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quarta-feira, 20 de junho de 2018

ÔMEGA 3 e as PUBLICAÇÕES SOBRE CÂNCER DE PRÓSTATA.

Em 2011 uma dupla de pesquisadores (Theodore Brasky, um conceituado pesquisador de Ohio University e Alan Kristal, da Washington University, ) publicou um artigo (Am J Epidem, 2011, 173[12] sobre a avaliação dos dados obtidos com participantes do PROSTATE CANCER PREVENTION TRIAL (1994-2003). Curiosamente, para eles próprios, os resultados dos níveis sanguíneos de ácido docosahexanóico (DHA) foram relacionados diretamente com o aumento da incidência desse tipo de câncer.
O DHA é o mais importante ômega 3 no sistema nervoso, incluindo membrana dos neurônios e filamentos nervosos. Além disso, os níveis de DHA no cérebro humano são elevadíssimos, quando comparados a outros órgãos e demais primatas.
Por isso, a publicação causou surpresa aos autores do estudo. Devido a algumas limitações no estudo de Bradsky e Kristal, a repercussão foi pequena no âmbito científico. A própria mídia leiga absteve-se de enfatizar os achados do estudo. Vamos analisar o que se sucedeu desde então - antes uma breve revisão sobre a importância dos ácidos graxos poli-insaturados (ômega 6 / ômega 3).

O BALANÇO ÔMEGA 6 / ÔMEGA 3: o Professor Helion Póvoa foi um dos primeiros cientistas a chamar a atenção para o aspecto inflamatório de uma dieta com excesso de ômega 6, em relação ao ômega 3. Isto ocorre porque o metabolismo de ômega 6 leva ao aumento do catabolismo de ácido araquidônico, cujos subprodutos são fortemente inflamatórios e aterogênicos.
É de pleno conhecimento da biologia e da medicina que a ação das enzimas LIPOXIGENASE e CICLOXIGENASE (1,2) leva à formação da série 2 das prostaglandinas - a série "inflamatória". Tanto assim que a maioria dos antinflamatórios modernos não esteroidais (NSAIDS) (diclofenaco, ibuprofeno, cetoprofeno e tantos mais) são projetados para a inibição de COX 1,2.

Vejam na figura abaixo o desdobramento dos ômega 6 e suas vias inflamatórias:


A série 2 (em vermelho) é responsável pelos efeitos inflamatórios e vasoconstrição (TAX2, LTB4 e PGF2alfa).


É evidente que a oferta de ômega 6 é bem maior do que a de ômega 3 em nossa dieta, entretanto, na atualidade essa diferença atinge proporções preocupantes. Uma dieta desequilibrada (>15 ômega 6 / ômega 3), certamente é um fator para doenças inflamatórias, disfunção endotelial (aterogênese) e também para maior incidência de câncer. Não é incomum, hoje em dia, encontrarmos um consumo na dieta de 50 partes de ômega 6 para 1 parte de ômega 3! Vejam no gráfico abaixo:


Por longo tempo temos acompanhado as publicações sobre os efeitos benéficos dos ácidos graxos da família ômega 3 sobre o sistema cardiovascular. Artigos recentes continuam a surgir ratificando os benefícios (todos de 2018).
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29904777
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29914111
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29903169
https://reader.elsevier.com/reader/sd/66EE19C37FD0FC42005FB60357B68CFA0302976CE3C86B74D6965D41134BF508F9A3ACA45853A78A485D26EA28D8B377

Também sobre depressão e ansiedade:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29882923

Cognição e memória:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29865075

Esteatose hepática:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29864682

Enfim, um grande número de publicações por décadas atestam os efeitos benéficos quando diminuímos a defasagem de omega 3 em relação a omega 6 na dieta moderna.

