ausência da enzima cistationina β-sintetase. O pioneiro a
relatar a toxicidade da homocisteína foi
McCully, patologista americano, que descreveu lesões vasculares graves em
jovens portadores de homocistinúria homozigótica, em 1969 [88]. Nestes
pacientes a homocisteinemia é muito elevada, o que facilitou as conclusões de McCully. Décadas após, entretanto,
outros pesquisadores viram-se diante de resultados inusitados em pacientes com homocistinúria heterozigótica, cujos
níveis são menores do que os encontrados nos homozigóticos, porém mais elevados
do que nos indivíduos normais. A determinação dos níveis referenciais
aceitáveis de homocisteína plasmática tem sido motivo de intensa busca e não
podemos dizer que já é um fato consolidado. Neves
e cols. [107] sugerem
valores limítrofes ponderados (Tab.3).
As implicações de
homocisteinemia moderada foram assinaladas com diversas condições patológicas: angina pectoris, doença tromboembólica, acidentes vasculares cerebrais, doenças
neurodegenerativas, doenças renais, estresse oxidativo celular e peroxidação lipídica.
Também estão disponíveis
publicações relacionando aumento de homocisteína com síndrome metabólica, obesidade
e resistência à insulina [89-106], o
que parece indicar que os efeitos benéficos da MR são decorrentes, ao menos Elshorbagy
& cols. avaliaram os resultados de MR
sobre o perfil dos lipídios e ganho de peso em animais, com resultados
expressivos. Utilizando ratos Fischer
os autores aplicaram dietas com restrição de metionina limitada ao máximo de
0,17% na carga total de aminoácidos. Os resultados mostram redução drástica no
ganho de peso (gráfico 2), que atingiu até 60% após as doze semanas da pesquisa
[74].
No estudo em tela os
autores verificaram que a MR foi
capaz de reduzir triglicerídeos (TG),
explicado pela inibição na atividade da enzima SCD1 (stearil CoA desaturase), catalisadora da síntese de ácidos graxos
monoinsaturados que compõem os triglicerídeos. É importante observar que o
índice de atividade de SCD1 se correlaciona com o IMC e com o percentual de
gordura corporal [147].
Antes desta publicação,
membros dessa mesma equipe já haviam demonstrado que MR poderia diminuir o ganho de peso em animais [75-76].
Plaisance
& cols. [77]
realizaram, então, uma pesquisa de MR
em humanos, para verificar se são reprodutíveis os resultados obtidos com
animais – foram selecionados 26 voluntários com síndrome metabólica,
acompanhados por 16 semanas. No estudo os cientistas aplicaram dieta especial
isenta L-metionina utilizando Hominex-2 ®, contendo 0,9g de
L-cistina por 100g de produto –
vale ressaltar que a hidrólise de L-Cistina fornece duas moléculas de L-Cisteína. Nos cálculos finais o grupo sem
MR ingeriu 35mg/kg/peso de metionina, enquanto o grupo com MR 2mg/kg/peso, abaixo do requisito
diário estabelecido 12,6 mg/kg/peso [78-80].
Vejamos os resultados do
grupo MR após 16 semanas:
Peso
Corporal: inalterado;
Adiponectina: aumento de 22,2%; Taxa de Oxidação de Gorduras: aumento de 76,5%; Triglicerídeos à diminuição de 9,1%.
O estudo mostra que,
efetivamente, a taxa de oxidação das gorduras foi claramente implementada
[76,5%] com a restrição de metionina (MR),
coerente com a redução dos índices de triglicerídeos.
Os resultados sobre a
adiponectina também são expressivos, evidenciando um aumento de 22,2%. Isto
contribui para diminuição da resistência à insulina – a concentração sérica de
adiponectina está diretamente relacionada com a sensibilidade à insulina
[81-84]. Quando injetada em animais adiponectina
acelera a oxidação de ácidos graxos e diminui os níveis plasmáticos de glicose
[81].
A redução observada nos
teores de triglicerídeos [9,1%] é compatível com o aumento da taxa
de oxidação dos ácidos graxos anotada.
O peso dos voluntários não
mostrou alterações, diferentemente do que se observou nos estudos com animais
de laboratório. A discussão sobre a validade de estudos animais quando se
compara com humanos apresenta múltiplas opiniões. Worp & cols. [85] questionam porque apenas 1/3 dos estudos
animais resultam em pesquisas clínicas bem sucedidas. É preciso observar,
entretanto, que a grande maioria das drogas em uso terapêutico foi desenvolvida
a partir de modelos animais, ainda que os dados obtidos em humanos não tenham
sido, inicialmente, significativos [86.]
A análise das possíveis
causas para essa discrepância enfatiza falhas estatísticas e/ou metodológicas
[84-86]. É importante considerar, porém, a seleção
dos animais para teste – jovens, sem morbidades, geneticamente padronizados. São
aspectos que não podem ser obtidos com voluntários humanos.
No caso da pesquisa com MR, é bem possível que futuros estudos,
envolvendo número maior de voluntários, com maior tempo de duração, possam
mostrar resultados semelhantes em humanos àqueles obtidos com animais,
especialmente no que tange à perda de peso, pois os demais parâmetros sobre o
catabolismo dos ácidos graxos foram confirmados.
Fatores
que controlam armazenamento, distribuição e consumo de gorduras:
Proteínas (incluindo enzimas), fatores de
crescimento e peptídeos são as inúmeras biomoléculas envolvidas no balanço
energético e ganho de peso – lipogênese versus lipólise. É um sistema que está se
revelando cada vez mais complexo, com a introdução de novos atores e novos
papéis: listamos os principais na tabela 5.
O
Sistema AMPK: Adenosina Mono Fosfato-Ativado
Proteína Quinase [AMPK] é uma enzima que funciona como sensor dos níveis de energia. Quando aumentam os níveis de AMP (Adenosina
Mono-Fosfato) na célula é uma indicação de que a disponibilidade de ATP
diminuiu, por esgotamento do sistema de regeneração extra-mitocondrial
(creatina-P) e do mitocondrial (nicotinamida adenina dinucleotídeo-fosfato,
NADP). AMPK estimula a b-oxidação dos
ácidos graxos, mas é controlada por outra enzima, serina/treonina quinase-11 (STK11 ou LKB1),
que é sensível ao esforço e monitora as reservas energéticas (9). LKB1
regula a gluconeogênese no fígado e parece estar envolvida com os benefícios de
drogas como metformina e tiazolidinedionas, utilizadas no
diabetes tipo II. A constatação de que a AMPK mantém o balanço energético
através do acionamento de vias catabólicas dos lipídios e da biogênese de novas
mitocôndrias torna essa enzima importante no estudo da obesidade. AMPK
controla, ainda, a função de outra enzima que regula a liberação dos ácidos
graxos nos adipócitos: sirt-1. Esta regulação ocorre
através do aumento da disponibilidade de NAD+ na célula.
Fig.3
|
mitocôndrias
|
O aumento
do NADH estimula a liberação de H+ e aumenta a razão NAD/NADH,
levando à estimulação de sirt-1, um dos principais fatores
que induzem lipólise, através do co-ativador do receptor gama proliferador
ativado do peroxissomo (PGC-1a).
A importância da AMPK na
obesidade tem levado pesquisadores ao aprofundamento em sua coorte bioquímica e
fisiológica, surgindo evidências de que, além da LKB1, o fator de
crescimento dos fibroblastos (FGF21)
intervém modulando a atividade de AMPK (9).
FGF21 aparece como um potente regulador
metabólico em diversas espécies animais, de roedores a primatas. A
administração sistêmica de FGF21 a macacos rhesus com dieta hipercalórica indutora de obesidade mostrou
marcantes efeitos, antiglicêmico e antilipidêmico, com enfoque nos TG. Como resultado final observou-se
clara redução do peso dos animais. Uma das funções hoje atribuídas ao gene klotho
é a síntese de b-klotho,
uma proteína permeável à membrana celular requisitada para a função do FGF21
(10-12). b-klotho parece regular FGF21 no
fígado, pâncreas e tecido adiposo, sua ativação é marcante sob restrição
calórica e no jejum. FGF21 é necessário à b-oxidação dos lipídios no fígado, ao “clearence” de TG e à cetogênese. Em
última análise, FGF21 regula o gasto e disponibilidade de energia
através da modulação da AMPK e SIRT-1
via LKB1.
A
Família das Sirtuínas:
São enzimas desacetilases que desempenham papel
importante na regulação de outras enzimas e na ativação/desativação dos genes –
até pouco tempo atrás não conhecíamos esse grupo especial de proteínas. Sua
principal função é a desacetilação
das histonas – tal procedimento ativa enzimas e genes na cromatina. Até o
momento foram identificadas sete sirtuínas, sendo que três delas – sirt1, sirt6 e sirt7 – pertencem ao núcleo celular (13). As sirtuínas promovem desacetilação de várias moléculas
importantes: histonas e fatores de transcrição. Também foi observada a interação
de sirt1
com a DNA metiltransferase (Dnmtl).
É importante ressaltar que todas as sete sirtuínas foram associadas, de
alguma forma, com a regulação do metabolismo energético. A mais estudada – sirt1
– é apontada como principal efetora da restrição calórica (CR): redução de
peso, redução dos TG, redução do estresse oxidativo celular e aumento da
longevidade em animais.
