O documentário da BBC "Is binge drinking really that bad?" (O porre alcoólico é realmente tão ruim?) está revolucionando todo o conhecimento que se tinha sobre a toxicidade do álcool etílico. A partir do estudo realizado com dois voluntários gêmeos e médicos, acompanhados por uma qualificada equipe de médicos e bioquímicos, mitos caíram por terra e suposições distantes tornaram-se fatos!
A própria equipe de cientistas, assim como os irmãos Chris e Xand van Tulleken, confessaram que não esperavam encontrar resultados tão surpreendentes nesta experiência, na qual um dos irmãos (Chris) bebeu 3 unidades de álcool diariamente e outro (Xand) 21 unidades de álcool em um único dia - isto durante um mês inteiro. Cada unidade alcoólica consiste em 10ml por drink. No caso de chopp, em se tratando de bebida com 4,5% de graduação alcoólica teríamos, aproximadamente, 3 chopps com três dedos de colarinho por dia (Chris). Ou 21 num único dia (Xand).
Com a realização de vários exames, entre eles um revolucionário ultrassom pulsante que detecta com precisão a textura (maciez) do fígado, o primeiro resultado foi chocante:
TANTO CHRIS COMO XAND APRESENTARAM VALORES FORA DO PADRÃO
APÓS 1 MÊS DO CONSUMO ALCOÓLICO!
Numa escala considerada normal até 3,9 os fígados de ambos os irmãos apresentaram 4,9 após o teste. Vale lembrar que antes do estudo os resultados de Chris e Xand eram 3,9! O que mais intrigou os cientistas foi o curto tempo para uma alteração tão significativa na textura do tecido hepático, com marcante enrijecimento (4,9). Um fígado cirrótico pode apresentar valores de 8 a 10 na escala.
A GRANDE CONFUSÃO!
A GRANDE CONFUSÃO!
Acontece que 3 unidades de álcool por dia era, até então, a recomendação do Governo Britânico como limite de segurança! Os resultados encontrados no teste dos irmãos van Tulleken derrubam o limite estabelecido, considerando ainda que outros parâmetros também foram reprovados em exames realizados:
Marcador inflamatório (TNF-alfa): elevado em ambos os voluntários. Isto prova que os efeitos do acetaldeído sobre o organismo são mais graves do que se pensava anteriormente. Para relembrarmos um pouco do metabolismo do álcool vejamos:
O que já se sabia deste quadro:
- A velocidade das reações, que na maioria das pessoas tende a acumular acetaldeído, o produto mais tóxico do álcool etílico. Existem três grupos geneticamente qualificados quanto ao metabolismo do etanol: A) Indivíduos que apresentam mais dificuldade na primeira reação (ADH), acumulando etanol - são os "sonolentos", aqueles que após algumas doses de álcool tendem a dormir. Isto porque o etanol em si é o depressor do SNC e causador do sono. B) Indivíduos que apresentam maior dificuldade na segunda reação (ALDH) - são os intolerantes ao álcool etílico, não suportam nem pequenas doses. Dificilmente se tornariam alcoolistas. C) Indivíduos que tem mais facilidade na segunda reação (ALDH) e são mais resistentes ao álcool - estes são os potencialmente "alcoolistas pesados", ou "heavy drunkers".
- O consumo de álcool leva à hipertensão, alterando o metabolismo da aldosterona.
- O metabolismo do álcool gera produto carcinogênico (acetaldeído).
O que ainda não se sabia deste quadro:
- O acúmulo de acetaldeído aumenta a permeabilidade intestinal, levando a alterações imunogênicas e, em última estância, endotoxemia. Isto porque o aumento do espaço das junções intercelulares (enterócitos) acaba permitindo a migração de bactérias da flora intestinal para o sangue. Os microrganismos mais perigosos neste caso são do gênero CLOSTRIDIUM. Por isso o quadro de ressaca após grande ingestão de álcool relata prostração, dores musculares generalizadas e oscilações na temperatura corporal.