VOLTANDO À PUBLICAÇÃO DE 2011: a aplicação dos métodos estatísticos para avaliação de parâmetros não alvo em estudos originais já foi adotada anteriormente, nem sempre com sucesso, dado as características peculiares da seleção dos participantes. Nesse caso em particular, o DHA é especialmente sensível ao conteúdo oxidante dos CYP e retículo endotelial, com a formação de derivados peroxidados lipídicos. Um dos aspectos que chama atenção no estudo de 2011 é o percentual de pacientes fumantes e alcoolistas (57,5% e 68,5%) selecionados para o estudo sobre
câncer de próstata, respectivamente - ainda que com o consumo médio de até 30g de álcool/dia. Estes são fatores que subentendem uma atividade exacerbada dos CYP (citrocromos) e retículo endotelial (MFOS - multi function oxidase system), aumentando o risco de peroxidação dos ácidos graxos poli-insaturados. Além disso, entre os pacientes selecionados com câncer de próstata, 51,1% estavam com BMI entre 25 e 29,9. Todos esses fatores podem ser interferentes no status do DHA ou EPA, ou seja, no índice de oxidação desses lipídios.
É sabido que produtos da oxidação não enzimática dos ácidos graxos poli-insaturados (5HPETE, isoprostanos, isofuranos e neuroprostanos) estão fortemente relacionados com câncer. Por isso teria sido importante a avaliação não somente do conteúdo de DHA, mas de que forma se apresentaria o ácido graxo. Os próprios autores, na página 1434 (Am J Epidem, 2011, 173[12]) consideram "Não houve associações de câncer de próstata com qualquer medida de ácido graxo. DHA foi associado positivamente, mas não linearmente, com o risco de câncer de próstata de elevado grau".
Quando pensamos no aporte gorduroso da dieta ou de suplementos, como os ômega 3, devemos sempre pensar no status de antioxidantes do indivíduo. A combinação de excesso de ácidos graxos poli-insaturados, sejam ômega 6 ou ômega 3, com excesso de radicais livres nunca deu bons resultados, como enfatizava nosso querido Prof. Helion Póvoa!

O QUE SE SUCEDEU APÓS 2011: em 2013, Brasky e Kristal publicaram outro artigo (J Natl Cancer Inst, 2013, 105) onde afirmam "a inflamação exerce um papel na etiologia de muitos tipos de câncer".  O papel antinflamatório dos ômega 3 está muito documentado na literatura médica - em outra publicação dos autores (Cancer Prev Res, 2015 July, 8[7]) este fato é plenamente reconhecido: "ácidos graxos n-3 foram inversamente, ácidos graxos n-6 foram positivamente e ácidos graxos trans, não foram associados com inflamação intra-prostática nos pacientes".
Ainda sobre o estudo de 2013, Brasky e Kristal, relatam algo ainda mais surpreendente: gordura trans foi inversamente relacionada com câncer de próstata!? É com grande perplexidade que analisamos tal relato, visto já haver posição internacional oficial sobre os efeitos negativos de ácidos graxos trans sobre a saúde humana.

Em 2014 (J National Cancer Institute, 106(9), Brasky Kristal participam de grupo internacional de cientistas que revisaram os dados anteriormente publicados, chegando à conclusão:
"NÃO HOUVE FORTE EVIDENCIA DE QUE OS ÁCIDOS GRAXOS CIRCULANTES SEJAM IMPORTANTES PREDITORES DO RISCO DE CÂNCER DE PRÓSTATA. NÃO ESTÁ CLARO SE AS MODESTAS ASSOCIAÇÕES DE ÁCIDO ESTEÁRICO, EICOSAPENTANÓICO (EPA) e DOCOSAHEXANÓICO SÃO FATORES CAUSAIS".

O QUE PODEMOS EXTRAIR DISSO TUDO:

  1. O estresse oxidativo é um fator de risco importante para a peroxidação lipídica, incluindo ácidos graxos saturados, mono insaturados e poli-insaturados. O excesso de gordura na dieta, ou suplementação em cápsulas, deve ser objeto de cuidado. 
  2. Os subprodutos da peroxidação lipídica são reconhecidamente perigosos, tóxicos e cancerígenos (5HPETES, ISOPROSTANOS, ISOFURANOS, NEUROPROSTANOS).
  3. O balanço ômega 6 / ômega 3 é muito importante para um perfil menos inflamatório da dieta. Relações acima de 15:1 são perigosas, atingindo o ápice na chamada "western diet", onde as populações apresentam elevadíssimo índice de câncer e doença cardiovascular obstrutiva.
  4. Ao contrário, o que se observa nas populações com melhor resultado de ômega 3 neste balanço (japoneses, inuits e esquimós)  é menor incidência de ambos, câncer e CVD.
  5. Vejam o gráfico abaixo:


6. De qualquer forma os índices de gordura (insaturados, ômega 6 e ômega 3) devem ser controlados na ingesta total, evitando-se o excesso.
7. A escolha do suplemento de ÔMEGA 3 deve ser cuidadosa, optando-se pelo produto destilado (molecular) e não o filtrado simples (a quente). Neste último podem ser detectados elevados níveis de subprodutos oxidados pelo calor.
8. Dado os níveis elevados de ômega 6 na dieta, é aconselhável a utilização de cápsulas de ômega 3 destilado molecularmente, em doses consideradas seguras, entre 1 a 3g/dia.


Em nosso CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE ORTOMOLECULAR, estaremos abordando com mais profundidade este e outros temas ligados à homeostase redox e doenças relacionadas. Até o próximo módulo (CARDIOVASCULAR) em 28 de julho de 2018.

Abcs aos alunos e a todos os amigos.

Celio Mendes.