Principais
Ações das Sirtuínas sobre Fatores da Obesidade:
·
H3K56: é um membro da família das histonas
cuja atividade é regulada por acetilação/desacetilação (8). Há clara indicação
de que a hiper-acetilação de H3K56
esteja diretamente relacionada com obesidade
e que sirt6,
atuando em sua desacetilação, seja fundamental no controle da obesidade (14). sirt1 e
sirt2 já haviam sido apontadas como enzimas desacetilases para H3K56 (15), conseqüentemente sirt1,
sirt2
e sirt6
são fatores que participam da regulação metabólica nos adipócitos e permitem ou
estimulam o uso dos lipídios estocados como fonte de energia.
·
PGC-1a e PPARs: PGC-1a (peroxisome
proliferator-activated receptor-g
coactivator 1a)
regula a atividade dos PPARg (peroxisome proliferator-activator receptor
gamma), o alvo das recentes drogas anti-diabéticas tiazolidinedionas. Não há dúvidas de que o principal sistema de
ativação para os PGC-1a é a sirt1
[9;15]. É interessante observar que, além da ação hipoglicemiante dos agonistas
de PPARg, eles são estimuladores da
diferenciação dos adipócitos através do gene aP2
[16-17]. Consoante às recentes descobertas, aspectos agravantes da obesidade
são decorrentes de mecanismos inflamatórios [18-19]. Nestas pesquisas tem sido
demonstrado que quanto maior o volume de gordura no adipócito maior a resposta
inflamatória aos subprodutos peroxidados dos lipídios: HPETES, LTB4, PGA1/2,
LDLox, isoprostanos, isofuranos. A
diferenciação de adipócitos – ativada
pelos PPARg – é um mecanismo de adaptação
objetivando melhor distribuir a gordura nestas células, diminuindo, assim, o
estímulo para inflamação. Veremos a relação da obesidade com inflamação mais
detalhadamente.
Não
obstante, mantendo-se as condições de ruptura da homeostase bioenergética, esse
processo contribui para aumento da massa gordurosa branca (WAT = white adipose tissue). É importante lembrar que os
mecanismos indutores da
lipólise, incluindo miméticos das sirtuínas, fibratos, CR e exercício [153],
todos eles ativam os PPARs.
·
PPAR-a: Sirt1
promove ativação do PGC-1a, induzindo ativação dos PPAR-a [127] e estimulando a lipólise no
fígado e no músculo esquelético – dessa forma são reduzidos os lipídios
circulantes. Com a redução dos lipídios na circulação, especialmente TG, ocorre
estimulação para a lipólise no tecido adiposo, de modo a manter a homeostase
lipídica. Recentemente constatou-se que a lipidemia pós-prandial é importante
na detecção das doenças cardiovasculares. Pesquisas mostram que a ativação dos
PPAR-a contribui para a redução da lipidemia
pós-prandial. Kimura & cols.
[151] descobriram que a ação do bezafibrato, potente agonista PPAR-a, baseia-se na indução de expressão do
RNA-m das enzimas da b-oxidação: acil Coenzima A oxidase, carnitina palmitoil
transferases e acil Coenzima
sintetase.
·
Enzimas da b-Oxidação:
nas reações mitocondriais a participação de sirt1 é fundamental [108], mas a observação de que sirt3 e sirt5
estão localizadas na matriz mitocondrial [108-109] é bastante sugestiva. Há
indícios de que sirt4 atue estimulando a oxidação dos ácidos graxos, de forma
dependente ou sinérgica com sirt1, através da ativação de MAPK (mitogen-activated protein kinase) [109-110].
Interações já confirmadas entre as
sirtuínas e enzimas da b-oxidação:
o Acetil CoA sintetase-2 [AcCoAS2]: ativada por sirt3.
o Acil CoA desidrogenase [AcCoAD]: ativada por sirt3.
o ATP sintetase [ATPS]: possivelmente
ativada indiretamente por sirt3,
pela desacetilação sirt3 parece controlar as enzimas dos complexos
mitocondriais, adaptando a função mitocondrial à maior oferta acetil CoA proveniente da b-oxidação de ácidos graxos.
o Considerando que sirt1, indiretamente,
regula a expressão das enzimas acil Coenzima
A oxidase, carnitina palmitoil transferase e acil Coenzima A sintetase é
possível afirmar que à família das sirtuínas cabe relevante papel no processo
de utilização e catabolismo da gordura nos mamíferos e no homem.
Adaptação à CR em Nível Central: o
papel de sirt1.
Quando
o alimento é reduzido o metabolismo dos animais mostra fantásticos mecanismos
de adaptação, que incluem alterações fisiológicas e bioquímicas, além de
mudanças comportamentais [111]. Um dos mais notáveis ajustes é a redução de
atividade física em resposta à fase inicial do jejum. Entretanto, os animais se
tornam mais ativos com mais tempo de privação alimentar. A prostração inicial,
para conservação de energia, é substituída por hiperatividade na busca
incessante pelo alimento. Essas adaptações são traduzidas bioquimicamente pela sirt1.
Satoh & cols. [111] investigaram a adaptação dos
animais à restrição alimentar e descobriram que durante a sua implantação a
expressão de sirt1 aumenta, medida através da interação com
anticorpos anti-sirt1. Localização expressiva dos precipitados de sirt1
foi observada no hipotálamo – núcleo dorso
medial e lateral do hipotálamo,
assim como núcleo supraquiasmático.
Os núcleos ventro medial, arqueado e para-ventricular não reagiram.
Green & cols. [112], anteriormente, haviam detectado
atividade de sirt1 no núcleo supraquiasmático,
região anterior do hipotálamo densamente povoada por células nervosas,
envolvida com a glândula pineal e o ciclo circadiano.
O Efeito Grelina: um dos aspectos que merece atenção,
por ser fator decisivo na adesão aos protocolos de CR em pacientes com hiperfagia e obesos, é a liberação de grelina,
que ocorre após longo período sem alimentação. Trata-se de um peptídeo hormonal
(28 aminoácidos) produzido na mucosa estomacal por células P/D1 e no pâncreas
(células e). É um potente hormônio que estimula
a ingestão de alimentos descontroladamente, dificultando ou bloqueando a resposta
aos tradutores da saciedade: serotonina, leptina e adiponectina. Grelina
diminui a seletividade e privilegia a quantidade. Em camundongos, a
administração de grelina 15 minutos após os animais terem sido saciados
incentivou-os a voltar a comer continuadamente. Portanto, nos protocolos de CR e nas dietas de modo geral, devem
ser contra-indicados intervalos longos sem alimentação, evitando, assim, a
liberação expressiva da grelina.
Mimetizadores das Sirtuínas:
Em
face dos efeitos benéficos da CR causados pelas sirtuínas, especialmente sirt1,
é natural o grande interesse despertado na busca de substâncias indutoras
dessas enzimas. Tais produtos têm sido chamados “mimetizadores” das sirtuínas,
ou simuladores dos efeitos das sirtuínas. Dentre os estudados até agora, os
fitocompostos resveratrol e kaempferol são os que apresentaram maior
eficiência em animais. Entretanto, moléculas sintéticas derivadas do
resveratrol são candidatas a novas drogas e já estão sendo desenvolvidas, com
potência infinitamente maior, como veremos mais adiante.
Resveratrol: trata-se de um fitocomposto
polifenólico dotado de ação antioxidante e antimicrobiana (antifúngico),
encontrado em frutas, especialmente uvas e frutas vermelhas. As primeiras
pesquisas com resveratrol mostraram
ação anti-aterogênica, que levou centenas de pesquisadores às investigações
sobre seu uso na prevenção das CVD. Após algumas pesquisas não tão conclusivas,
Ferrero & cols. [113] fizeram a
primeira publicação da atividade antiagregante do resveratrol para monócitos e granulócitos junto ao endotélio
vascular. Isto ocorreu em 1998, pouco depois divulgação do “French Paradox”,
quando se relacionou pela primeira vez o consumo de vinho tinto com menor incidência de CHD (coronary heart disease). Entre as primeiras publicações está o artigo
de Richard [114]. Leiris, Boucher e Ducimetière abordam
detalhadamente os fatos em seu artigo “The French Paraxox: Fact or Fiction?” [115]
– o paradoxo se refere ao elevado consumo de gordura em populações francesas e
a menor incidência de CHD, quando comparadas a outras populações européias.
Com
mais de 600 artigos publicados e lançados na biblioteca PubMed, o resveratrol mostrou ações em outros
campos da medicina – a maioria de artigos publicados a partir do ano de 2000
revela a potente ação anti-cancerígena deste polifenólico.
Mais
recentemente, porém, foi descoberto que o resveratrol
pode mimetizar (simular) certas condições que surgem durante a CR, especialmente a expressão de sirt1.
De fato, a profusão de publicações [116-126] ligando resveratrol com aumento de sirt1 denota, claramente, caminhos
para seu uso terapêutico na obesidade, ou para o desenvolvimento de novas
drogas sintéticas agonistas de sirt1 (SRT501 e SRT1720). No caso do
resveratrol, modelos animais bem
sucedidos na redução de peso usaram doses elevadas [116; 118; 129-131], que não
podem ser diretamente extrapoladas para humanos (mg/kg). As doses efetivas do
resveratrol em humanos, visando ações de estimulação das sirtuínas, ainda não
foram determinadas.
Alimentos ricos em resveratrol: além de fontes conhecidas como as
uvas rosadas, outras frutas – morangos
– mostram serem fontes de resveratrol na dieta [157]. Uma
espécie vegetal chinesa, Polygonum
cuspidatus, revelou-se a maior fonte conhecida de até o momento [158].
