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terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

CONTROVÉRSIA SOBRE ÁCIDO FÓLICO

Desde a introdução do enriquecimento dos alimentos (especialmente farinha de trigo) com o ácido fólico tem havido polêmica sobre o assunto. Alguns pesquisadores questionam tal procedimento, especialmente a partir das sugestões para uso de doses bem acima das doses recomendadas para ingestão humana (RDAs) = 0,4mg/dia.

As doses mais elevadas (de 1 a 5mg/dia) começaram a ser mais utilizadas em virtude dos estudos sobre a elevação da homocisteína no sangue e sua relação com as doenças oclusivas dos vasos sanguîneos, especialmente os vasos cerebrais. De fato, vários estudos mostram que há relação entre o aumento de homocisteína e a incidência de AVCs.

Já não é de hoje que a medicina sabe que o bloqueio do ácido fólico pode ser um auxílio no tratamento de certos tipos de câncer (ex: metotrexate), sendo indiscutível que esse nutriente tem papel fundamental na replicação do DNA e na proliferação celular.

O que perdura em dúvida é se sua suplementação poderia também privilegiar células cancerígenas que estariam lantentes em nosso organismo. Como se sabe, o desenvolvimento do câncer se dá em etapas, desde a sua iniciação (promoção de uma célula cancerosa), até a sua promoção (a efetiva proliferação das células cancerosas).

Sabemos que, de modo geral, muitos de nós já foram expostos a agentes iniciadores (radiação, produtos químicos como agrotóxicos e outros sintéticos). O sistema imunológico é dotado de mecanismos sofisticados para "caça" e destruição de células iniciadas (com DNA alterado). Um grupo de células denominadas "Natural Killer Cells" (NK cells) é especialista nisso. Por outro lado, sistemas de informação sobre essas alterações existem dentro das células (L-Glutathione, L-Carnosina) e podem disparar o mecanismo de auto destruição da células (apoptose) quando a mesma está comprometida.

Agora, uma pesquisa recém publicada por Marta Ebbing e equipe (JAMA 2009;302(19):2119-2126 - Cancer Incidence and Mortality After Treatment With Folic Acid and Vitamin B12) afirma que doses suplementares de ácido fólico da ordem de 0,8mg/dia (o dobro da RDA) são incentivadores de câncer, observando 6837 pessoas.

Tal publicação está gerando grande discussão mundial em torno da suplementação com ácido fólico, embora haja considerações importantes a fazer:
  • Novamente são admitidos pacientes fumantes crônicos (39% dos avaliados), o que, pela experiência anterior com betacaroteno, já se sabe que pode alterar a interpretação dos resultados. Fumantes crônicos carregam em seu organismo um nível tão elevado de radicais livres (estresse oxidativo) que não são os voluntários ideais para observação de incidência de câncer pela suplementação com nutrientes sejam antioxidantes ou não. Acho que vale uma discussão sobre isso.
  • Marta Ebbing usou os dados de dois estudos - Norwegian Vitamin [NORVIT] trial e Western Norway B Vitamin Intervention Trial [WENBIT], ambos provenientes de regiões que têm testado sucessivamente nutrientes em fumantes. Porque? Na verdade são regiões com ALTO ÍNDICE DE TABAGISMO, concorrendo para uma sôfrega busca por suplementos que pudessem minorar os efeitos nocivos desse hábito. Não tem dado certo, nem com o betacaroteno, nem com a vitamina E e agora com ácido fólico.
  • Os níveis de ácido fólico não metabolizados pela enzima DFH (dihidro folato redutase) são rapidamente excretados pela via urinária. Seriam responsáveis por estímulo de células cancerosas se, como as demais vitaminas hidrossolúveis, são rapidamente eliminados e não cumulativos?
  • centenas de estudos mostrando uma relação inversa, ou seja, deficiência de ácido fólico e aumento na incidência de câncer, especialmente câncer gastrintestinal.

É preciso olhar essa nova publicação com cuidado para não cometermos o erro maior de ver o retorno da deficiência de folato em níveis críticos, os motivos que levaram vários países, inclusive o Brasil, a adotarem a adição do nutriente em alimentos.

De qualquer forma, o balanço dos estudos em fumantes (betacaroteno e vitamina E nos anos 1990) mostra claramente que os fumantes transformam antioxidantes e vitaminas avidamente em moléculas peroxidadas. No caso do betacaroteno, finalmente, foi identificada a causa do aumento de câncer em fumantes: o epoxicaroteno, uma molécula formada em pessoas com altos índices de radicais livres (fumantes de 1 ou mais carteiras por dia, por mais de 10 anos) e com desequilíbrio nos demais antioxidantes (complexo "E", vitamina C, sulfurados - cisteína, glutathione e ácido lipóico).

O epoxicaroteno formado nos fumantes é, sem dúvida, um agente ALTAMENTE CANCERÍGENO. Aliás, como outros produtos também encontrados no plasma dos fumantes crônicos (isoprostanos).

Acho que devemos, sim, repensar as doses muito elevadas de ácido fólico (acima de 1mg/dia), mas não creio nesse risco nos níveis de 0,8mg/dia mostrados por Ebbing e sua equipe. Pelo contrário, com números bem próximos (0,75mg por dia), estudo também recente de Stidley CA & cols - Cancer Res. 2010 Jan 15;70(2):568-74, Multivitamins, folate, and green vegetables protect against gene promoter methylation in the aerodigestive tract of smokers - os pacientes se beneficiaram com a suplementação e proteção contra alterações no DNA.

Vamos continuar observando e estudando.

Celio Mendes

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