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sexta-feira, 27 de março de 2015

OBESIDADE: EXPLICANDO O ÓBVIO.

Após a palestra que proferi ontem, 26 de março, no Salão Azul do Copamar Hotel, muitos colegas comentaram o quanto ainda falta sabermos para explicar a pandemia de obesidade no mundo.
Superficialmente, a obesidade é o saldo da maior entrada de calorias no corpo em relação ao gasto menor que fazemos, diariamente e cronicamente. Ponto.
Mas é desafiante o estudo bioquímico que a cada passo vai mostrando um mapa mais claro de como se comporta o organismo diante dessa realidade.
O ponto de partida desta análise deve ser o tempo que nossa espécie (H. sapiens) e possíveis precursoras (H. erectus) levaram para se adaptar às condições de vida como coletores e caçadores oportunistas: de 60 a 500 mil anos. Um sistema enzimático foi criado e aperfeiçoado para GUARDAR, APROVEITAR, ARMAZENAR calorias extras, como estratégia biológica de sobrevivência!
Então, quando mudamos radicalmente toda a adaptação biológica em apenas 200 anos, é impossível que a nova realidade seja contemplada com nova adaptação tão rapidamente. Entretanto, como hoje dispomos de avanços tecnológicos inimagináveis há 200 anos atrás, a busca de soluções que possam abreviar o tempo necessário para a nova adaptação começa a ser prioridade em todos os países desenvolvidos e também em vários não tão desenvolvidos. Ou seja, é uma prioridade mundial estudar e tentar solucionar o problema da obesidade.
Ela não só limita movimentos e vida, como contribui para baixa estima, depressão e timidez. Além disso a relação de obesidade com outras patologias, como câncer e diabetes, está cada vez mais consolidada. Substâncias liberadas no organismo a partir do metabolismo alternativo das gorduras (o principal é a beta-oxidação), como os isoprostanos e epóxidos, estão entre os mais potentes carcinogênicos conhecidos. E o pior: nós os produzimos na tentativa de metabolizar o excesso de gordura, utilizando a via dos CYPs no Retículo Endotelial, que não é específica e ataca a estrutura dos lipídios com hidroxila reativa (radical livre), causando mutilações nas moléculas--> epóxidos, peróxidos e isoprostanes. Basta colocar esses último no Google junto com a palavra "cancer". Você vai se surpreender, os maiores cancerígenos nós mesmos produzimos quando estamos com excesso de gordura! Veja, por exemplo, títulos médicos que já propõem usar os isoprostanes como indicados (avisos) do risco de câncer:


Do ponto de vista bioquímico, o acúmulo de gordura começa com o aporte de um metabólito: acetil CoA. Veja a figura:


Esse é um sistema muito eficiente, de modo que toda a sobra de acetil CoA, pelo nosso sedentarismo, vai imediatamente ser guardada pelo corpo, para uso futuro. Só que esse uso não acontece porque ficamos cada vez menos ativos fisicamente. E não adianta ficarmos batendo nessas teclas - ingerir menos calorias e fazer mais exercício. Isto não vai mudar facilmente! Talvez nem mude mais, mas sim seja adaptado. Não está acontecendo, é maior do que nós, sejamos médicos, bioquímicos, psicólogos, fisioterapeutas, enfim, leigos e a população global. Estamos esquecendo que a obesidade é REFLEXO DIRETO DA TECNOLOGIA! É um dos acidentes de percurso do avanço tecnológico, assim com a avassaladora falta de tempo para nós mesmos. Temos veículos muito mais rápidos do que a velocidade do homem, mas não nos beneficiamos mais da maravilhosa invenção do automóvel,  pois simplesmente não conseguem transitar! As distâncias para os locais de trabalhos aumentam desmedidamente, em função do alto valor dos imóveis nas áreas urbanas mais favorecidas. Recente estudo publicado jornal O Globo dá uma média de até 140 minutos de deslocamento na região metropolitana do Rio de Janeiro! Só ida! Que exercício essa pessoa pode fazer ao chegar em casa? Só de levar a colher à boca, se alimentar, para dormir e acordar muito cedo no dia seguinte.
A tecnologia é como um trator que caminha só para a frente, não volta nunca. Portanto, soluções virão para corrigir aquilo que está dando errado no percurso. Assim a obesidade. 