A presença de resveratrol
no vinho tinto, entretanto, pode não ser tão significativa, devido à grande
variação detectada – de 0,30 a 1,30mg/150ml. Além disso, a ingestão de álcool
em excesso (acima de 30g/dia, segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS), é
nociva para a saúde humana. Considerando o teor de álcool médio nos vinhos
tintos maduros, entre 12 e 14%, uma taça com 150ml pode conter 15g de álcool,
donde concluímos que o consumo de duas taças com essa capacidade seria o limite
diário. Nos vinhos com menor teor de resveratrol (0,3mg/150ml) isto nos daria
uma dose de 0,6mg de resveratrol, muito aquém dos valores considerados
benéficos em quaisquer de suas indicações: anti-aterogênico, anti-carcinogênico
ou como estimulador das sirtuínas. Os vinhos de uvas não maduras (verdes),
entretanto, têm se revelado como fonte melhor de resveratrol, devido a ser este
o momento quando a uva contém os maiores teores do composto, cuja principal
atividade para a fruta é seu poder antifúngico. Além disso, os vinhos verdes
contêm o menor teor alcoólico entre todos, variando de 8 a 10%.
·
Fig. 5
|
§ Ativação das sirtuínas [estimula gene Sir2).
§ Aumento na síntese de T3
[estimula gene Dio2, responsável pela
síntese da enzima deiodinase-2 (D2)].
Esta estimulação parece ser via aumento da liberação de c-AMP e maior expressão
da enzima PKA.
§ Estímulo do fator de transcrição Nrf2,
abundante no tecido adiposo, cuja ativação contribuiu para redução do conteúdo
gorduroso nos adipócitos [236].
§ Da
Silva & cols. [42] demonstram que a indução
de D2 pelo kaempferol
envolve, também, um mecanismo pós-transcricional, uma vez que a expressão do m-RNA
para D2 é bem menor do que o aumento provocado na atividade de D2
em si. Os autores supõem que kaempferol
aumenta a meia vida da molécula de D2.
Outro
aspecto interessante sobre o kaempferol
é a constatação de que o composto exibe ação antinflamatória, atuando na
modulação das enzimas cicloxigenases
[150]. Isto significa dizer que ele contribui para diminuir subprodutos
peroxidados, especialmente hidroperóxidos (5HETEs), que provocam aumento na
resistência à insulina e obesidade [18-19].
Fisetina: é um flavonol encontrado em muitas
frutas [morangos] e vegetais. Está sendo considerada [49] uma potente
substância ativadora da sirt1. Já estão disponíveis estudos
sobre fisetina, boa parte descrevendo seus efeitos anti-cancerígenos [132-136].
Entretanto as pesquisas começam a mostrar os efeitos pró-sirtuínas da fisetina.
Num desses estudos [137] ficou evidenciado que fisetina reverte alterações
enzimáticas encontradas no diabetes (hexoquinase,
piruvato quinase, lactato desidrogenase, glucose-6-fosfatase, frutose-1,6-difosfatase,
glucose-6-fosfato desidrogenase, glicogênio sintetase e glicogênio fosforilase). Numa outra
pesquisa [138], equipe de cientistas da Universidade de Maringá, no estado do
Paraná, Brasil, evidenciou que fisetina
pode inibir a glicogenólise no fígado
de ratos. Inibição máxima de glicogenólise e glicólise foi obtidas na
concentração de 200mM. A gluconeogênese
a partir de lactato e piruvato foi inibida na concentração de 300mM. Esses resultados podem sugerir que fisetina exerce ação preservadora dos
carboidratos como substrato bioenergético, redirecionando o sistema
bioenergético para o catabolismo de lipídios na b-oxidação,
mostrando uma ação similar a sirtuin1. Há um estudo que mostrou a
redução dos níveis de aldeídos tóxicos (metilglioxal) no diabetes pela
administração de fisetina [139].
Buteína: fitocomposto ativador da sirt1
[49]. Pesquisa sugere que buteína
estimula a síntese da L-glutationa e da enzima heme-oxigenase, ambos potentes
antioxidantes [140]. Pandey & cols.
mostraram a capacidade da buteína de inibir o fator pró-inflamatório NFkB
[175]. Sua presença em vegetais comestíveis ainda não foi bem avaliada, mas
está na composição da espécie Caragana
jubata.
Nucleotídeos da vitamina B3 e novas moléculas
sintéticas.
A função das enzimas da
família das sirtuínas é plenamente
dependente do NAD (nicotinamida
adenina di-nucleotídeo), motivo pelo qual sua biodisponibilidade torna-se um
fator regulatório da eficiência das sirtuínas. Mamíferos obtêm NAD a partir da
nicotinamida, que sofre primeira reação com a enzima NAMPT [nicotinamida adenina mono nucleotídeo fósforo transferase] para se
transformar em NMN [nicotinamida mono nucleotídeo]. A
seguir o NMN é convertido em NAD por outra enzima - NMNAT [nicotinamida mono nucleotídeo adenina transferase].
As formas precursoras do NAD podem aumentar a sua
disponibilidade: nicotinamida, nicotinamida ribosídeo (NR) e NMN. A primeira é
facilmente encontrada como suplemento vitamínico, já NR e NMN são usadas
apenas em pesquisas científicas.
A administração oral do NAD já foi objeto de várias pesquisas,
especialmente no tratamento da fadiga crônica [198-201], onde foram encontrados
resultados positivos. Exceto Alegre &
cols. [201], em pesquisa com 77 pacientes, que mostrou apenas redução da
ansiedade e diminuição da freqüência máxima cardíaca. Há suspeitas, porém, de
que essa forma possa elevar a glicemia.
Segundo Imai [202], a estimulação da
biodisponibilidade do NAD é um mecanismo para implementação de atividade das
sirtuínas, especificamente falando, sirt-1.
Drogas sintéticas muito
mais potentes (Fig.6) que os ativadores naturais das sirtuínas estão sendo
desenvolvidas, considerando a importância dessas desacetilases. Milne & cols. [203] iniciaram testes
com a molécula experimentalmente denominada SRT1720, registrando efeitos surpreendentes nos animais testados.
A administração da nova
droga a animais promoveu efeitos similares aos obtidos com a adoção da
restrição calórica (CR). Além disso, quando administrado a ratos diabéticos,
SRT1720 melhorou a resistência à insulina e ativou a lipólise nos animais,
supondo-se que a principal via desse efeito é através do PGC-1a.
Beta-Oxidação: Carnitina Palmitoil Transferase (CPT-1
e CPT- 2).
Os indutores da lipólise, incluindo miméticos das sirtuínas, CR
e o exercício, ativam as lípases, com o conseqüente implemento na
hidrólise dos triglicerídeos armazenados no tecido adiposo. A ação das lípases causa rápido aumento de ácidos
graxos livres, elevando a demanda do transporte destes para o interior das
mitocôndrias – um trabalho executado pela cpt1 (espaço inter-membranas), em conjunto com cpt2 na matriz mitocondrial
(Fig.7). A ação destas enzimas é
fundamental para a eficiência bioenergética das gorduras, considerando que os
passos subseqüentes são mais complexos, envolvendo o tratamento bioquímico das
cadeias carbônicas dos ácidos graxos para criação de dupla ligação na posição
do carbono b (Fig.8).
Compostos que aumentam a expressão de
CPT-1:
Reações da
Beta-Oxidação:
Um dos
principais sistemas que influenciam o acúmulo de gordura é a b-oxidação. Através da b-oxidação os ácidos graxos são
degradados em unidades di-carbônicas (acetil), sendo que no caso de ácidos
graxos ímpares, ao final, é produzida uma unidade tri-carbônica (propionil). A
finalização da oxidação dos ácidos graxos depende do número de carbonos de sua
cadeia. Um ácido graxo com átomos de 18 carbonos levará mais tempo para ser
totalmente oxidado, em relação a um ácido graxo com 12 carbonos. Encontramos
esses ácidos graxos médios em certos vegetais, como o coco, rico em ácido
láurico (12 C). A oxidação desses ácidos graxos de cadeia média (vide fig.7) dispensa
o sistema de transporte com L-Carnitina CoA, sendo, portanto, muito mais
rápida.
Um ácido
graxo fornece a metade do número de carbonos de sua cadeia em acetil CoA, capaz
de produzir até 38 moles de ATP. A preferência do organismo por carboidratos e
L-glutamina como bioenergéticos se
deve, em primeiro lugar, à rapidez com que ambos são oxidados até acetil CoA e
admitidos no ciclo de Krebs. O sistema
da b-oxidação é bastante complexo,
envolvendo cadeias de enzimas que, sucessivamente, preparam o ácido graxo para
a clivagem em unidades acetila (acetil CoA). Inicialmente, enzimas dessaturases
promovem a saída de átomos de hidrogênio da cadeia carbônica para a criação de
uma dupla ligação após o carbono da posição b.
A seguir, a hidratação prepara o resíduo da cadeia carbônica para uma nova
carboxila, enquanto se mantém protegida a carboxila original do ácido graxo
pela ligação com coenzima A. Uma desidrogenase deixa pronta a molécula para a
cisão com liberação de uma acetila, porém com a junção de nova coenzima A ao
resíduo da cadeia ácida (Fig. 8):
Fatores que Modulam a lipogênese:
C/EBP-a: (CCAAT enhancer
binding protein alpha) é uma proteína humana codificada pelo gene CEBPA. Pode também formar heterodímeros
com as proteínas relacionadas – CEBP-b
e CEBP-g.
Foi observado que adipócitos
deficientes em C/EBP-a acumulam menos lipídios e deixam de induzir os
receptores PPAR-g, diminuindo a diferenciação
dessas células. A consolidação destas pesquisas mostra uma relação de
interdependência entre C/EBP-a e os
receptores PPAR-g, sendo que a
expressão hiperativada de C/EBP-a leva à
diferenciação dos adipócitos de forma desordenada, à lipogênese e expansão de
tecido gorduroso branco (WAT).