- O acetaldeído libera citocinas inflamatórias, através da estimulação do fator NFkB.
- O metabolismo do álcool eleva os níveis de homocisteína no sangue, o que é compatível com o aumento de casos de derrame cerebral em alcoólicos graves. Um estudo americano citado no documentário revelou que há um aumento de casos de infarto nas 2ªs feiras, indicando que o consumo alcoólico do fim de semana é mais vilão do que imaginávamos.
VOLTANDO AO ESTUDO DOS IRMÃOS VAN TULLEKEN:
Os cientistas que acompanharam o estudo ficaram realmente surpresos com a rapidez com que os efeitos tóxicos do álcool apareceram e, mais ainda, no irmão que consumiu doses menores, porém diárias. Esta é uma questão que persiste: a capacidade de regeneração do fígado x a toxicidade do etanol. É sabido que o fígado tem excepcional capacidade de reconstrução, vide o exemplo de doadores para transplante que, mesmo cedendo 40% de seu fígado, o recuperam em apenas 4 meses. No caso do álcool, entretanto, é diferente. O tempo necessário para a recuperação entre os momentos de consumo parece ser bem superior ao que pensávamos, pelo menos é o que se observa neste estudo apresentado na BBC.
Os parâmetros inflamatórios, por exemplo, TNF-alfa, CRP, MDA, todos só retornaram ao normal mais de 30 dias após o consumo em larga escala (Xand)! As alterações intestinais ainda nem puderam ser avaliadas quanto ao tempo para sua recuperação!
A ÚNICA COISA QUE FOI DIFERENTE ENTRE CHRIS e XAND:
As alterações na permeabilidade intestinal. Essa condição, aliás predisponente para várias patologias, incluindo endotoxemia, não se verificou no consumidor das menores doses, diariamente (Chris). Porém, vale lembrar, o estudo foi de apenas 1 mês - o que não nos permite dizer se com o prosseguimento do uso diário de 3 unidades de etanol tal não pudesse acontecer.
O CONSUMO DE ÁLCOOL NO MUNDO:
Todos os países da Comunidade Européia estão preocupados com o excessivo consumo de etanol, especialmente entre os jovens, pois está crescendo demais. O EUA também. Alguns países, como a Rússia, consideram o alcoolismo um problema de saúde pública descontrolado.
De tal preocupação surgiu a ideia - péssima ideia - de estipular valores seguros para o consumo de álcool por parte da Câmara de Saúde Britânica. Eu digo péssima ideia porque não sabemos ainda o suficiente sobre tudo o que envolve o álcool - toxicologia, psico-dependência, predisposição genética, uso social e adicção.
Até hoje é muito difícil determinar como o indivíduo é passível de tornar-se um alcoolista grave, mesmo já conhecendo alguns genótipos predisponentes.
Vejam que interessante: estima-se que o ser humano consuma álcool há mais de 6 mil anos, alguns supõem 10.000 anos. Parece que as primeiras receitas de fermentado de cevada são atribuídas a um povo pré-egípcio, os caldeus - portanto haja tempo nisso.
Possivelmente através de milênios de contato com o álcool, desenvolvemos um sistema hepático bastante eficiente de metabolismo, inclusive com alternativas ao tradicional ADH/ALDH:
- Xantina Oxidase
- CYPs
O acionamento dos citocromos, como não são enzimas específicas, sempre pode ensejar o aparecimento de perigosos peróxidos e epóxidos, portanto todo cuidado é pouco quando o consumo de álcool é exagerado e exige o metabolismo no Retículo Endotelial (CYPs).
A enzima Xantina Oxidase, outra alternativa ao metabolismo do etanol, é fortemente produtora do radical livre SUPERÓXIDO, portanto sua reação aumenta sobremaneira o estresse oxidativo celular.