É lógico que modificações terão que ocorrer no organismo para mudar o padrão desenvolvido ao longo de centenas de milhares de anos. Vamos falar, então, de alguns pontos metabólicos que poderão ser modificados em resposta ao excesso de calorias e baixo gasto das mesmas.

1. AUMENTO DE EXCREÇÃO: nosso sistema de absorção de nutrientes é muito especializado e eficiente. No grupo dos carboidratos, os maiores fornecedores de calorias, encontramos justamente o mecanismo mais efetivo de absorção, que já se inicia na boca com a AMILASE SALIVAR, enzima que ajuda a prepara os açúcares para serem absorvidos. Depois, outras amilases (pancreática) e glicosidases completam o serviço com MUITA RAPIDEZ. Logo, quase todo o amido ou açúcar ingerido vai estar no sangue, sendo transformado rapidamente em PIRUVATO e, a seguir, em ACETIL CoA. Há estudos que procuram encontrar substâncias medicamentosas ou naturais que possam reduzir a ação destas enzimas de absorção dos carboidratos, aumentando sua excreção intacta pelo intestino. Vejam esse artigo sobre o extrato de Cinnamon (canela) de 2014:


Esse estratégia também é aplicável às gorduras, mas não esqueçam de que mais do que 70% da gordura acumulada no corpo vem da síntese de novo (Prof. Paulo Lacaz!) no fígado, apenas de 25% a 30% é da absorção direta. Para reduzir absorção de gordura foi idealizado na década de 1970 as chamadas resinas ligantes de ácidos biliares, a mais conhecida a colestiramina. É uma solução parcial, já que seu uso leva à diminuição de colesterol, mas aumenta a demanda de triglicerídeos como fornecedores de matéria prima para reposição dos ácidos biliares perdidos nas fezes - os ácidos biliares são confeccionados a partir da molécula do colesterol.
Muito recentemente, a descoberta (Evans & cols) de que os ácidos biliares se ligam aos receptores FXR (tema da palestra que proferi) e ativam mecanismos de eliminação da gordura abdominal, em resposta à alimentação, diminuiu ainda mais a importância das resinas ligantes na medicina.
Evans e seus colaboradores criaram uma molécula, cuja estrutura tem parte similar ao dos cinamatos da canela, a qual deram o nome de FEXARAMINE. Ao se ligar nos receptores FXR intestinais, como fazem os ácidos biliares quando o alimento chega ao duodeno, a FEXARAMINE dá os estímulos para que as enzimas lípases adipocitárias iniciem a quebra dos triglicerídeos acumulados nos adipócitos. Com no momento da administração do medicamento não está ocorrendo alimentação, o organismo começa a se desfazer do saldo altamente positivo de gordura no corpo. O mais importante é que a ativação dos receptores FXR não só aciona a quebra da gordura acumulada no abdômen, mas também vai ativando em cascata os mecanismos necessários a que a gordura liberada seja transportada até o fígado e seja queimada nas reações de beta-oxidação.

Imagina-se que, com tempo (muito tempo!) adaptações possam surgir no homem para enfrentar a avalanche calórica que inunda supermercados e as dispensas residenciais. Por exemplo, mudanças nos gradientes de absorção intestinal e, muito importante, no microbioma intestinal que mostra estar diretamente envolvido com a absorção de calorias. Lembrem-se que no início do ano de 2014 estudos publicados na Nature mostraram que algumas da centenas de espécies de bactérias intestinais, que chegam a ser mais numerosas do que as próprias células de nosso corpo, podem influir diretamente na obesidade. Por exemplo, as metanógenas que aumentam a captação de glicose e açúcares no intestino. A influência da flora intestinal na obesidade, como dizia o brilhante e saudoso Professor Helion Póvoa Filho, é inegável - hoje é patente através das pesquisas publicadas. Assim, na contramão das estratégias para diminuir a absorção intestinal de calorias, a flora intestinal, quando alterada, pode trabalhar contra! Bactérias ávidas por calorias, como Methanobrevibacterium smithii, Prevotella e outras podem nos tornar verdadeiras bombas de absorver açúcares, mesmo aqueles complexados e que jamais poderíamos absorver, como a celulose. Portanto, a segunda estratégia é exatamente a reposição de probióticos, as bactérias boas que nos ajudam a conter a expansão das gulosas.