Por outro lado, há indícios de que C/EBP-a possa regular a síntese de leptina
[233], o que torna ainda mais complexa a análise dos papéis de C/EBP-a na lipogênese.
Desde a sua primeira descrição por Zhang & cols. [155], a leptina
foi vinculada à obesidade em animais e humanos – defeitos na sua biossíntese ou
nos seus receptores causam severa obesidade.
Nos animais, a administração de leptina
promove intensa inapetência e aumento no gasto de energia, levando à perda de
peso rapidamente. Entre os principais mecanismos envolvidos está a inibição do
neuropeptídeo “Y” (estimulador do
apetite). leptina pode, ainda, aumentar a taxa metabólica em
repouso (gasto calórico basal) [156].
Em humanos, casos de obesidade grave
mostram níveis elevados de leptina plasmática, sugerindo um
possível mecanismo de resistência à
leptina.
SREBP-1c:
Sterol
Response Element-Binding Protein 1
é um fator genético que supra-regula fatores lipogênicos. SREBP-1 é estimulado por IGF-1 (insulin
growth factor-1) para provocar lipogênese, pois se liga às seqüências
nucleotídicas de síntese do colesterol e dos ácidos graxos. Há três membros na
família SREBP: SREBP-1a, SREBP-1c
e SREBP-2. SREBP-1a é o mais
potente ativador da transcrição e tipicamente controla genes das vias de
síntese dos ácidos graxos. SREBP-2, por sua vez, controla a transcrição dos
genes associados com a biossíntese de colesterol [159].
A lipogênese pode ser estimulada por
insulina e glicose. SREBP-1c é
ativada pela insulina através de proteólise no retículo endoplasmático (RE).
SREBP-1c, por sua vez, ativa os genes da glicólise, promovendo aumento de
acetil CoA, cujo acúmulo provoca a síntese de ácidos graxos, a maneira mais eficiente
de compactar a energia. Na resistência à insulina ocorre ativação da lipogênese
hepática, que pode causar esteatose. Dados recentes sugerem que a ativação de
SREBP-1c e a conseqüente lipogênese são originários do estresse oxidativo no RE
[160].
Fitocompostos
que atuam modulando SREBP.
·
Epigalocatequina 3 Galato [EGCG]: é um fitocomposto presente no chá (Camellia sinensis) cujas pesquisas vêm
mostrando interessantes propriedades médicas. Efeito antiproliferativo do EGCG foi detectado em mais de um estudo
[162-166], Outros estudos na área neurológica estão causando interesse,
principalmente sobre a contenção dos efeitos tóxicos do peptídeo b-amilóide
[167-169].
Porém, um
estudo [161] que chamou atenção sobre o EGCG
foi publicado em 2009, no qual ficou evidente a capacidade do composto em
modular genes envolvidos com adiposidade. Lee
& cols. observaram que a administração de EGCG a camundongos obesos promoveu redução no peso dos animais – os
autores se dedicaram, então, a buscar mecanismos que justificassem a descoberta
realizada.
As
primeiras mudanças observadas foram reduções consideráveis de TG no plasma e no
conteúdo da gordura hepática. Na gordura branca foi detectada redução no mRNA
de genes ligados à adipogênese, como PPAR-g,
C/EBP-a,
SREBP-1c, aP2 (adipocyte fatty acid-binding protein), LPL (lipoprotein lipase) e FAS (fatty
acid synthase). EGCG mostrou
mais atividade lipolítica, aumentando a expressão dos genes que controlam a
enzima CPT-1 e UCP2 (proteína
desacopladora 2), HSL (hormone
sensitive lipase) e ATGL (adipose
triglyceride lipase), este último vital para drenagem dos adipócitos. Os
autores concluíram que EGCG
efetivamente reduz massa adiposa e melhora o perfil lipídico plasmático nos
animais submetidos à dieta com alto teor de gordura. Outros estudos corroboram
efeitos do EGCG sobre adipócitos
[170-173].
Fitocompostos
que atuam modulando TNF-a.
Chá Verde:
o efeito redutor do TNF-a sobre
adiponectina, induzindo obesidade, está confirmado. Biomoléculas que atuem
modulando e diminuindo a resposta desse fator inflamatório podem ser úteis no
manejo dos programas para redução de peso. O chá verde é proveniente da Camellia
sinensis, a mesma espécie que fornece o chá
preto. A diferença é que o chá verde não sofre torrefação em temperaturas
elevadas, preservando seu conteúdo de antioxidantes. O chá verde contém teores significativos de EGCG e variada composição de antioxidantes polifenólicos com ação
hipolipidêmica largamente documentada [176-181]. Embora os efeitos sobre a
redução de peso em humanos com o extrato do chá
verde não tenham sido estatisticamente comprovados, os resultados positivos
sobre os marcadores lipídicos e inflamatórios pela sua administração são
evidentes [181].
Ação sobre o TNF-a: Jin & cols.
[182] avaliando os efeitos do chá verde
sobre a fisiopatologia óssea (osteólise), in
vitro e in vivo, verificaram que EGCG realmente inibe a liberação de
TNF-a. Pesquisando os mecanismos de ação,
comprovaram que tal efeito se dá pela modulação do acoplamento da proteína IkB-a ao fator NFkb, onde a proteólise de IkB-a determina a ativação de NFkb. Mais estudos confirmaram a
importante ação antinflamatória do EGCG
sobre TNF-a [182-183].
Ilex
paraguariensis: conhecida como erva
mate, apresenta rica composição em antioxidantes polifenólicos. Dois
artigos publicados por revistas do grupo Nature,
elaborados por cientistas brasileiros, focalizam com nitidez os efeitos
anti-adipogênicos dos extratos de erva mate [195-196]. Na primeira publicação
[195] os autores discutiram a importância da perspectiva inflamatória no
fenômeno da obesidade, considerando o tecido adiposo como um importante órgão
secretor de adipoquinas. Muitas das substâncias secretadas no tecido adiposo
podem acelerar o armazenamento de TG e disparar a diferenciação dos adipócitos,
ação que, inicialmente é uma adaptação à homeostase lipídica, pois visa melhor
distribuição da gordura em excesso. Entretanto, com lipogênese cronicamente elevada, a diferenciação de
adipócitos expande a massa gordurosa branca (WAT) [fig.9].
Além
disso, outros produtos secretados nos adipócitos interferem com a homeostase
cardiovascular, contribuindo para aumento da pressão arterial. Entre estes está
MCP-1 (monocyte chemotactic protein-1)
que promove infiltração celular no endotélio, angiotensinogênio e PAI-1 (plasminogen activator inhibitor-1).
Considerando
que modelos animais são apropriados para essa investigação, os autores
utilizaram camundongos geneticamente padronizados, submetidos a dietas com alto
teor gorduroso. No grupo administrado com extrato de erva mate, a administração
por sonda intragástrica forneceu 5,82mg/g de cafeína; 3,30mg/g de teobromina; 0,58mg/g de ácido caféico;
348mg/g de polifenóis, a cada dia. Desses componentes, as xantinas (cafeína e teobromina) são moléculas
capazes de ativar a lipólise em adipócitos, por inibição de fosfodiesterases e aumento da oferta de AMP-c [197]. Sobre os polifenólicos, é
de conhecimento geral que apresentam forte atividade antioxidante e são capazes
de migrar do citoplasma para a membrana celular e o retículo endoplasmático.
Após 8
semanas da dieta hiper-calórica houve significante aumento de peso nos animais
não tratados, assim como da glicemia. Os animais que receberam erva mate, porém, mostraram significante
redução no peso. Na conclusão do estudo os autores consideraram o extrato de
erva mate detentor de potente atividade anti-obesidade in vivo.
Ação
de I. paraguariensis sobre a Lípase
Pancreática: numa
outra pesquisa [196] foi abordada a atividade hipolipidêmica da erva mate
através do bloqueio da lípase pancreática
(PL). Lípases estão distribuídas em vários órgãos, glândulas e células, tendo a
finalidade de hidrolisar complexos lipídicos – TG e lipoproteínas. Aquelas
lípases lançadas no trato gastrointestinal, como a lípase pancreática (PL), são
necessárias à pré-digestão desses lipídios, que fornece ácidos graxos livres,
única forma em que podem ser absorvidos após esterificação com os ácidos
biliares.
PL, sem dúvida, é um fator decisivo no
tratamento da gordura – sua inibição promove aumento da excreção dos ácidos
graxos nas fezes. Drogas sintéticas com alta potência sobre PL, como o orlistat, podem provocar diarréias devido ao elevado teor de
gordura retido nas fezes. Substâncias naturais contidas na erva mate e também
presentes no chá verde (C. sinensis)
já haviam sido apontadas como inibidores da PL: flavonóides e taninos, por exemplo.
Neste teste os animais usados foram
camundongos padronizados geneticamente e submetidos à administração de erva mate em grupos diferentes, com
dietas hipercalóricas e dietas padrão. Após 16 semanas, os resultados das
medições da PL mostraram redução do
emulsificado com taurocolato e óleo
de oliva, indicando clara inibição desta lípase pelo extrato de I. paraguariensis.
Adiponectina,
DsbA-L e Ácido TauroUrso Desoxicólico:
Adiponectina
é um peptídeo com 244 aminoácidos cujo gene está localizado no cromossoma 3q27,
susceptível de polimorfismos que levam à síndrome metabólica (MS). Isto mostra
claramente a influência da queda de adiponectina na iniciação da MS. Os
níveis plasmáticos de adiponectina são inversamente relacionados com o teor de
gordura visceral, embora sua expressão seja menor nas vísceras do que no tecido
subcutâneo.
