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terça-feira, 5 de janeiro de 2016

A DOENÇA DE STEVE HAWKINS

Acho que a ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA (ELA) vai acabar sendo conhecida no futuro como "DOENÇA DE STEVE HAWKINS", isto devido à importância do físico britânico para o contexto científico contemporâneo, aliada ao desafio que é controlar essa síndrome degenerativa.
Como sabemos, a ELA decorre de uma progressiva atonia e paralisia por perda de fibras musculares que pode atingir o ápice mesmo antes dos 20 anos de idade. A estimativa é de que a prevalência da doença esteja entre 0,04 a 0,07% nos EUA, mas mesmo assim constitui-se numa tragédia humana pela destruição do indivíduo, mantendo-o cognitivo até o fim, diferentemente de outras como Alzheimer. Uma prisão em "si mesmo", imaginou o sofrimento?

Pois bem, um passo gigantesco acaba de ser dado em direção ao entendimento dessa doença terrível, com a descoberta de mutações no gene que controla a síntese da enzima SOD-1 (já foram descritas 155 !).
Como dizia o saudoso Prof. Helion Póvoa Filho em 1990, a SOD (superóxido dismutase) é a enzima mais abundante no organismo, e também a mais importante nas defesas antioxidantes endógenas. É a SOD que neutraliza o primeiro radical livre formado na cascata oxidativa do oxigênio, denominado SUPERÓXIDO (O2-). Esse passo é fundamental para evitar o acúmulo desse radical livre nas células, o que abreviaria sobremaneira a longevidade celular e o número de Hayflick.
É importante ressaltar que a neutralização do superóxido produz H2O2, a popular "água oxigenada", que exigirá tratamento adequado por um grupo de enzimas denominadas peroxidases, as mais importantes: CATALASE, GLUTATHIONE PEROXIDASE (GPx) e PEROXIREDOXINAS. Essa tropa de choque é encarregada de transformar a água oxigenada em água comum (H2O), sem perigo para o organismo.

Um estágio crítico no tratamento antioxidante endógeno é exatamente essa transformação, posto que se houver acúmulo de H2O2 teremos um sério problema: aumento de HIDROXILA (HO•), o radical livre mais agressivo e poderoso do que o próprio superóxido.
Para termos ideia do perigo do acúmulo da HO• basta recordarmos que há pouco tempo ficou determinado que somente HO•, não o O2-, é capaz de iniciar a oxidação dos lipídios do sangue, produzindo peróxidos tóxicos com atividade aterogênica (causadores do infarto) e outros com marcante ação cancerígena (isoprostanos e isofuranos). Qualquer dia vou escrever um pouco sobre a LDL-ox no infarto e sobre os lipoperóxidos tóxicos na indução cancerígena.

A ação integrada da SOD com a GPx permite ao organismo controlar perfeitamente esse ambiente oxidante que é o nosso metabolismo aeróbico. Uma descoberta marcante sobre o desequilíbrio dessas duas enzimas foi obtida com estudos da síndrome de DOWN, onde a trissomia do cromossoma 21 provoca uma super-expressão na SOD-1, causando no cérebro uma quantidade elevadíssima de H2O2. Como a trissomia não aumenta simultaneamente a oferta de GPx, não é possível ao feto acometido de DOWN lidar com tamanha exposição à H2O2, a qual gera imensas quantidades de OH•. A brutal carga de hidroxila (OH•) causa danos ao tecido cerebral em formação no feto, que serão irreversíveis após o nascimento.

Estamos vendo, claramente, o quanto é importante para a higidez de nosso organismo que nossas defesas antioxidantes funcionem perfeitamente. Quaisquer alterações, seja de caráter genético ou epi-genético nesse sistema (SOD - CAT - GPx - Prx) trarão graves consequências, especialmente ao tecido nervoso, muito vulnerável ao ataque de radicais livres. Não nos esqueçamos que o revestimento dos nervos, a MIELINA, é composta de fosfolipídios, em especial esfingosídeos, muito sensíveis à presença de O2- e HO• - a degeneração da mielina é responsável por várias síndromes graves, como ESCLEROSE MÚLTIPLA, PARKINSON e DISCINESIA.

Bom, mas voltando à descoberta recente sobre o papel da  SOD-1 na ELA, um grupo de cientistas liderados por Rachele Saccon publicou em maio do ano passado um artigo muito elucidativo, cujo link dou abaixo:

Neste artigo os cientistas relatam pela primeira vez que tão importante quanto a perda de função pelas mutações é a formação de subprodutos tóxicos da SOD-1. Estou frisando isso, em função de recém-publicado artigo (Dokholyan & Cols) que descreve a formação dos TRÍMEROS da SOD-1 como a PRINCIPAL CAUSA da degeneração de fibras musculares observada nos pacientes com ELA! 

Veja microfotografia eletrônica dos precipitados da SOD-1:


As formações esverdeadas são os precipitados de SOD-1 que ao serem depositados sobre neurônios motores e seus axônios vão, gradativamente, bloqueando a neurotransmissão motora, causando atrofia e perda muscular progressivas características da Esclerose Lateral Amiotrófica.
Foto publicada por "O Globo".

No artigo anterior de Saccon & cols já era mencionado que a AGREGAÇÃO de filamentos proteicos da enzima (SOD-1) estavam envolvidos com a fisiopatologia da doença. Bingo!

O mérito da equipe liderada por Dokholyan, cujo link está abaixo, foi identificar a formação dos TRÍMEROS da SOD-1 e determinar sua toxicidade para fibras musculares. Esses precipitados da SOD-1 foram identificados nos tecidos de pacientes portadoras da ELA, não deixando mais dúvidas sobre sua toxicidade para o tecido muscular. O artigo de Dokholyan & cols, por sua objetividade e demonstração inequívoca, ganhou espaço na mídia mundial, merecendo comentário em todos os fóruns importantes em neurologia. Vale a pena conferir:

Entretanto, voltando ao nosso querido Helion Póvoa, não se deve esquecer jamais que disfunções na SOD têm repercussões diretas sobre o equilíbrio oxidativo celular e predispõe os tecidos a degenerações! Mesmo com o avanço das pesquisas sobre as deformações na enzima, cujos sítios moleculares começam a ser identificados em estudos como o de Furukawa & cols, é preciso não perder o foco no perigo que é a perda de atividade da SOD para a célula.

Em seu artigo, Furukawa & cols relatam que as ligações dissulfeto (S=S) ao sofrerem reduções e liberaram cobre e zinco, geram alterações ao longo da cadeia peptídica, levando a deformações:

O assunto é por demais apaixonante, mas acho que por hoje está suficiente para despertar o interesse, não é mesmo! Consultem os artigos em link e aprendam mais um pouco sobre a ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFRICA (ou doença de Hawkins?).

Na próxima publicação marcada para 12 de janeiro próximo divulgarei o calendário das Conferências Científicas do Grupo de Estudos Helion Póvoa (GEHP). Esperamos a presença de todos, pois os temas são sempre pertinentes ao nosso momento na pesquisa sobre medicina e saúde.

Saudações a ex-alunos e amigos do blog SAÚDE & CIÊNCIA.




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