1.1 REFLORESTAMENTO INTESTINAL: o mapeamento da flora humana é tarefa hercúlea para a ciência, já que bilhões de bactérias e fungos habitam os intestinos, isso sem falar da pele e de cavidades mucosas. Nos intestinos são mais de 400 espécies! Incrivelmente a medicina se dedicou ao estudo de poucas dessas bactérias, as do grupo Lactobacillus, que são muito importantes para a higidez intestinal. Porém, começamos a saber pelos estudos publicados na Nature 2012/2013/2014 que manter certas bactérias (metanógenas) sob controle é fundamental. Para isso a espécie LACTOBACILLUS REUTERI é a mais potente, pois consegue eliminar a concorrência com facilidade devido ao seu elevado poder de fogo: reuterina, reutericiclina e reutericina - três potentes antibióticos contra bactérias gram negativas e gram positivas. O reflorestamento intestinal é um mecanismo para ajudar a reduzir o excesso de absorção de carboidratos.

2. DIMINUIÇÃO DA LIPOGÊNESE: uma estratégia perseguida em vários modelos de pesquisas farmacêuticas - tentar diminuir a síntese de novo das gorduras, os ácidos graxos de cadeia longa (14-18 C). Infelizmente trata-se de um processo extremamente eficiente em nosso organismo, guardar o que sobrou para usar depois. Mas não estamos usando depois, e isto está se acumulando e gerando obesidade. Vejam abaixo mecanismos atuais de lipogênese e os pontos onde, futuramente, o metabolismo tenderá a ser adaptado:

A síntese do colesterol também depende de ACETIL CoA e ocorre aceleradamente em vista da eficiente bateria de enzimas disponíveis para isto. O colesterol é muito importante para nós, já que diversos hormônios e a vitamina D se originam dessa molécula, por isso sua síntese é prioritária no fígado.
Além disso, as fontes de acetil CoA são muito abundantes em nossa alimentação, especialmente os carboidratos e lipídios. Das proteínas, os aminoácidos também são fontes de acetil CoA, demonstrando que será impossível que reduzir a fabricação de gordura em nosso organismo sem reduzir a oferta de acetil CoA.
Para complicar mais ainda, uma fonte acessória não alimentícia, o ÁLCOOL ETÍLICO, produz imensas quantidades de acetil CoA, nos que abusam desse hábito. É a chamada caloria vazia, porque não tem nutrientes.


Na síntese de ácidos graxos a fonte não é diferente, a mesma acetil CoA. Através de outro sistema enzimático especializado, o organismo partindo de apenas dois carbonos (C2) chega ao prodígio de criar os fatty acids com C14, C16 e C18! Tudo isso para  reuní-los em grupos de 3, associando ao glicerol e criando uma estrutura super compacta para armazenamento no abdômen, os triglicerídeos.
Os triglicerídos são a maneira mais inteligente que se pode encontrar para guardar tanta gordura em um espaço limitado, a célula de gordura (adipócito). São como dobradiças (glicerol) acopladas a 3 filamentos (os ácidos graxos), que se dobram por si mesmos e se compactam mais e mais. Nesta imagem ao lado vemos essa engenhosa maneira que o organismo dos mamíferos criou para armazenar energia, e usá-la quando necessário. Alguns animais (hibernantes) chegam a sobreviver meses somente utilizando a energia estocada na forma de gordura. Para o H. sapiens nos tempos primordiais, a próxima refeição era sempre um desafio de oportunidade e tempo! O desenvolvimento eficiente da lipogênese permitiu que chegássemos até aqui. Vejam um diagrama simplificado da lipogênese hepática:

Existem enzimas que, com adaptação genética ou intervenções da engenharia genética, se modificadas em sua expressão contribuirão significativamente para redução do acúmulo de gordura no corpo:

Acetyl CoA carboxylase
Fatty Acid Synthase
Citrate Liase

A hipomodulação dessas três acima acarretaria, certamente, em redução da lipogênese.