Inibição
da adiponectina: TNF-a é um potente inibidor da
adiponectina, o que mostra a importância da discussão sobre o papel da
inflamação na obesidade.
Indivíduos obesos apresentam a
tendência de níveis baixos de adiponectina, provavelmente devido aos mecanismos
inflamatórios gerados nos adipócitos quando atingem volume elevado de gordura. Adiponectina também está baixa nos
pacientes com síndrome metabólica e resistência à insulina.
Adiponectina recombinante reduz imediatamente a
glicose em indivíduos diabéticos e normais, sem estímulo da secreção de
insulina. Supõe-se que a redução da glicemia promovida pela adiponectina seja
mediada pela supressão da gluconeogênese hepática. Dois tipos de receptores
para adiponectina (AdR1 e AdR2)
foram identificados no fígado e no músculo.
PPAR-g,
abundantes no tecido adiposo, controlam a diferenciação dos adipócitos –
necessária para impedir o aumento de volume gorduroso na célula – e a expressão
de vários genes nos adipócitos. Agonistas PPAR-g
como as tiazolidinedionas têm a habilidade de diminuir a resistência à insulina
e aumentar a liberação de adiponectina. Tiazolidinedionas
antagonizam os efeitos nocivos de TNF-a
sobre a adiponectina, restaurando os níveis adequados.
Uma descoberta de Zhou & cols. [184] coloca novo foco sobre a eficiência da adiponectina. Os autores postulam ser
esse hormônio o centro de controle sobre a sensibilidade à insulina. A
estocagem da adiponectina na célula
ocorre no retículo endoplasmático (RE),
em três formas distintas: trímero, hexâmero e uma forma de alto peso molecular
(multímera). Cada uma dessas formas exerce papel diferenciado na regulação da adiponectina no retículo
endoplasmático. Defeitos na polimerização da adiponectina – envolvendo as
proteínas Ero1-1a, Erp44 e GPR94 –
afetam não somente sua secreção, mas também sua eficiência. O organismo
assegura o funcionamento hormonal da adiponectina através do controle
antioxidante no RE, onde a
homeostase redox é crítica em função da grande produção de radicais livres
naquele sítio celular. Assim, moléculas especiais chamadas chaperonas – poderosos antioxidantes – estão presentes no RE para garantir o perfeito
funcionamento da adiponectina. Entre essas chaperonas,
o ácido
tauroursodesoxicólico é dos mais relevantes.
A mais importante descoberta de Zhou, entretanto, foi uma nova
proteína que interage com adiponectina, DsbA-L (disulfide-bond A
oxidoreductase-like protein), que se expressa em vários tecidos – rins,
pâncreas, coração, com ênfase para o tecido adiposo. Nos animais e voluntários
humanos submetidos a dietas altamente calóricas (obesos), a expressão de DsbA-L cai dramaticamente. O mais
interessante é que a pesquisa mostra, também, que a melhor forma de manter o
desempenho da adiponectina é
promover o controle do estresse oxidativo no RE.
Nos testes laboratoriais, para checar
a relação do estresse oxidativo no RE e a função da adiponectina, Zhou & cols. separaram grupos de
camundongos obesos, tratados com ácido tauroursodesoxicólico e outros
sem tratamento. Os animais que receberam o ácido tauroursodesoxicólico
mostraram imediata redução na expressão da proteína lipogênica C/EBP-a
e aumento da interação da adiponectina
com DsbA-L, o que potencializa sua
atividade hormonal:
L-Taurina:
É um aminoácido não protéico sulfurado
cujos papéis no metabolismo lipídico têm sido consecutivamente comprovados. Em
outras áreas, como na neurotransmissão, por exemplo, o papel de L-taurina já
havia sido enaltecido após as descobertas sobre sua função agonista para o GABA,
nos receptores GABA(a) [185-191]. A
partir dessa constatação L-taurina tem sido, eventualmente, empregada como
moderado ansiolítico, embora faltem estudos clínicos que confirmem esse efeito
de modo mais abrangente.
O uso de L-taurina nas dislipidemias
tem sido preconizado, assim como na infiltração gordurosa hepática. Há fortes
indícios de que sua suplementação auxilie na redução da lipogênese e obesidade,
especialmente após a publicação de Tsuboyama-Kasaoka
[193]. Na análise dos possíveis mecanismos sobre a ação anti-adipogênica de
L-Taurina é preciso levar em conta:
1) A ação antioxidante exercida por L-taurina
e seu papel estabilizador sobre as membranas, incluindo o RE. Piña-Zentella & cols. mostraram como
L-taurina pode diminuir a formação de H2O2, diminuindo o
estresse oxidativo e ativando a lipólise nos adipócitos [194].
2) O estresse oxidativo celular,
especialmente no RE, compromete as ações anti-adipogênicas, incluindo a função
da adiponectina [184].
3)
L-taurina
é precursora do ácido tauroursodesoxicólico, cuja ação estimuladora
sobre adiponectina foi evidenciada.
4)
O
efeito ansiolítico de L-taurina (agonista do GABA), que poderia contribuir para
diminuição da hiperfagia compulsiva.
Inflamação:
causa ou efeito da obesidade pró-oxidante e pró-inflamatório e no tecido
adiposo [204] – nos adipócitos foi descrito sistema similar ao de macrófagos e
células “T” na produção citoquinas [208]. Também foi verificado que o aumento
de citoquinas nos adipócitos leva à infiltração do tecido adiposo por células
do sistema imune, mormente macrófagos. A infiltração de macrófagos não só eleva
a liberação de citoquinas, como também aumenta o volume do tecido adiposo e a
compressão dos tecidos adjacentes, piorando o quadro inflamatório.
O acúmulo de gordura
favorece o estado pró-oxidante e pró-inflamatório e no tecido adiposo [204] –
nos adipócitos foi descrito sistema similar ao de macrófagos e células “T” na
produção citoquinas [208]. Também foi verificado que o aumento de citoquinas
nos adipócitos leva à infiltração do tecido adiposo por células do sistema
imune, mormente macrófagos. A infiltração de macrófagos não só eleva a
liberação de citoquinas, como também aumenta o volume do tecido adiposo e a
compressão dos tecidos adjacentes, piorando o quadro inflamatório.
Fig. 10
|
A
compressão do endotélio pela dilatação gordurosa, por sua vez, promove
liberação de mais fatores inflamatórios endoteliais e a lipólise desordenada
reforça o recrutamento de macrófagos pelo tecido adiposo. O aumento de citoquinas [TNF-a, IL-6] inibe a liberação de adiponectina e todos esses fatores, ao
final, perpetuam o ciclo de expansão do tecido gorduroso. Por outro lado, o aumento de citoquinas [TNF-a, IL-6] inibe a liberação de hormônios
importantes que atuam no metabolismo contra a obesidade, como a adiponectina. Assim, parece que estamos
diante de um ciclo (Fig. 10).
fig.9
|
Todos
esses subprodutos disparam os fatores pró-inflamatórios, entre eles o TNF-a, um dos principais indutores do fator
NFkB – ambos ativam a diferenciação desordenada
dos adipócitos e provocam a lipólise desregulada, além de estimularem a gênese
das espécies ativas do oxigênio (radicais livres = RL). O TNF-a inibe, ainda, a liberação de perilipina,
uma proteína que modula a atividade das lípases.
Tanto a diferenciação dos adipócitos e
a lipólise, quando desregulados, provocam a liberação
descoordenada dos ácidos graxos, impactando a b-oxidação
e estimulando a oxidação destes em níveis não mitocondriais, nos peroxissomos,
por exemplo. É sabido que a oxidação dos ácidos graxos nestas organelas – os peroxissomos – transcorre sem mecanismos de controle que evitam a
formação dos derivados peroxidados (epóxidos), dotados de elevada toxicidade.
Por outro lado, o rápido acúmulo de ácidos graxos livres inviabiliza a
necessária biogênese mitocondrial, responsiva ao aumento da demanda para a b-oxidação.
Outras estruturas tóxicas para os mamíferos são os derivados peroxidados
do ácido araquidônico, abundante na membrana celular. Os hidroxiperóxidos do
ácido araquidônico (HPETEs) são moléculas reconhecidamente carcinogênicas, além
de iniciadores da apoptose precoce celular, que leva à necrose (Fig. 12).
Outro aspecto relevante é que TNF-a e NFkB aumentam a gênese de espécies
ativas do oxigênio, lesivas para as estruturas dos receptores insulinérgicos. A
elevação de outros marcadores inflamatórios já foi detectada em indivíduos
obesos: IL-6, IL-8 e proteína “C” reativa [205-207], ficando clara a influência
da inflamação na obesidade.
TNF-a sem dúvida
está aumentado no tecido adiposo, induzindo NFkB e o aumento da gênese de RL, lesivos
para as estruturas dos receptores insulinérgicos. Novas drogas, que estão sendo desenvolvidas a
partir da molécula do resveratrol
(SRT501 e SRT1720), estão mostrando potente atividade anti-TNF-a, mesmo sob estimulação do lipopolissacarídeo (LPS).
Portanto, além do quantum de calorias na dieta, a origem dessas calorias determina,
adicionalmente, a gravidade da obesidade. Quanto mais calorias sejam
preenchidas por lipídios, ácidos graxos saturados, poli-insaturados de
cadeia longa ou trans-esterificados, mais
críticos ficam os níveis de lipoperóxidos estimulantes do TNF-a.