Mas, enfim, aprendemos a lidar com o etanol, criamos enzimas específicas, como a ALDH, e desenvolvemos estes sistemas alternativos acima (existirão outros?). Ficamos bastante eficientes em metabolizar o álcool etílico, mas ainda há muito a ser desvendado sobre as ações do etanol no cérebro. A amnésia alcoólica parece ser um bloqueio avassalador que o excesso de etanol (não etanal) provoca nos receptores colinérgicos, onde se inicia a gravação de memória recente. Assim, no estado de embriaguez, boa parte do que transcorre ao indivíduo é impossível de ser resgatado pela memória.
Embora o básico sobre o metabolismo do álcool tenha sido descoberto entre os anos 1930 e 1950, ficamos aí estagnados por décadas! Daí a razão para todo o mundo estar dando tanta importância para o estudo dos irmãos van TULLEKEN. É óbvio que a amostragem é muito pequena, mas as descobertas permitem aos que trabalham nessa área planejarem suas pesquisas futuras sob outra visão, muito mais ampla! Só o fato de a permeabilidade intestinal apresentar fortes alterações pelo consumo excessivo de álcool muda e acrescenta muito ao objetivo de novas pesquisas, que aliás já estão sendo planejadas no Reino Unido e em Massachussets (EUA), e certamente muito acrescentarão às recentes descobertas.
CONCENTRAÇÃO DO ÁLCOOL NA BEBIDA: muito importante.
Um outro aspecto que precisa ser considerado é a forma na qual se ingere o álcool. Bebidas muito concentradas, como os destilados, forçam a absorção do etanol já na mucosa estomacal! Como sabemos, isso é uma exceção, já que o estômago não é um órgão absortivo. A exceção acontece devido à concentração do etanol no líquido (acima de 38%) e também por uma característica peculiar: o álcool etílico é uma molécula peculiar, com diminuto PM e forte polaridade, mas com alguma capacidade de lipossolubilidade. É essa combinação que permite ao etanol atravessar a camada epitelial não estratificada do estômago. Assim, beber o álcool em bebidas concentradas sempre será pior, especialmente com estômago vazio.
As bebidas diluídas, como cerveja (aquelas até 5% de etanol), oferecem menor possibilidade de absorção pelo estômago, sua absorção é mais lenta e a distribuição sanguínea também, fatos que permitem ao fígado lidar melhor com essa intoxicação. Mas se ingerida em grandes volumes e de forma rápida a cerveja também pode provocar estado de intoxicação alcoólica.
MUDANÇA NOS LIMITES BRITÂNICOS À VISTA:
Parece que o a Câmara Britânica se prepara para publicar novos valores de consumo seguro para o álcool. Na minha opinião deveriam esperar mais um pouco.
Mas se quiserem beber, consumam menos do que 3 unidades de álcool (30ml) de cada vez.
E nunca, mas nunca beba diariamente! O fígado precisa de um tempo...
Isto parece ser muito importante para preservar a saúde.
Nota: não tenho muitas informações, mas fiquei sabendo por uma amiga médica - Sandra Galeão - que um estudo realizado na Universidade de Porto Alegre já havia chegado a essa conclusão nos anos 1990 - se alguém tiver mais detalhes, por favor fornecer!
Isto parece ser muito importante para preservar a saúde.
Nota: não tenho muitas informações, mas fiquei sabendo por uma amiga médica - Sandra Galeão - que um estudo realizado na Universidade de Porto Alegre já havia chegado a essa conclusão nos anos 1990 - se alguém tiver mais detalhes, por favor fornecer!
Estaremos juntos em 03/03/2016 para a CONFERÊNCIA:
"BIOFLAVONÓIDES: atualização indispensável à saúde".
Palestrantes: Paulo Lopes / Celio Mendes
Local: Copacabana Mar Hotel, Salão Azul, R. Min. Viveiros de Castro 155 - Copacabana.
Horário: 10 às 13h.
Todos estão convidados, mas cheguem na hora pois só temos 50 lugares.
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