Na síntese do colesterol uma enzima foi objeto de pesquisa e desenvolvimento de inibidores, usados como medicamentos: a HMG CoA Redutase - os medicamentos lançados são do grupo das ESTATINAS. Uma outra enzima, anterior a HMG CoA Redutase, é a ACAT (Acyl CoA Acyl Transferase), porém para essa ainda não foram desenvolvidos inibidores terapêuticos. Na verdade o uso de estatinas sofreu certa queda na prescrição médica após o acidente com a CERIVASTATINA (no Brasil LipoBay), que décadas atrás ocasionou a morte de vários pacientes. A droga foi mal planejada no quesito segurança terapêutica e, apresentando dose terapêutica próxima de dose tóxica, causou rabdomiólise e destruição muscular, levando a óbito. Foi imediatamente retirada do mercado, mas acendeu uma luz vermelha sobre os efeitos colaterais das ESTATINAS --> danos musculares. Por isso vários médicos usam uma suplementação com Coenzima Q-10, um valioso metabólito endógenos que protege as mitocôndrias das fibras musculares. Uma opção natural e comprovadamente eficiente às estatinas são os TOCOTRIENÓIS, parte da vitamina E. Aliás, uma parte esquecida por anos, já que a medicina priorizou apenas o uso do alfa-Tocoferol, um dos oito membros do complexo E.

2.1 CAPÍTULO À PARTE: SÍNTESE DE TRIGLICERÍDEOS.

Duas enzimas são chaves na função de unir ácidos graxos livres com o glicerol, criando a estruturamais compacta para armazenar gordura em nosso corpo. São elas GLICEROL PHOSPHATE ACYL TRANSFERASE (GPAT) e MONO ACYL GLYCEROL ACYL TRANSFERASE (MGAT). Somente de alguns anos para cá começamos a ver interesse dos cientistas em procurar por inibidores dessas enzimas poderosas, que atuam convertendo os ácidos graxos livres em pacotes de gordura estocáveis nos adipócitos. Vejam como ainda precisamos explorar as alternativas metabólicas visando diminuir a eficiência do sistema lipogênico que funciona ininterruptamente dentro de nosso corpo!



3. ESTIMULANDO A LIPÓLISE: lipólise é o termo técnico que se usa para descrever a quebra da união dos ácidos graxos ao glicerol, mas vem sendo usado mais amplamente para designar digestão de gorduras, o processo conhecido como b-oxidação. Obviamente o primeiro passo da lipólise é o desmembramento dos triglicerídeos, passo que foi tão estudado por Evans no desenvolvimento do seu agonista FXR, a fexaramine. Substâncias como Cinnamon extract padronizado e Forskolin (da planta Coleus forskohlii) mostram ter sido inspiração para os novos e promissores agonistas FXR. Seu uso encontra embasamento em vários estudos médicos (muitos que apresentei na palestra) e pode ser um auxílio ao combate da obesidade. Laboratórios de farmácias, como Avena farmacêutica, já dispõem desses extratos. Mas a POTÊNCIA de fexaramine, sinteticamente idealizado para ter afinidade poderosa com os FXR, é muito maior. AGUARDEMOS, já que a droga levará algum tempo para ser liberada pelo FDA. Enquanto isso, as dicas: CYNNAMON + FORSKOLIN + KAEMPFEROL, pois é uma combinação natural que pode ajudar muito na redução da gordura abdominal.
CYNNAMON --> extrato padronizado da Cinnamomum zeylanicum
FORSKOLIN --> extrato padronizado de Coleus forskohlii
KAEMPFEROL --> presente nas alcaparras, extrato padronizado de Kaempferia galanga.

Porém, não basta estimular a lipólise, é necessário que o transporte desses ácidos graxos livres ocorra protegidamente, caso contrário eles poderão ser captados pela VLDL e ficar circulando sem serem queimados. Um grupo de proteínas chamadas Fatty Acid Binding Proteins são estimuladas por esses agonistas FXR, que também estimulam as enzimas da b-oxidação através dos PPAR-alfa.
FOSFATIDIL COLINA demonstra estimular a primeira enzima do sistema b-oxidação: CPT-1. NARINGENINA, um componente de frutas cítricas, especialmente o CITRUS PARADISII, mostraram capacidade de otimizar as enzimas atuantes após a CPT-1 e CPT-2.
Mas falar sobre a beta-oxidação, além de emocionante, é uma longa prosa, que vamos deixar para o próximo capítulo de: OBESIDADE: explicando o óbvio. No próximo também falaremos dos aspectos inflamatórios da obesidade.

Abcs a todos amigos, ex-alunos e membros do GRUPO DE ESTUDOS HELION PÓVOA.





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