Segundo Curti
& cols., no artigo de revisão [204], relevantes mecanismos secundários
inflamatórios que comprometem o metabolismo lipídico são:
É importante lembrar que as
descobertas sobre os efeitos da CR mostraram,
coerentemente, que um dos principais mecanismos pelo qual ela reverte a
resistência à insulina é a redução do
estresse oxidativo provocado pelo aumento de RL. Isto é relatado em todos os estudos que investigaram
profundamente a CR. No processo
inflamatório incidente na obesidade o TNF-a é o marcador
que mostrou maior constância nas
medições nos indivíduos obesos, aparecendo invariavelmente aumentado. Sabemos que este fator é um dos
mais poderosos ativadores do NFkB, fator de
transcrição considerado o “maestro”
da inflamação, pois modula a síntese de proteínas e vários fatores
pró-inflamatórios: citoquinas (IL-1,
IL-6, IL-8), cicloxigenases e leucotrienos (PGE2, LKB4), óxido nítrico sintase induzida (iNOS).
Além destes marcadores inflamatórios, Siervo
& cols. [209] registraram em crianças obesas um aumento significativo
de proteína “C” reativa.
Mecanismos de Lipogênese:
A
sensibilidade ao radical acetila é o
principal mecanismo da lipogênese, que ocorre no fígado e no tecido adiposo – acetila é o principal combustível para o
sistema aeróbico bioenergético, alimentando o ciclo de Krebs (ciclo do ácido cítrico) e a cadeia respiratória mitocondrial
(CRM). A maneira mais eficiente de armazenamento de acetila é através da síntese de ácidos graxos, que conjuga várias
moléculas de acetila. Portanto, a
lipogênese é uma estratégia de sobrevivência do organismo, onde os ácidos
graxos, após ressintetizados, são compactados na forma de triglicerídeos. Os carboidratos são, no aspecto quantitativo, a
mais importante fonte de acetila
presente na dieta – em segundo lugar, sob essa mesma ótica, vêm os lipídios
[Fig.13]. Entretanto, não se pode olvidar que o álcool etílico, liberando radicais acetila no fígado, pode aumentar a lipogênese, dependendo da
quantidade ingerida e da freqüência do consumo.
No tecido
adiposo a esterificação dos ácidos graxos com o glicerol forma TGs que são armazenados nos adipócitos.
No fígado, os TGs ali produzidos
formam as VLDLs (very low density
lipoproteins), e são exportados para outros tecidos.
Enzimas indiretamente envolvidas na
oferta de acetila ou piruvato:
Citrato liase: citrato + CoA + ATP à acetil CoA + oxaloacetato + ADP + Pi
Malato desidrogenase: oxaloacetato +
NADH à
Malato + NAD+
Enzima Málica: malato + NADP à piruvato + NADPH
A inibição da citrato liase pode ser obtida, por competição, com a administração
de hidroxicitrato,
presente em fitoterápicos como Garcinia
camboja. Um estudo publicado no British
Journal of Nutrition [229] verificou que doses orais de 500mg de hidroxicitrato foram capazes de aumentar
a glicogenólise pós-prandial, reduzindo a lipogênese. Onakpoya & cols, porém, afirmam em sua revisão [230] que a
redução de peso com hidroxicitrato foi
pequena. Possivelmente os estudos citados usaram extratos vegetais não padronizados, passíveis de grandes
variações nos teores dos ativos. Mesmo assim, nesta revisão [229], são
relacionados trabalhos protocolarmente corretos que mostraram ação do hidroxicitrato na contenção da
lipogênese
Enzimas diretamente envolvidas na
lipogênese:
Acetil CoA Carboxilase: acetil CoA +
HCO3- à
malonilCoA
Ácido Graxo Sintase: acetilCoA + 7
malonil CoA à Ácido Palmítico
Acil CoA Sintetase: palmitato, oleato
+ CoA à
palmitoil, oleilCoA
Estearil CoA Dessaturase (SCD1):
ácidos graxos saturados à
ácidos graxos insaturados à
triglicerídeos
Para esse
grupo de enzimas ainda são insuficientes os dados sobre compostos que atuam na sua
inibição, reduzindo a lipogênese. Condutas metabólicas, como a restrição à
metionina, mostraram redução na atividade de SCD1.
A
eficiência da lipogênese é tal que os principais nutrientes contribuem para a
gênese de TG (triglicerídeos) [Fig. 13].
Álcool
Etílico na Obesidade:
O metabolismo do álcool etílico nos humanos parece ser
bem antigo, uma vez que nos deparamos com uma enzima específica para a sua
metabolização – acetaldeído desidrogenase
(ALDH). A partir da ingestão do álcool sua absorção se inicia rapidamente
na mucosa estomacal, contrariando a regra da grande maioria de substâncias,
drogas e nutrientes, cuja absorção se dá preferencialmente em nível intestinal.
Essa característica diferente
se deve a peculiaridades do álcool etílico, pequeno peso molecular e
característica química especial: hidrossolubilidade e lipossolubilidade. Dessa
forma, o álcool etílico consegue maior índice de absorção na mucosa gástrica. Após
a absorção, sua primeira passagem hepática ativa os sistemas de
biotransformação de quatro maneiras diferentes e complementares.
Sucessivas oxidações, catalisadas por álcool desidrogenase (ADH) e acetaldeído desidrogenase (ALDH), ambas
dependentes do NAD+ e tendo molibdênio
como metal catalisador [Fig.14],
Reação com catalase nos peroxissomos,
Reação com oxidases do CYP 2E1 (citocromo 2E1),
Pequenas quantidades de álcool podem
interagir com ácidos graxos formando ésteres
etílicos dos ácidos graxos (FAEEs), que são tóxicos para o fígado e o
pâncreas – podem causar cirrose e pancreatite.
O metabolismo do álcool
gera uma carga elevada de espécies
reativas do oxigênio (radicais livres), a começar pelo aumento do anion superóxido (O2•),
seguido por peróxido de hidrogênio (H2O2)
e hidroxila (OH•). O
álcool etílico provoca inflamação no fígado e está ligado à infiltração
gordurosa nesse órgão (esteatose hepática).
A esteatose ocorre
basicamente pela grande oferta de acetila (AcetilCoA) no fígado [Fig.14], que
estimula a lipogênese. Assim, ao consumir bebidas alcoólicas, é preciso
considerar que o aporte da lipogênese será maior, com repercussões negativas: dislipidemias, síndrome metabólica e obesidade. Por outro lado, o estresse oxidativo gerado pelo álcool
etílico influencia o fenômeno inflamatório no tecido adiposo, contribuindo para
a resistência à insulina e diabetes II.
Expressão
Genética e Predisposição à Obesidade:
Variações na expressão genética humana
podem mudar o metabolismo e a homeostase bioenergética. Polimorfismos podem
surgir por vários motivos, incluindo as interferências de uma nutrição
inadequada.
Segundo Curti & cols. [204], corroborando
tantas pesquisas já publicadas, a redução da ingestão de gordura saturada e o
acréscimo de grãos integrais, frutas, vegetais, carnes magras e óleos com
predominância de ácido oléico, podem reduzir a incidência de doenças
metabólicas.
Havendo
predisposição genética, uma dieta mal orientada (excesso de gordura saturada e
carboidratos refinados; baixa ingestão de antioxidantes), pode levar
rapidamente à obesidade.
Principais Polimorfismos Genéticos
Associados com Obesidade:
PPAR-g.
O
polimorfismo mais encontrado para este receptor nuclear hormonal é o SNP (single-nucleotide polymorphism) tipo
Pro12Ala, onde ocorre a substituição de L-alanina
por L-prolina no códon 12. Ele está
associado ao diabetes tipo II e obesidade e
apresenta incidência de acordo com a origem étnica – 14 a 15% de
ocorrência em caucasianos. No estudo de Frederiksen
& cols [210] foi relatada maior incidência do polimorfismo Pro12Ala nos
indivíduos com resistência à insulina, quando comparados ao padrão Ala/Ala. Outra
diferença, mais marcante, foi o perfil de TG no plasma: menor nos indivíduos
tipo genético Ala/Ala. As medidas
da circunferência abdominal apresentaram apenas ligeiro aumento no grupo
heterozigótico Pro12Ala.
Embora
ainda haja alguma controvérsia sobre a influência do polimorfismo Pro12Ala na
obesidade, a maioria dos estudos aponta relação positiva entre ambos. Sobre a
incidência do diabetes tipo II, mesmo um estudo que não constatou relação de
Pro12Ala com obesidade [211] confirmou que esse polimorfismo apresenta
tendência à dislipidemia (TG) e ao diabetes II.
Existem muitas provas de que esse polimorfismo (Pro12Ala) seja, de fato,
causador da elevação de TG no plasma, aumento da resistência à insulina e
obesidade [212-213].
TNF-a.
Este
fator tem um papel preponderante na inflamação, junto com NFkB. Está bastante documentado que, na
obesidade, o TNF-a encontra-se
aumentado e desempenha papel importante no desenvolvimento da resistência à
insulina. A concentração de TNF-a
em cultura de hemácias humanas mostra boa estabilidade, o que permite checar as
variações significativas segundo o genótipo [214].
A
pesquisa de Sobti & cols [215]
avaliou e comparou 688 voluntários, sendo 250 portadores de síndrome metabólica
(MS), 224 obesos com doença coronariana (CAD) e diabetes II e, por fim, 214
controles. Na busca de conclusões sobre o polimorfismo TNFa-308G/A, verificou-se que os
pacientes com CAD/Diabetes II tinham relação com esse genótipo, assim como diabéticos II. O genótipo TNFa-308A/G apresentou certo efeito de proteção contra CAD.
O genótipo TNFa-308A apresentou forte relação com
obesidade, CAD e diabetes II nos pacientes com síndrome metabólica. Os autores
concluíram que variações heterozigóticas TNFa-308G/A
podem ser importantes fatores de risco para desenvolvimento da síndrome
metabólica, diabetes tipo II e obesidade, tanto em homens como mulheres. Por
outro lado, a variação A/G parece exercer ação preventiva sobre a ocorrência de
doença coronariana nos pacientes obesos e portadores de diabetes II.
Outros estudos relacionados por Curti & cols [204] confirmam que a
variação TNFa-308A também está associada com maior
predisposição para doenças infecciosas e autoimunes. Nos indivíduos não obesos
portadores de TNFa-308A a
constatação de níveis elevados de marcadores pró-inflamatórios (proteína “C”
reativa) foi verificada em alguns estudos, mas não em todos. Talvez isso possa
ser explicado por variações na seleção de voluntários e amostragem, já que há
indicativos da relação das variações polimórficas do TNFa-308A/G com inflamação.
Outros polimorfismos para o gene TNF-a tem sido investigados (238/G, 376/A),
mas os resultados iniciais foram conflitantes para a relação com diabetes tipo
II. Entretanto, os tipos 238/G, 308/A e 376/G estão ligados ao aumento da
produção de TNF-a.
IL-6.
Esta é uma interleucina
pró-inflamatória secretada por larga variedade de células, incluindo os
adipócitos. Há indícios, porém, de que ela possa atuar, em certas
circunstâncias, modulando a síntese de citoquinas antinflamatórias. Nas
inflamações crônicas seus efeitos parecem ser
estimulantes da cascata pró-inflamatória das citoquinas.
Nos seres humanos há razoável
comprovação de que níveis elevados de IL-6 estão associados com obesidade e
gordura visceral [218-219]. Al-Gayyar
& cols. [216] perceberam níveis elevados de IL-6 nos pacientes com
síndrome metabólica e cirrose não alcoólica, enquanto investigavam os efeitos
de ômega-3 (óleo de peixe) em doses diárias de 2g. Os pacientes tratados com
óleo de peixe mostraram redução nos marcadores inflamatórios, especialmente
IL-6 e TNF-a. Outro aspecto que liga a IL-6 à
síndrome metabólica e obesidade é a CRP (proteína “C” reativa), pois essa
proteína é dependente da ativação genética de IL-6 para sua produção. Como a
CRP é freqüentemente apontada em níveis elevados em ambos os casos, síndrome
metabólica e obesidade, o aumento de IL-6 é uma forte indicação [217].
Stephens
& cols. [218-220]
estudaram a variação polimórfica do gene IL-6/174G>C e concluíram que este
polimorfismo aumenta a oferta de IL-6, contribuindo para alterações metabólicas
como síndrome metabólica, diabete tipo II e obesidade. Num de seus estudos
preliminares, os autores verificaram que essa alteração polimórfica também
induz ao diabetes tipo II [219]. O genótipo -174C alelo foi relacionado com
aumento de IMC nos indivíduos com diabetes tipo II. Estes mesmos autores realizaram
outro experimento [220] onde constataram que o polimorfismo IL-6/174G>C é
compatível com o desenvolvimento de obesidade, após análise de 571 voluntários
selecionados com síndrome metabólica e o estado pré-diabético.
Apoliproteína
A1.
Esta lipoproteína é um
componente majoritário da fração HDL, cuja síntese ocorre no fígado e no
intestino delgado. HDL é um transportador de colesterol que contém uma
importante enzima antioxidante, a paraoxonase-1.
Ela é responsável pela ação anti-aterogênica da HDL. Uma publicação recente de Life Sciences (Loued, Isabelle, Berrougui & Khalil) concluiu que o complexo
HDL-paraoxonase-1 tem ação
antinflamatória [221].
Infelizmente, mais de uma dúzia de
mutações no gene Apo A1 já foi descritas [204], desde rupturas até aberrações e
deleções. A super-expressão de Apo A1 protege contra o desenvolvimento de
ateroesclerose, mesmo sob dieta hiper-gordurosa, mas a mutação conhecida como A-I Mil ano é causadora de
hipo-regulação da HDL e, conforme as pesquisas, consiste na substituição de L-cisteína por L-arginina na posição 173. Da mesma forma, outros polimorfismos
(MspIB, PstI, SstI e PvuII RSV) também estão associados com decréscimo na
produção de HDL, refletindo uma diminuição nas defesas antioxidantes e
associando à maior incidência de doença coronariana [222].
Glutatione
Peroxidases.
É uma família de enzimas
cuja importância para a defesa antiaterogênica é majoritária. As enzimas
glutatione peroxidase (GPxs) atuam na
reversão dos peróxidos lipídicos, mesmo daqueles formados por vias diretas, não
enzimáticas. Wolin [223] postula que
a deficiência de GPx-3 cria um estado pró-trombótico e de disfunção
vascular. Em camundongos a deficiência
de GPx-3 causa a elevação de P-Selectina, proteína aterogênica, uma vez que
estimula a adesão de monócitos ao endotélio vascular e sua infiltração na
íntima. A deficiência de GPx-3 tem sido associada com aumento de peróxidos
extracelulares e diminuição da disponibilidade de óxido nítrico, além de
aumento da agregação plaquetária.
As mais estudadas
variedades de GPx são Gpx-1 e Gpx-2. Ambas são fundamentais no tratamento de
peróxidos celulares e extracelulares, incluindo H2O2. É
conhecido que o peróxido de hidrogênio é o substrato para a gênese do radical
livre do oxigênio hidroxila (HO*), dotado de maior potencial para alterações
nas cadeias lipídicas, tanto saturadas como insaturadas. O radical OH* exibe
alta reatividade, capaz de promover alterações profundas na cadeia lipídica,
formando peróxidos tóxicos que estimulam a reação inflamatória – incluindo TNF-a e NFkB.
A importância da família GPx é de tal envergadura que sua expressão é
considerada um dos fatores genéticos da longevidade. Isto se explica de forma
lógica, a partir do conhecimento sobre o metabolismo oxidativo celular, onde a
enzima antioxidante SOD (superoxide
dismutase) promove elevação de H2O2 no citoplasma,
requisitando maior atividade das peroxiredoxinas (Prxs) e de GPx-1/2. A
neutralização do excesso de H2O2 evita a explosão
oxidativa de radicais OH*, crítica para as funções celulares. O aumento de OH*
pode, inclusive, ativar mecanismos apoptóticos nas células e interferir com as
divisões celulares programadas – o número de Hayflick.
Foi estabelecido que o aumento de
peróxidos lipídicos estimula a agregação plaquetária, reduzindo os níveis de NO
(óxido nítrico). Quaisquer alterações polimórficas que resultem em diminuição
de expressão de GPx-1 e GPx-2 podem, efetivamente, contribuir para sérios
prejuízos no metabolismo lipídico.
Jablonska
& cols. [224]
estabeleceram uma relação de eficiência da GPx-1 e o quantum de selênio no plasma. Nos indivíduos examinados a
concentração plasmática de selênio foi 54,4mg/L.
A relação entre a atividade GPx-1 e a concentração de selênio variou de acordo
com os genótipos: Pro/Pro = 0,44; Pro/Leu = 0,35 e Leu/Leu = 0,25. Isto
significa que a relação de eficiência foi maior na seqüência Pro/Pro >
Pro/Leu > Leu/Leu.
Um estudo realizado no Brasil por Cozzolino & cols. [225] confirmou o
que foi relatado na pesquisa de Jablonska
[224]. Os autores avaliaram a suplementação com nozes brasileiras em mulheres
com obesidade mórbida, totalizando 290g de selênio por dia. A freqüência dos
genótipos foi de 0,487; 0,378, e 0,135 para Pro/Pro, Pro/Leu e Leu/Leu,
respectivamente. No início do estudo 100% dos indivíduos haviam sido
considerados como deficientes em selênio. Após a suplementação com as nozes
brasileiras (Castanha-do-Pará) houve aumento no selênio plasmático.
Adicionalmente, o grupo Pro/Pro mostrou menos danos ao DNA após a suplementação
com nozes brasileiras.
Um polimorfismo que já foi
identificado – Pro198Leu – tem sido associado com diminuição da expressão de
GPx [223]. Outro polimorfismo – 718C – resultou em diminuição da GPx-4 e foi
associado com aumento dos subprodutos da lipoxigenase: hidroperóxidos do ácido araquidônico, leucotrieno A4, leucotrieno B4,
todos capazes de causar alterações na permeabilidade vascular. Esses distúrbios
na família GPx acarretam sérios aumentos nos subprodutos da peroxidação
lipídica enzimática (lipoxigenase), mas também na peroxidação não enzimática a
partir do acúmulo de OH*, que promove alterações nas estruturas derivadas do
ácido araquidônico. Essas deformações levam à formação de compostos
inflamatórios (isoprostanos, isofuranos),
com repercussão direta na cascata inflamatória que ativa a agregação de células
do sistema imunológico, especialmente monócitos e macrófagos (fig.8).
Isoprostanos são compostos similares
às prostaglandinas, porém produzidos no organismo a partir de oxidação não
enzimática – sem concurso de cicloxigenases – derivados do ácido araquidônico.
As reações que produzem os isoprostanos são catalisadas por espécies ativas do
oxigênio, mormente o radical hidroxila (OH*) formado por H2O2
de escape à ação de Prx/GPx, sob catálise de Fe+2 ou Cu+2.
Estas reações, por não dependerem de enzimas, não estão sujeitas a controle
endógeno antioxidante – quanto maior a disponibilidade de ácido araquidônico
maior a fuga dos sistemas cicloxigenases 1 e 2.
Embora os isoprostanos apresentem meia-vida curta, possuem potente atividade
biológica, especialmente sobre os pulmões e rins. Os isoprostanos da série F2 são os mais ativos biologicamente, sendo
originários da prostaglandina H2. Sucessivas transformações dão origem a outros
compostos trombóticos e pró-inflamatórios, isotromboxanos
e isoketals.
Um trabalho recém
publicado [227] mostrou o forte envolvimento dos isoprostanos F2 com diabetes tipo II, através da avaliação urinária
em 138 pacientes portadores do diabetes II. Isto vem exigir mais pesquisas com
esse grupo de produtos, porque a abrangência de patologias relacionadas aos isoprostanos está sendo rapidamente
ampliada. Com a vinculação ao diabetes II, possivelmente surgirão ligações dos isoprostanos com síndrome metabólica e a
obesidade.
Conclusões:
O crescimento da
incidência do sobrepeso e obesidade, incluindo a variedade mórbida, é um fato
incontestável na sociedade moderna. Os motivos mais visíveis são as dietas
hipercalóricas e diminuição de atividade física. Esse binômio compõe um quadro
inevitável de ruptura da homeostase bioenergética, levando ao acúmulo do
excedente energético, contabilizado pelo aumento da oferta de acetilCoA
proveniente dos carboidratos, lipídios e proteínas. Somando-se a eles, o uso
abusivo de bebidas alcoólicas gera uma carga extra e não nutricional de
acetilCoA no fígado, podendo agravar o aumento de gordura visceral, esteatose e
obesidade. O sistema de armazenamento de reserva energética nos mamíferos é
fruto de eficiência metabólica obtida ao longo de milhões de anos de adaptação
às condições precárias de obtenção do alimento. Assim, as enzimas que comandam
a lipogênese e a adipogênese, controladas por grande variedade de genes,
promovem de forma eficiente a estocagem do excesso calórico.
Por outro lado, o sistema
absortivo dos nutrientes não está dotado de seletividade para rejeitar a carga
calórica excessiva, especialmente os carboidratos que possuem um eficiente e
rápido sistema de absorção gastrintestinal. Os lipídios, contando com
facilitadores de sua absorção – os ácidos biliares – recebem um tratamento
eficiente que leva à sua absorção intestinal. As proteínas representam o grupo
alimentar com mais etapas e dificuldades absortivas, devido à exigência da
total fragmentação das cadeias peptídicas antes de atingirem o lúmen intestinal
– só podem ser absorvidos os aminoácidos livres ou dipeptídeos, diferentemente
dos outros grupos alimentares.
Fica claro que,
independente de pequenas variações na proporção entre os macronutrientes, a
perspectiva de absorção para carboidratos como fonte bioenergética é
priorizada. Após o armazenamento da gordura no tecido adiposo, sua utilização
dependerá de rígidos sistemas reguladores, envolvendo múltipla expressão
genética e inúmeros hormônios (leptina, adiponectina, visfatina, resistina),
enzimas (sirtuínas, enzimas da beta-oxidação, enzimas lipolíticas nos
adipócitos) e receptores nucleares (PPARs).
O tecido adiposo retém,
ainda, outros nutrientes além da fonte bioenergética – sua utilização obedece a
um plano de segurança. Enquanto houver suficiente fornecimento de substratos de
rápida transformação bioenergética – carboidratos simples (dissacarídeos) e
estabilidade dos níveis plasmáticos de L-glutamina – não serão emitidos sinais
químicos e hormonais para utilização da gordura acumulada. Especialmente quando
o gasto energético é mantido em níveis baixos, como no sedentarismo moderno.
Estudos realizados mostram
que um grupo de enzimas especiais – as
sirtuínas – exerce papéis importantes na mobilização da gordura acumulada.
Aliás, a importância dessas enzimas transcende ao catabolismo lipídico, uma vez
que muitos estudos citados anteriormente mostram que elas estão firmemente
associadas com a longevidade dos mamíferos.
Entre as ações que,
confirmadamente, aumentam a atividade de sirt-1 sobre a lipólise nos adipócitos
está a restrição calórica (CR). Curiosamente, essa conduta é considerada a
única forma comprovada de aumento da longevidade em mamíferos. Em humanos,
destarte as dificuldades de realização de pesquisas deste porte, tudo indica no
mesmo sentido, haja vista as descobertas com os anciões de Okinawa, no Japão.
CR é um procedimento que
não pode ser adotado indiscriminadamente, mas sim ajustado às necessidades
individuais, considerando peso, área corporal, hábitos de vida, carga de
atividade física. Os níveis de calorias na CR estão compreendidos entre 60 e
80% das médias nutricionais (1.800-2.000kcal/mulheres e 2.200-2500kcal/homens).
A supervisão nutricional adequada deve existir para avaliar as modificações na
ingestão de alimentos, de modo a manter os micronutrientes (vitaminas,
minerais, antioxidantes, ácidos graxos essenciais) em níveis corretos.
Outros métodos para
regulação do metabolismo lipídico e perda de peso têm sido discutidos, como a
restrição nutricional específica. Entre estes destacamos a restrição à
metionina (MR). Os resultados obtidos com a MR mostram melhorias no catabolismo
lipídico, com flagrante aumento na taxa de oxidação dos ácidos graxos e
conseqüente diminuição no peso corporal, em animais. Em seres humanos, MR não
mostrou claramente redução de peso, mas confirmou os achados sobre a otimização
metabólica dos lipídios nos animais, incluindo diminuição de TG. A associação
entre CR e MR ainda não foi bem explorada.
As pesquisas nesta área
estão ativas e há suposições de que os efeitos benéficos da MR são decorrentes,
ao menos em parte, da redução que ela promove nos níveis de homocisteína, aminoácido tóxico que já
havia sido identificado em diversos estudos, a partir do pioneiro McCully.
Outro aspecto importante
na homeostase bioenergética é o equilíbrio na atividade dos receptores
nucleares PPARs. PPARs-a estimulam a
lipólise no fígado e músculo esquelético, reduzindo os níveis de lipídios
circulantes. PPARs-g regulam a
diferenciação de adipócitos, mecanismo usado para estabelecer nova homeostase
nos adipócitos. Está comprovado que adipócitos com nível maior de gordura,
diferentes daqueles com menor volume, tornam-se ativos secretores de
citoquinas, levando à inflamação e também à infiltração celular no tecido
adiposo por células do sistema imune. Angiogênese também foi relatada nesta
situação.
No capítulo sobre
inflamação na obesidade temos uma discussão e relato de sucessivas descobertas
sobre as ações nefastas de citoquinas sobre hormônios importantes para conter a
obesidade, como adiponectina, que
promove lipólise e leptina, que,
sendo um inibidor natural do apetite, parece estar envolvida com um fenômeno
agravante: resistência à leptina.
Descobertas com os ácidos
biliares – especialmente ácido
tauroursodesoxicólico – mostram seu efeito estimulador na liberação de
adiponectina em indivíduos obesos.
Fitocompostos que
mimetizam as ações das sirtuínas compõem, hoje, um grupo alvo de sucessivas e
importantes pesquisas sobre as modificações das prioridades bioenergéticas do
organismo, de carboidratos para lipídios. Dentre eles estão resveratrol, epigalocatequina 3 galato,
kaempferol, fisetina, buteína.
Por fim, é de se registrar
o grande interesse no mapeamento dos polimorfismos genéticos que contribuem
para o avanço da obesidade na sociedade moderna, em várias regiões do planeta.
Destes polimorfismos, os que acometem genes TNF-a,
PPARs, IL-6, Apoliproteína A1 e as enzimas glutationa peroxidases são os que
mais despertam interesse, pelas evidências de envolvimento com diabetes tipo II
e obesidade. Um novo ramo da nutrição – a nutrigenética
– surge com possibilidade de trazer melhorias significativas, a partir da
inclusão nutricional de fatores que mimetizam as sirtuínas e podem mudar a
resposta dos genótipos frente à obesidade.
Analisando esse vasto
contexto sobre o acúmulo de gordura e excesso de peso, percebe-se que durante
milhões de anos fomos adaptados a um sistema metabólico que continua vigente,
cujo exclusivo objetivo é assegurar a sobrevivência em condições de
vulnerabilidade quanto à obtenção dos alimentos. Longos períodos em busca do
alimento, consumo limitado de calorias e elevado grau de esforço físico para
obtê-las impediam acúmulo significativo de gordura. A abundância de chaves
controladoras do resgate da gordura do tecido adiposo – enzimas, hormônios, fatores de crescimento, peptídeos e proteínas – mostra como a gordura é
estratégica na sobrevivência dos animais. Entretanto, o seu acúmulo,
opostamente, é um incontestável fator que restringe a longevidade.
Nutracêuticos de pesquisas mais recentes, assim
como drogas que deles possam se originar, virão auxiliar nas modificações
metabólicas que favorecem o combate à obesidade. Porém, segundo percebemos, não
será possível romper esse ciclo vicioso sem a educação ostensiva cultivando
novos hábitos alimentares saudáveis, informando sobre a imperiosa necessidade
de manter atividade física e alertando sobre o consumo alcoólico excessivo.
Assim, é preciso escolher conscientemente o caminho a seguir: obesidade, ou
longevidade.
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